CANTA
Canta, canta, canta
poeta-eu-só
mas não sozinho
que para o ser
seria necessário haver
quem neste redemoinho
pudesse-nos servir
de companhia .
Canta
canta com alegria
pois só tu és a luz
que vai na frente e em frente
-e atrás-
e à noite
-noite e dia-
nos conduz.
Canta poeta canta
canta este mundo calado
que não está aqui
nem ali
nem noutro lado.
E que te não conhece
porque precisa
ó precisa
de ser acordado.
Neste mundo, poeta
há muitas maravilhas
-tu sabes-
As das altas montanhas
com enormes ravinas
e encostas empinadas
onde pasteja o gado.
E vales profundos
cheios de grossos rios
com pétalas esmeraldas
e furta-cores nadantes
que os nossos olhos
contemplam
espetantes.
E a mÃtica montanha
onde se encontra escondida
a chave que nos abrirá
o segredo da vida .
O segredo da morte
do aquem
e do além.
Lá onde não mora
o Ocidente
porque todos se mostram
e estão
virados para a Luz
Nascente.
Mas há também
as enormes planÃcies
em que viceja o verde
e o gado também pasta
e o gado
quando é gado fero
pasta e mata.
E as planÃcies-florestas
em que se não voarmos
só encontraremos sombra
sendo mesmo de dia
a sombra em que se escombra
a nossa valentia.
E as planÃcies geladas
com pequenas clareiras
de sangue
do sangue
da cor
do teu vestido
ó minha amada.
Canta poeta canta
canta também o mar.
O mar é o mais grande
o mar é o maior
o mar nos submerge
no seu
interior.
O mar é o final
lá longe
no longe
do pensamento .
E as ondas do mar
nos deixam suspenso
um grande momento.
No mar navegamos
e bebemos sol
mudamos de cor
e o preto é branco
e o branco é preto
tal como no amor.
Embriagados de sol
morremos no mar
com todo o furor
declamando loucos
que somos só dele
nosso rei-senhor.
E então se no mar
buscarmos o fundo
o fundo do fundo
que é já outro mundo...
Um mundo em que a vida
não nasce do ar
mas da luz
que luz
e flameja
e espirra
do interior .
Deixemos o fundo
que infunde terror
voltemos ao cimo
em que o temor
do terror
-quando há-
é menor.
É um terror nosso
mui familiar
que podemos até
recordar à noite
se houver
luar.
Os mortos que morrem
no mar
estendidos na areia
permitem até
na morte pensar.
E já que falámos
em lua
em luar
os mortos na areia
repousam ali
a meditar.
Depois há as praias
que se enchem de gente
a rir a brincar
ou mesmo mui quedo
a ficar.
E o sol que é traquina
como um menininho
vê na nossa pele
um belo brinquedo
e cria uma célula
e outra e outra
para experimentar.
E tudo isto
ó poeta
parado.
E tudo isto
calado.
Canta poeta canta
que o universo
precisa ó precisa precisa
de ser
acordado.
14-02-2018
Geraldes de Carvalho