pedrojorge
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« em: Dezembro 03, 2007, 21:35:46 » |
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Corri pelo corredor, era translúcido, um clarão que me deixava repleto de um vazio, o que me esperaria para lá da porta que avistava enquanto dava passadas largas? Aquele silêncio profundo, nem o meu calçado ressoava, estava no limiar da eternidade, o mundo fora inundado pelas trevas, pavorosas, tão monumentais como o meu sofrimento da solidão.
Tinha de proteger o que nunca me ajudou, tinha pouco tempo para perceber porquê, porque a porta aproximava-se entre aquele mistério, incompreendido, que mudara tão velozmente. Uma luz revoluteou esfericamente, deixando um rasto que não se apagaria facilmente, que me circundaria mansamente, era a porta que se abria e que exteriorizava para aquele corredor um sentimento de dúvida, uma pose degenerativa, contudo, que me acalmava ao saber que me aguardava um fim, que primeiro teria de me receber numa sala, algo ou alguém, familiarmente ou desconhecedoramente.
Irrompi na sala, era perfeita, um vazio, sem alguém, afinal não, era só como eu, não me dava o que queria, meramente gritava-me sem vibrar que tinha de salvar a humanidade de entrar em decadência, não precisava de enunciar uma única palavra, era compreensÃvel, eu vira todas aquelas pessoas em apuros, boas ou más, cruéis ou efémeras, a temerem a perda da sua vida, a sentirem o mesmo que eu, todavia, não tinham a certeza que eu tinha, era vero, irreformável, irrevogável, teria o meu fim, não haveria bilhete de volta, eu seria a troca, a peça de azulejo que preenchia minimamente a mansão, que teria de ser arrancada para que tudo voltasse a ser novamente recoberto por uma pelÃcula vÃtrea, protectora da corrosão da cerâmica, que continha toda a história da humanidade, um báculo detonador da segurança que prolongava o desenvolvimento sustentável da espécie Homo Sapiens.
Um menino surgiu do nada, será que conseguiria entendê-lo? Não sei.
Aproximei-me dele, vislumbrei os seus olhos que brilhavam de felicidade, seria por mim? As suas faces eram um fascÃculo perfeito cujas páginas eram apetecivelmente encantadoras de se ver, numa similaridade com as obras de arte que são vistas por milhares de pessoas eternamente, mas poucas lhe tocam e com a intenção de as deixar intactas...
Agora, arrecadei algumas palavras vindas da sua face, porque teria de ser humano? Era no intuito de ajudar a familiarizar-me, a bondade de um esforço de quem não tem qualquer força, porquanto é predicante do inexistente.
Sorriu, por me ver, ter-me-ia tornado num ser benevolente? ― Ainda bem que vieste. Esperei por ti todo este tempo. ― Inclinava o seu queixo reconfortante para a minha cara, (human after all), tinha metade da minha altura, um bebé que aprendera a esposar-se pela situação limite.
Rebaixei a cabeça pela dor que sentia, era desnorteante. ― Porque…
― Te esperei? Permaneço aqui? Pacificamente? Te deixo continuar? Porque continua a chover lá fora e não te peço para enfrentar a chuva, deixo-te no quentinho, embora te esteja a dar um caminho pior ainda do que terias?
― Eu entendo. ― Há protótipos de seres que jamais poderão conquistar a plenitude da serenidade das convivências. ― Não entendo porque tenho este caminho…
― Porque alguém o tinha de seguir. Quem deixaria completamente de existir? Até do próprio nada. ― Asseou um pingo de cloreto de sódio aquoso que fluÃa na face. ― Sou um menino que nunca existiu, e de saber que até nem o não existir poderás ter custa-me... como hei-de transmitir? Infinitamente, tanto quantos os pontos que existem na tua veste de algodão lácteo.
Não lhe forneci quaisquer indicações, o menino iria dar-me todas as respostas, sem que lhe expusesse uma questão, um certo vento levou o meu ânimo da mesma forma que o néctar das plantas é levado pelas abelhas…
― É o custo de deixar que os outros sejam livres? Dar-lhes uma nova oportunidade? Assim quis Deus…
A criança venera-me com um olhar, alegra-se para me consolar. ― O que sentes quando sabes que irás dar a liberdade da vontade a todos? O que pensas de falhares e de nem tu, nem eles progredirem na barreira invisÃvel do tempo? ― Um certo medo resplandeceu na sua face. Não detive qualquer resposta em mim, reconhecia que a tinha se quisesse, no entanto, num instante tão robustamente derradeiro da minha vida, não quis estragar o manifesto da dor que me dava de não voltar a existir no tudo e no nada…
― Não estarei a mentir a todos? A mim mesmo? ― Perguntei.
― Não, irás desaparecer, num momento singular serás o único detentor no Tudo da resposta da existência, de todos os caminhos, de todas as continuidades, a fórmula que prevê tudo, de seguida desaparecerás, e contigo essa pequena raridade, seremos livres, não é a mesma coisa? Estar tudo previsto e ser impossÃvel alcançarmos a resposta? Porque o ser capaz se foi e com ele a ideia de que não somos livres?
Silenciei-me e a todo o meu pensamento. O pequenino voltou a repetir: ― Tu conheces a resposta, por alguma razão irás enfrentar o que te espera… toda aquela energia, consegues senti-la? ― Chorou, e finalmente, precipitei-me a tergiversar os meus olhos no portal, o fim esperava, ou já tinha começado, este era apenas a minha cauda que seguia o sentido para que o meu corpo estava direccionado nos últimos momentos, de resto era esperar para que pudesse ou não arrostar a luz…
Deu passos em frente, na minha direcção, era um ultimato a mim mesmo, o barulho do seu choro ecoou atrás de mim, ele não queria que eu fosse, mas sabia que era o melhor… nunca mais o vi, olhei sempre em frente… desapareci…
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