Antonio
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« em: Setembro 20, 2007, 17:46:26 » |
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Vindo de Genève, o autocarro com os felizardos finalistas chegou a Zurich ao fim da tarde do dia dezasseis de Março de 1972. Fomos largados à porta do Hotel Rothus que, pudemos constatar, era o mais fraco e baratucho de todos aqueles onde pernoitamos. Por isso, também foi o único em que estava incluÃdo o jantar. Foi a compensação feita pela agência de viagens que tratou dos alojamentos (com excepção dos da Alemanha): a Wagons-Lit Cook que, aliás, foi sempre impecável. Ficava na zona velha da cidade mas, como já era quasi noite e nele tomarÃamos a refeição, acabamos por não conhecer nada de Zurich. Aquando da habitual azáfama de retirar as malas da viatura, distribuir os quartos e neles fazer a arrumação mÃnima, reparamos que mesmo em frente havia um cinema que tinha em exibição um filme que, quer pelo tÃtulo quer pelos cartazes, parecia ser um filme erótico.
Aqui vou recordar mais uma vez que estávamos em 1972. A polÃtica salazarista de censura no cinema era bem forte. Quantos filmes não eram pura e simplesmente proibidos? E quantos não eram truncados, muitas vezes de tal modo que o próprio enredo se tornava incompreensÃvel? Muitos, seguramente. Não posso deixar de vos contar uma das mais caricatas manifestações desse puritanismo saloio que vi no cinema. Estava a presenciar um filme com a então vedeta Brigitte Bardot e, num plano em que a actriz apareceria filmada nua da cinta para cima, de frente, exibindo os seus ainda bonitos seios, de repente a metade inferior do écran aparece toda negra, só deixando ver dos ombros para cima a bela francesa. Aliás, mostrar seios era completamente interdito nas salas de espectáculos. Quando em vinte e oito de Setembro de 1968 Marcelo Caetano (padrinho do conhecido Marcelo Rebelo de Sousa, a quem deu o nome próprio) assumiu a presidência do Conselho de Ministros, os aspectos relativos à censura foram progressivamente reduzidos, sobretudo no que diz respeito a livros. Mas também no cinema. Recordo aqui o primeiro filme visto em Portugal em que seios femininos eram mostrados num plano muito semelhante ao que atrás referi para a Bardot. Eu, que na altura era um frequentador mais do que assÃduo das salas de cinema, fui ver a estreia de “La piscineâ€, um policial francês bem ao meu gosto, realizado em 1968 por Jacques Déray e interpretado por Alain Delon, Maurice Ronet, Romy Schneider e Jane Birkin. Penso que estarÃamos em 1969. Talvez 1970. Mesmo no final da segunda parte (e recordo que havia uma primeira preenchida normalmente com desenhos animados, um jornal de actualidades, e traillers dos próximos filmes a exibir, e depois mais duas com o filme de fundo) surgiu o tal plano em que, pela primeira vez, vi umas mamas no cinema (as da actriz austrÃaca e que, por sinal, e para decepção da maioria dos espectadores à soirée, que eram homens, já estavam bastante descaÃdas). Logo a seguir foi o intervalo (o segundo) e não pude deixar de notar no rosto dos que vieram cá fora fumar um cigarrito e fazer um xixi uma cara diferente da habitual. E o silêncio também era bem maior que o costumeiro. Ao fim e ao cabo, acabávamos de ver um facto histórico. E os seios da Romy assim se tornaram um Ãcone do cinema no nosso paÃs. Mas filmes eróticos e pornográficos, nem pensar em vê-los. Isso ficaria para depois da revolução.
Voltemos a Zurich. Acabado o repasto, muito de nós, rapazes e raparigas, resolvemos ir ver o tal filmezito. E digo assim porque, de facto, era uma comédia brejeira com actos sexuais visivelmente simulados, uma linguagem desbragada (foi o que me disse no final um emigrante português que lá estava, pois eu de alemão não sei mais do que contar até dez) e uns nus femininos e masculinos. O certo é que muitas das nossas colegas não resistiram a dar uns gritinhos semi-histéricos. Mas, para todos os efeitos, foi o primeiro filme “despudorado†que vimos, pelo que não pode deixar de ser referido como um ponto importante da nossa saga através da Europa democrática e sem censura. No final, alguns dos moços estivemos a ouvir o tal emigrante português, que era porteiro no edifÃcio da ONU em Genève, a contar-nos histórias para adultos sobre a sua experiência na Suiça. Coisas um pouco fantasiadas, penso, mas que não deixaram de nos fazer abrir a boca de espanto algumas vezes. Só quem viveu os tempos da ditadura pode avaliar bem o que tudo isto poderia representar para nós. E no dia seguinte, bem cedo como de costume, abalamos rumo a Innsbruck, na Ãustria, onde passamos dois dias e duas noites estupendos, nomeadamente nas pistas de neve onde quasi todos nós andamos de “sku†pela primeira vez.
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