Desabafo apenas - II

[Alice Santos]

Hoje deu-me para as recordações. Ao mexer em fotografias, não consegui evitar. Foram muitos e importantes anos passados a quase vinte mil quilómetros de distância da família, da santa terrinha. Na foto em causa estava um grande amigo, desaparecido no dia 2 de Maio de 2008. ALBERTO ESTIMA DE OLIVEIRA. Nasceu em Lisboa, viveu em Angola e em Macau. Aí tive o privilégio de o conhecer e me tornar sua amiga. Homem afável, de trato fácil, com um bom gosto de invejar, mas de uma simplicidade que tocava qualquer um. Amigo com quem podíamos contar a qualquer momento. Ensinou-me a gostar da comida, das ruas apinhadas - já há muitos anos viviam mais de 500.000 pessoas em menos de vinte quilómetros quadrados - até dos cheiros, que no início não eram nada agradáveis. Era um profundo conhecedor das pessoas e das coisas de Macau. Posso dizer que morei mesmo ao lado da China, pois estava a escassos metros das Portas do Cerco. Quando cheguei a Macau, em 1983, havia um braço de rio, se assim se pode chamar, que separava o território sob administração portuguesa da grande China. Em toda a sua extensão havia arame farpado do lado português e, do outro lado, guaritas com militares chineses que controlavam os emigrantes clandestinos, aqueles que sendo chineses tinham a veleidade de tentar ir para Macau lutar por uma vida melhor. Era proibido e, como tal, muitas manhãs acordavam com corpos a boiar e os soldados a tentar que não voltassem para a pátria. Iriam dar muito trabalho, então que ficassem do lado português. Uma cena nada agradável mas não foi assim há tantos anos. Esse canal em 1996 já era um belo jardim. Não sei se foi o que o meu querido amigo quis focar num dos seus poemas mas foi o que entendi. É verdade. Alberto Estima de Oliveira era uma pessoa querida por todos e era um grande poeta. Tenho vários livros dele que carinhosamente autografou. “ O diálogo do silêncio” de 1988, “O rosto” de 1991 e “O corpo (con)sentido” de 1993. Deixo-vos o poema que referi e que se encontra no seu livro “O diálogo do silêncio”.

    entre luzes
    um lago metálico
      
    é mar de barro

    daqui
    o arame farpado

    do outro

    o outro lado.

[josé antonio]

Alice,

É por causa de tesouros poéticos como este que vale a pena teimar em escrever cada vez melhor e mais sentida poesia...
Abraço
JA

[Alice Santos]

É isso mesmo, José António. Eu cá vou tentando escrever, umas vezes melhor outras pior mas escrevendo sempre.
Abraço,
Alice

[Goreti Dias]

Os lados de um dilema descrita de forma sublime.
Bj

[Alice Santos]

Obrigada Goreti, pela leitura e pelo comentário. És muito exagerada. Sublime?

Beijos,
Alice

[Goreti Dias]

Não sou exagerada, digo o que penso apenas.
Bj

[Alice Santos]

És uma querida. Obrigada.
Mas tens razão. O poema de Estima de Oliveira é, realmente, sublime.
Beijo,
Alice

[carlossoares]

Gosto muito destes desabafos literariamente despretensiosos e, por isso mesmo, belos trechos de humana comunicação e informação interessante.
Abraço

[Alice Santos]

Carlossoares,
obrigada pela sua leitura e agradável comentário.
Alice Santos