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Autor Tópico: Concurso “IMAGENS DA NOSSA MEMÓRIA”  (Lida 184447 vezes)
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« Responder #435 em: Setembro 05, 2010, 18:57:45 »

O último dia para recepção dos textos concorrentes será o dia 6 de Setembro próximo, (Segunda-feira)
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« Responder #436 em: Setembro 05, 2010, 19:12:50 »

Texto n.º 287

Lágrimas adolescentes
 
Chamava-te e tu vinhas, carregado de brancura. Muitos chamei depois, mas nunca vinham. Ainda chamo, num resquício de autoridade, mas respondem-me com o desprezo pela minha ordem.
Deste-me a vaidade de ser teu senhor obedecido, dono do teu agachar fiel, do teu subserviente e terno dobrar de espinha, do teu olhar tão servil, mais que humano. 
Minha mãe contou-me, prudentemente pesarosa, como foras arrojado da tua mansidão para o asfalto quente. Nas lágrimas adolescentes que derramei corria a certeza de que nunca mais outro viria ao meu chamar, como um digno cão.
 
Texto n.º 288
 
 
Filho de muita página
 
Nas mãos do João mirava-os, despeitado e invejoso. Ansiava pelas suas janelas, por onde acedia a outras dimensões. Por isso, pedia-lhos, e ele, com a displicência de quem sempre teve, emprestava-mos. Depois, passei para outro nível, o de os pedir à mãe do João, agora mais densos, mais recheados, mais debruados de estilos e arte. Vendo-me a fazer o que desejava que o filho fizesse, a senhora enchia-me os sacos com dezenas deles.
Fiz assim a minha vida, imerso neles, mais ainda quando finalmente pude comprá-los. Sou um filho de muita página…
O meu amigo João só quer agora voltar a página atrás…
 
Texto n.º 289
 
Apurados
 
Distribuíram o orgulho do apuramento em rebuçados lançados sobre as minhas mãos de menor e as mãos menores da outra canalha, igualmente comungante do grande feito. Os nossos cobóis! – que iriam vencer os índios.
Nem setas nem balas tinham sangue nesse tempo. O heroísmo e a valentia não tinham maldade. À morte sucedia mais uma vida, no filme seguinte.
A camioneta onde seguiam, mais crédulos que gado, era de caixa aberta, para que lhes víssemos as coroas de louros. Apurados!
Um ano depois, a caixa que trouxe um, e depois o segundo, era agora fechada. Para que não víssemos The End. A bem da Nação!   
 
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Alfredo D
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« Responder #437 em: Setembro 05, 2010, 19:19:25 »

E não chegam aos 500?
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« Responder #438 em: Setembro 05, 2010, 19:48:15 »

 O texto n.º 166 foi o último publicado em série.  Publicaremos agora o resto da sequência disponível. No final do concurso, serão publicados todos.
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« Responder #439 em: Setembro 05, 2010, 19:48:58 »

Texto n.º 166

Amor eterno
 
Sim, soltei um grito antes de encontrar os teus doces olhos e a tua pele tocar a minha. A dor calou-se no ápice em que os meus braços te enrolaram em mim, um frágil corpo…ah! E o choro suave que ainda hoje me faz sorrir. Chegas-te e eu em ti cresci neste acto unificado, o cordão é cortado mas o sangue que em nós corre é o elo eterno deste amor sem fim!

Texto n.º 167

Traziam o corpo e pouco mais além da vontade de se saciarem mutuamente em fugazes encontros de amantes discretos. Talvez  uma boa dose de culpa se juntasse ao que lhes sobrava da moral e dos bons costumes, ou se calhar, nem isso.... Ao toque da campainha, seguiam-se os passos que rangiam na madeira carunchada escondida por debaixo do plástico a imitar tacos envernizados. Breves palavras serviam para formalizar  o negócio da casa e segundos depois o ranger da porta do quarto e o som de uma volta de chave anunciava o acto que ali nascia e ali ficava. Ilícito? Seria! Mas... que importava isso?

Texto n.º 168

Ao voltar do turno da noite, as roupas da criança, desarrumadas e fora do sítio onde as havia deixado, denunciavam o que a boca teimava em negar ao jorrar um rio de mentiras que não condiziam com o que os olhos envidraçados me diziam, deitando imediatamente tudo por terra.
Das poucas palavras que a inocência do menino não compreendia, meia dúzia chegaram para confirmar o que as minhas suspeitas mais temiam: - " Já era de noite e fui às cavalitas do pai a casa de um amigo dele naquele sítio que tem muitas casas todas feias".
O desespero matava-me todos os dias mais um bocadinho!

