Palavras Por Olga

[anamarques]

Palavras Por Olga


Após várias tentativas cheguei à conclusão que não sou capaz de escrever sobre Olga. Não sou capaz de escrever sobre o livro. Não sou capaz de escrever sobre o filme. Não sou capaz de escrever sobre a mulher. Porquê, perguntarão vocês. Porquê, pergunto sobretudo eu. Acontece que por vezes, em ocasiões muito particulares as palavras não se deixam enredar e capturar por nós. Pelo menos por mim. O que me deixa à pesca. Sem resultado nenhum.
Fernando Morais escreveu a bibliografia de Olga e demorou anos em pesquisas metódicas com cruzamento de dezenas de depoimentos. O que posso dizer em cinco minutos?
Existem pessoas que ficam a ver a vida passar. Existem outras que tomam partido. Existem ainda algumas que resolvem lutar pelos ideais que defendem. Olga foi uma lutadora. Não lutou para ser rica e famosa e ter uma existência confortável. Lutou pelo mundo inteiro. “Pelo bom, pelo justo, pelo melhor do mundo”. Naquela época e naquele contexto a sua arma foi o comunismo. Estaria errada? Não se pode dar ao luxo de conhecer o seu erro. Falou mais alto uma câmara de gás. Falou mais alto um presidente que ordenou a sua deportação do Brasil para a Alemanha de Hitler.
E no entanto ainda agora vou ao Google e leio pessoas que nas entrelinhas aprovam o destino que Olga teve. Por ser comunista.
É aqui que as palavras fogem numa correria louca e eu as perco de vista. Não sobra nenhuma para testemunhar o meu horror. O mundo não quer ser mudado. O mundo quer continuar torto. Ser uma arena de carnificinas intermináveis. Não tem sonho que o salve.
Não consigo falar sobre Olga porque falar sobre Olga é falar sobre a intolerância. E as palavras lançam-se num desvario em busca de um escape. Recusam-se a obedecer à minha ordem de regresso. Já vão bem longe. Acossadas pelo cheiro do sangue.
Olga pariu uma filha numa prisão nazi. Anita foi-lhe retirada com catorze meses e foi criada pela avó materna. Hoje é brasileira.
Olga não teve sucesso na sua tentativa de mudar o mundo. Mas uma coisa fez pela humanidade. Quando alguém quiser julgar o Homem vai ter de se lembrar que um dia existiu uma mulher chamada Olga Benário Prestes.

[NunoMiguelLopes]

A história de Olga é única e não é. É única na forma como se destacou das outras num tempo de lobos e cordeiros. Mas também ela, e nisto não foi a única, morreu num relativo anonimato junto com os outros seis milhões de mártires do Holocausto, todos inscritos na mesma página da História.

Não tendo lido o livro, senti que o filme talvez não fosse capaz de transmitir as nuances duma figura como Olga. Era uma mulher forte e essa força estava evidente no desempenho de Camila Morgado. Os tempos eram difíceis e ela esteve à altura deles. O que lhe aconteceu e o que lhe fizeram, bem como a forma como ela lutou sempre, até ao fim, tudo isso emociona-nos profundamente. Não acredito que, tendo nós a cabeça bem presa a um corpo que sente, possamos ficar indiferentes. O teu texto denota a extrema emoção que a história de Olga fez despontar em ti.

Quanto aos que pautam por um mundo às arrecuas, sempre os haverá. As palavras de ódio são tudo o que têm para se agarrar, porque o passado não volta. O futuro, esse, é que dava jeito que chegasse duma vez por todas.

O teu texto é muito bonito, Ana.

[anamarques]

Obrigada, Nuno. Por teres dito muito mais no teu comentário do que eu fui capaz no texto. Talvez um dia eu consiga escrever mais serenamente. Certamente que Olga merece todas as palavras corajosas do mundo. Beijos.

[Goreti Dias]

Um bom texto!
Temos no fórum um "As nossas leituras - Espaço de opinião" e "Cinema". Talvez o texto lá ficasse bem.
Valeu a pena ler!
Bj

[Jorge Luiz Alves]

Olga tornou-se um fardo para muitos dissecadores de almas, oportunos na autopromoção, porque é o zênite da alma humana: com disse Uris, na peroração final de Bannister contra Kelno, em QB VII: " Há um momento na vida do ser humano em que a própria vida deixa de ter sentido quando se trata da mutilação e degradação de um por outro". Eu também declinaria, mui respeitosamente, de mutilar a memória de Olga Benário Prestes com uma  tentativa de definição - pois tudo o mais, após sua passagem pelo plano físico, resume-se a isso. Abraços e parabéns!