Antonio
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« em: Fevereiro 18, 2008, 18:30:33 » |
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Este é o segundo artigo de uma série em que escrevi sobre as minhas experiências em Ãfrica
Em Outubro de 1974 estava em Luanda, alojado na messe dos oficiais da Armada, junto à Base Naval, na Ilha do Cabo. Tinha regressado de três meses em S. Tomé e PrÃncipe onde estivera em missão de patrulhamento a bordo do “Rovumaâ€. Já vos descrevi alguns aspectos do navio e sua guarnição no texto “O meu 25 de Abril†publicado aqui hoje mesmo. Entretanto, o navio ficou em estaleiro para reparações. Uma bela manhã, recebi uma comunicação do Comando Naval para lá me apresentar. Ficava na marginal e cheguei rapidamente. Deram-me instruções para seguir para o Rivungo, substituir durante um mês o comandante do Destacamento de Marinha do Cuando e assim permitir que ele viesse de férias. Não gostei da ideia, mas nada mais me restava senão cumpri-la. O Destacamento ficava no extremo sudeste de Angola, juntinho à Zâmbia, e tinha fama de ser o verdadeiro Cu de Judas, bem mais cu e bem mais Judas que o açoriano, de S. Miguel. Quem de lá regressava, após dois anos de comissão de serviço, vinha seguramente apanhado da mona. Felizmente eu só ficaria um mês. AÃ, a ideia de conhecer o desconhecido, de fazer uma viagem à s terras do fim do mundo, começou a aparecer-me com alguns atractivos. E lá fui! Alguns dias depois, voei até ao KuÃto (ex-Silva Porto). Não vi nada dessa cidade porque pouco depois apanhei mais um voo comercial até Menongue (ex-Serpa Pinto). Aà pernoitei no hotel Luiana e ainda tive tempo de apreciar uma pequena mas bonita cidade, com uma calmaria tal que, se a algum forasteiro fosse dito que estava num paÃs em guerra, certamente não acreditaria. Era, e é, a capital do distrito do Cuando-Cubango ou, na ortografia actual, Kuando-Kubango. Teria de voar para o outro extremo desse distrito. Para isso, dirigi-me novamente ao aeroporto onde tinha sido reservado um lugar na avioneta que fazia semanalmente a circuito nessa área para transporte de pessoas, pequenas mercadorias, correio, jornais, alimentos e pouco mais. Carregando a bagagem, que não era tão pouca como isso, pois sempre tive relutância em separar-me das minhas coisas (ainda hoje sou assim), lá fui ter com o piloto da aeronave. E não esqueci a máquina fotográfica. Cumpridas as formalidades, entrei para bordo. Era um minúsculo avião de quatro lugares. Só havia duas pessoas a bordo. O piloto e eu, ocupando os dianteiros. As bagagens ocupavam os de trás. E começou o ronronar dos motores… Motores? Porra! Aquilo só tinha um motor! Comecei a ficar preocupado. Se o motor avariasse, restava nada, quer dizer, queda a pique. Bom! Mas manda quem pode e obedece quem deve! Eu bem gostaria de ir numa coisa com quatro motores no mÃnimo, mas… Confessei ao parceiro algum receio, só algum, para não fazer muito má figura. Disse-me para não me preocupar pois nada iria acontecer. Ainda para mais o tempo estava óptimo. Fiz que acreditei. A rota era para sul, numa primeira fase. E pouco depois vi-me a sobrevoar a verdadeira savana africana, território de elefantes, leões, girafas, zebras, gazelas, javalis, eu sei lá…ah…e os crocodilos e hipopótamos nos rios. Chegados junto da fronteira com a NamÃbia (na altura ainda um paÃs colonizado e chamado Sudoeste Africano), alteramos o rumo para leste, seguindo o rio Kubango, que corre exactamente nesse sentido e faz o limite fronteiriço. A certa altura a avioneta começou a descer e aterrou aos solavancos na pista de terra batida de Cuangar, pequena povoação onde viviam quasi exclusivamente indÃgenas. O piloto deixava umas coisas e carregava outras. Eu apreciava tudo aquilo que era completamente novo para mim. E aqui vai disto! Mais solavancos e avião no ar. O certo é que o aviãozito parecia funcionar bem. E o piloto sabia do ofÃcio, sem dúvida. A escala seria agora em Calai, e depois de ter estado junto ao solo, pude verificar que toda aquela região era muito plana e geologicamente velha, de solo mole, arenoso mesmo, com uma escassa vegetação rasteira, meio seca, e com árvores de pequeno ou médio porte disseminadas em pequenos grupos. Um tanto como os chaparros no Alentejo, mas com uma velhice e uma secura bem maiores. Do ar, viam-se alguns troncos, ainda em pé, a arder. Era o resultado da queda de raios pois nesse território eram frequentes as trovoadas. De repente, vi uma enorme manada de elefantes. Parecia um formigueiro. Clique…já está! Fiz uma das fotos que ainda guardo. E começou a descida para Calai. Repetiu-se a cena. E mais adiante Dirico. O aviãozinho rumou então para nordeste em direcção ao meu destino: Rivungo. Já se avistava o rio Kuando, que corria para sul. Cheguei são e salvo. E aà vivi dois (acabei for ficar o dobro do tempo) meses completamente diferentes de tudo o que havia experimentado ou alguma vez viria a vivenciar. Um dia vos falarei das minhas aventuras como comandante do Destacamento de Marinha do Cuando. Bom…o destacamento eram trezes homens, incluindo eu. E mais uma lancha de desembarque pequena. Mas que grande tropa eu ia comandar!
(escrito em 1 de Junho de 2005)
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