Antonio
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« em: Setembro 22, 2007, 14:13:53 » |
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Teve lugar nos dias 8, 9 e 10 de Julho de 2005 o 1º Grande Prémio Histórico do Porto, organizado, entre outras entidades, pela Câmara Municipal. Não fui assistir a corridas nem acompanhei de perto os pormenores do evento. Penso que foi um acontecimento muito variado que teve como mote principal os Grandes Prémios de Fórmula 1 disputados no citadino circuito da Boavista nos anos de 1958 e 1960.
Como tive o privilégio de assistir a essas duas corridas que contavam para o campeonato do mundo de pilotos e construtores, não posso deixar de relembrar esses dias. Repito que contavam para o campeonato mundial, pois houve outras corridas desta classe superior que eram meramente particulares. O circuito, perigosíssimo como muitos daquele tempo e nos mais variados países, tinha as boxes e a meta na marginal marítima, entre as praças da Cidade do Salvador e de Gonçalves Zarco (Castelo do Queijo). Os automóveis subiam a avenida da Boavista até virarem à esquerda para a avenida Dr. Antunes Guimarães. Iam pela rua do Lidador até à sinuosa Circunvalação (toda ela marginada por grossas árvores a dois ou três metros dos carros) e esta terminava na praça que citei inicialmente. O primeiro destes “Grand Prix” teve lugar no dia vinte e quatro de Agosto de 1958. O segundo a catorze do mesmo mês de 1960. Eram domingos. Nos sábados anteriores disputaram-se os treinos. A vinte e três de Agosto de 1969 realizou-se idêntica prova no circuito de Monsanto, em Lisboa., mas a esse não assisti. Só muitos anos depois se voltariam a disputar corridas do mesmo nível mas então no autódromo do Estoril. Foram treze provas, de 1984 a 1996.
Apesar de só ter nove e onze anos, respectivamente, o meu pai fez questão de me levar a ambas as corridas. Quer aos treinos de sábado, quer no domingo, o grande dia. Em pleno Agosto, no pino do calor, colocados a meio da recta da avenida da Boavista, ponto onde os carros atingiam a máxima velocidade, com precárias condições de seguranças (ao bólidos passavam a sete ou oito metros da nossa posição, tendo como única protecção duas fileiras de fardos de palha paralelipipédicos, cada uma com dois sobrepostos), aguentando a pé firme sobre um passeio, com o programa das corridas na mão para leitura prévia e consulta durante a prova e o enorme entusiasmo de vermos correr os grandes nomes do que agora se chama o Circo da Fórmula 1. E algum nervoso, também. E se algum carro se despistasse e viesse para cima de nós? Pois não estaria agora a contar-vos essa inolvidável experiência. As sensações foram semelhantes nos dois anos. No início da corrida, com as máquinas todas juntas, não se conseguiu distinguir senão o que ia em primeiro. Em dois ou três segundos tinham passado todos os concorrentes. O ruído era ensurdecedor. O cheiro era intenso e estranho, mas agradável. O meu pai apalpava as minhas mãos e dizia: - Estás com suores frios. Tens medo? - Não, não, papá! – mentia. Passados alguns minutos começava a ouvir-se um ruído distante. - Estás a ouvir? São eles. Vem aí outra vez! – dizia o meu pai, excitadíssimo. E o barulho aumentava, aumentava e, de repente lá vinha outra vez o magote dos concorrentes. E o cheiro. E o barulho. Com o decorrer da corrida o espaço entre os concorrentes foi aumentando. Alguns foram desistindo. Já se podiam identificar todos os corredores. E acompanhar volta a volta a luta pelos primeiros lugares e também por outras classificações entre os que tinham carros menos competitivos. E a adrenalina tinha baixado o seu nível. - Olha, olha, agora não passou o 32. Quem é? – perguntava o meu progenitor. - É o português. O Mário Araújo Cabral. – respondia eu depois de consultar o cardápio. - Esse é um pixote! – sentenciou o adulto. - Oh! Agora não passou o vermelho! – exclamou o pai. - É o Ferrari do Phil Hill, o 26 – avançava eu, já dominando o assunto. Já perto do fim o importante era saber quem seria o vencedor. Ganhou o Stirling