antónio paiva
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« em: Dezembro 20, 2007, 21:42:31 » |
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Uns pés descalços e gretados doem muito. Uma boca descalça a sofrer em silêncio dói muito mais. Um corpo que definha até virar cinza. A dor desaparece, a morte corta como uma lâmina sem provocar dor. O que sangra dos teus olhos? A dor? Ou a evidência crua da traição? O teu quarto é o Inverno mesmo quando agonizas ao calor tórrido de África.
És recém-nascido, és uma criança de meses, és um jovem, um adolescente, um adulto, um idoso, não importa a tua idade. Empurram-te para os campos minados, para as areias do deserto. Atraiçoam-te, ferem-te até à profundidade onde nada se esclarece. O caminho da água é o desespero, envenenam as nascentes. O coração do diabo comparado com o desses biltres é quase terno.
É insensato dormir escapando moralmente a estes crimes. Há os criminosos activos que executam a sentença de morte, mas não menos responsáveis os coniventes e passivos. Para estes últimos, a pena mínima, era a amargura instalada na própria carne, no próprio sangue. Um formigueiro de vergonha devia-lhes percorrer a pele, poro a poro, provocando-lhes uma sensação miserável. Tão miserável que lhes condenasse o pensamento a trabalhos forçados. Mais pesados que a insónia e a fome.
E o Vaticano Senhor?
Não acredito que concordes com toda aquela opulência e riqueza. Não acredito que concordes que a fé dos homens bons, a dor, a miséria, a doença, a fome e a vida de seres humanos, seja explorada para alimentar a vida palaciana dos teus representantes. A fausta mesa de pão e vinho que diariamente lhes é servida. A cada movimento dos seus gulosos maxilares corresponde o choro de uma criança a morrer de fome, o desespero de uma mulher violada, um corpo trespassado por uma bala…
Não, Senhor, de facto não sou um fervoroso e devoto praticante. Mas respeito a fé de cada um, tenho a minha própria fé. Rezo muitas vezes à minha maneira. Na verdade quando escrevo algo como o que agora estou a escrever, considero uma oração, plena de fé, convicção e de razão. O maior templo criado por Ti é o Mundo, por isso em qualquer lugar do mundo, cada um de nós pode dar expressão à sua fé. Estou certo que concordas comigo. Tenho muitos pecados, sei que tenho. Mas em nenhum deles está escondida a morte de ninguém. Nem tão pouco a indiferença. Sei que és sensato e não me queres perfeito. O que na verdade Tu queres é que eu e os outros não sejamos criminosos, quer por acção, quer por conivência.
Isso, eu tenho a certeza que Tu não queres mesmo!
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