− Bom dia! − Diz-lhe ela num bocejo
(de robe e de rolos no cabelo
e mais uns vinte ganchos a prendê-lo)
no meio dum sonoro gargarejo.
− B..Dia! − Mal responde atarantado
o homem de pijama descomposto,
passando preguiçoso a mão no rosto,
a barba por fazer e desolhado.
Arrasta os chinelos pelo chão,
enfrenta no espelho a cara dela,
a pele já flácida, amarela,
e ele com uma cara de morcão.
− Ó filho − tenta ela, com meiguice,
fazer-lhe a pergunta angustiada.
− A ti o dia de hoje não diz nada?
Não digas que esqueceste. Que chatice!
E ele, já prevendo um raspanete,
atrasa a resposta habilidoso.
Deixá-la assim nervosa dá-lhe gozo.
− Ó filha, chega aà um cotonete.
Que raio de pergunta! A esta hora
está meio a dormir, meio acordado,
a barba meia feita e atrasado
e ela quer resposta sem demora.
− Claro que me lembro − titubeia.
Mas logo contra ataca confiante:
− E tu, minha querida, minha amante,
se tu não te lembrares és muito feia.
Mostrando-lhe uma cara de chocada,
levando pesarosa a mão ao peito,
inventa com os olhos um trejeito,
a boca escancarada não diz nada.
Depois abre o robe devagar…
desvenda um 50 mal pintado,
com restos de batom avermelhado,
na pele que já teve outro ar.
− Surpresa! – Diz com amplo sorriso.
E avança para ele decidida,
o robe já lhe cai, bem atrevida,
mulher tão descarada e sem juÃzo.
E ele só recua, atarantado,
tropeça no tapete, quase cai,
Encosta-se à parede, grita um Ai!
e fica encolhido, amedrontado.
Avança para ele o pesadelo
e quando esta visão já o aperta,
acorda, dá um salto e desperta,
num banho de suor a envolvê-lo.
Consegue acalmar-se mais um pouco,
depois olha pró lado angustiado,
suspira de alÃvio, descansado,
pois tudo não passou de um sonho louco.
O medo de esquecer aquela data
até o pouco sono lhe roubou.
Agora, bem desperto, já pensou
surpresa para dar à sua amada.
Desliza pela cama sorrateiro,
gatinha pelo chão como criança.
Que sorte este sonho dar lembrança
dum gesto inusitado, tão porreiro.
Procura entre estojos de pinturas
um lápis para os olhos ou batom.
Pensando eu sou o máximo, eu sou bom,
desenha um 25 entre gorduras.
Regressa para a cama sorridente,
acorda com um beijo a mulher.
− Bom dia, minha querida, tás a ver?
Pergunta ele inchado de contente.
E entre dois bocejos ela vê
aquele 25 desenhado
e ele num sorriso escancarado.
E ela ainda sem saber porquê.
Por fim vem-lhe à cabeça a lembrança
da data que celebram neste dia.
Então ele lembrou-se, quem diria?
Nem tudo está perdido. Haja esperança.
Festeja-se mais um aniversário
de forma subtil e com ternuras.
Apaga-se a luz e às escuras
arranca-se outra folha ao calendário.