Moss em 1958. Era o nosso ídolo: meu e do meu pai. Mas o campeão do mundo foi o Mike Hawthorn, em Ferrari. Ambos ingleses. Passados poucos meses de se sagrar campeão, o loiríssimo Mike morreria no meio de uma amálgama de ferros retorcidos num acidente de viação quando conduzia o seu Ferrari pessoal. O Jack Brabham ganhou a corrida e o título mundial em 1960. A volta de honra encerrava o espectáculo, com os três primeiros classificados empoleirados numa pequena camioneta de caixa aberta. O vencedor tinha à volta do pescoço uma enorme coroa de louros. Exibiam taças. Foram os últimos e mais fortes aplausos. Depois, o regresso a pé até um local onde houvesse carros eléctricos para voltar a casa. E os pilotos percorriam o mesmo caminho dos populares, conduzindo os bólidos em que haviam acelerado minutos antes. Lembro-me de ver o inglês Graham Hill, o seu fino bigode e o cabelo muito liso passar mesmo ao meu lado, no seu BRM em forma de charuto, como todos os outros bólidos da época, muito devagarinho. Haveria de ser campeão do mundo em 1962 e 1968. Morreria na queda de um pequeno avião em Novembro de 1975 quando, no meio de denso nevoeiro tentava aterrar num pequeno aeródromo perto de Londres. O seu filho Damon Hill seria também laureado em 1996. Alguns nomes muito importantes da Fórmula 1 correram nestas provas: Stirling Moss, o eterno segundo, inglês. Mike Hawthorn, prematuramente desaparecido, inglês. Jean Behra, o mais famoso piloto francês da época. Wofgang von Trips, o conde alemão da Ferrari que morreria nas pistas sem ter sido campeão. Jack Brabham, o australiano três vezes campeão do mundo e que agora veio ao Porto. Graham Hill, o inglês cavalheiro, duas vezes triunfador. Maria Teresa de Filippis, a italiana que foi a primeira mulher (e penso que a única) a competir na Fórmula 1. Bruce McLaren, neozelandês. Jim Clark, o inglês que foi o melhor por duas vezes e que morreu na pista de Hockenheim, numa prova de fórmula 2, em Abril de 1968. Muitos se recusaram a admitir que o despiste tivesse sido provocado por erro de condução, tal era a sua competência como piloto. John Surtees, o inglês que veio das motos e ganhou um título. Mário Araújo Cabral, o primeiro português a competir nesta fórmula.
Para terem uma ideia de como estávamos nos primórdios deste tipo de competição, não posso deixar de vos maçar com mais uns dados. O primeiro campeonato do mundo disputou-se em 1950. O vencedor foi o italiano Nino Farina. Também ele venceu a primeira corrida desse ano, em Silverstone. Em 1952 e 1953 ganhou outro italiano: Alberto Ascari. E o mítico argentino Juan Manuel Fângio venceu por cinco vezes. O seu record só muito recentemente foi batido pelo alemão Michael Schumacher, com sete vitórias. Portanto, os dois Grandes Prémios a que assisti directamente, ao vivo como se começou a dizer mais tarde, foram o oitavo e o décimo. Muita coisa mudou entretanto. Vou só referir que em 1965 apareceu a correr um jovem escocês (campeão em 1969, 1971 e 1973) que, com a sua luta pela melhoria das condições de segurança das pistas e nos carros, contribuiu decisivamente para que hoje o número de pilotos mortos em corrida seja percentualmente muitíssimo menor do que o daquela época. O seu nome era e é: Jackie Stewart, o escocês voador.
Uma nota para referir que o Grande Prémio disputado em Monsanto foi ganho por Stirling Moss e Jack Brabham sagrou-se campeão nesse ano de 1959. Nessa corrida estreou-se Mário de Araújo Cabral.
Finalmente, não posso deixar de mencionar que além da Fórmula 1, havia corridas para viaturas menos potentes. E alguns pilotos nacionais batiam-se com os melhores estrangeiros. Eis alguns nomes para a posteridade: Joaquim Filipe Nogueira. Casimiro de Oliveira (irmão do cineasta Manoel de Oliveira). José Nogueira Pinto. Manuel Nogueira Pinto.
Muito haveria para dizer. Mas não é meu propósito contar aqui a história da Fórmula 1. Talvez já tenha escrito demais. Desculpem! (apesar de que, quem não gostou não chegou até aqui, não é verdade?)
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