Texto n.º 169

Nunca tinha visto o mar, por isso, não via a hora de lá chegar!
Tinha dezasseis anos e graças a uma prima do meu pai, que naquele Verão me convidou por carta a passar aquelas que seriam as primeiras férias da minha vida na sua casa de Lisboa, finalmente estava prestes a realizar um sonho que até ali não passava disso mesmo... um sonho!
A Costa da Caparica foi pouca para abraçar o tanto que eu queria ver do mar...
Valeu-me um escaldão de todo o tamanho, mas valeu também por um mão cheia de emoções indescritíveis!

Texto n.º 170

Sem partir

Entrei no barco de mansinho numa noite de luar, a fim de uma viagem iniciar. Sentei-me na proa com o mar, a me embalar, escutava os sons no silêncio, as ondas em oscilações, numa dança sem par…No meu ombro direito um palpitar, a tua mão que me veio buscar…

Texto n.º 171


Vejo-te a espaços cada vez mais lentos, entre os rasgões da turba sacudida pela batida. Enxugas as tuas lágrimas com as costas da mão. A tua beleza torna redundante o som de todas as palavras com mais de uma sílaba. Meter conversa contigo seria frustrante, impossível. O oxigénio pisca numa mancha confusa de memórias que nunca pegarão e é-me insuportável fechar os olhos, deixar de te ver, mesmo que só por um instante. Com a saliva a coalhar debaixo da língua, não consigo engolir. O ar aquece à tua volta como uma brisa de verão. Tudo cheira a rosas. Lembro-me bem. Rosas. E depois, desapareceste.

Texto n.º 172

Tudo servia para enfeitar o ramo de loureiro que a missa do Domingo de Ramos pedia.As camélias encarnadas,cuidadosamente atadas com um fio por entre as folhas.As serpentinas coloridas enroladas em toda a volta e as tangerinas penduradas aqui e ali,faziam-nos brilhar os olhos de alegria por todo o caminho,pinhal abaixo,até à igreja onde já outros da terra e de toda a freguesia,também eles inchados de orgulho pela beleza da sua obra,a seguravam com ambas as mãos e o mais aprumado que conseguiam.
E depois,havia ainda aqueles que só dobrando a ponta se conseguiriam enfiar dentro da igreja!

Texto n.º 173

TRAVESSURA DE CRIANÇAS
 
Deveria ter 9 a 10 anos e o meu irmão menos 2. Estàvamos a passar férias em casa dos avós e depois do almoço, na sesta que nos era imposta, fingimos dormir e fomos pé ante pé até ao curral e decidimos abrir a cancela e soltar os animais. Toda a aldeia andou empenhada na "caça aos porcos". Depois do trabalho concluído não sabiam onde estàvamos! Agora a aflição era outra!!! Nós, mudos e cheios de medo pelo alvoroço que tínhamos provocado e com medo do castigo que nos aguardava, íamos ouvindo todas as conversas do nosso "esconderijo", debaixo de uma cama de ferro, de onde só saímos ao fim do dia!!!

Texto n.º 174

PÔR DO SOL
 
Ali sentada ao fim da tarde, pude observar o sol mergulhando aos poucos nas águas acetinadas da lagoa, inundando toda a natureza com reflexos alaranjados transformando tudo ao redor numa beleza mágica! As águas transparentes reflectiam faíscas em asas de fogo incandescente, como que enviando mensagens para todos os pontos do horizonte! Também mágico foi esse momento que ainda relembro com saudade, não só pelo cenário edénico mas também pela paz que pude usufruir ao contemplar tanta maravilha! Era o mais belo pôr do sol que já presenciara! Bebi com sofreguidão cada momento dessa contemplação que me deu uma paz indescritível! Nessa noite sonhei com anjos e pude "ver" um mundo melhor!!!

Texto n.º 175


LEMBRAS-TE?
 
Lembras-te quando me puxavas pelo braço e soletravas o meu nome? Como era bom deixar que me conduzisses! Eu ía de olhos bem fechados sem saber para onde me levavas...
Lembras-te do passeio que fizemos pelo meio da serra e como eu estava tão cansada, que me pegaste ao colo? E quando ao final de cada dia mergulhàvamos nas águas transparentes da lagoa? Lembras-te como ríamos por coisas insignificantes e como nos sabia bem jantar à luz do petromax, pão saloio e sopa de feijão? Lembras-te como era bom dormir bem aconchegada a ti, nas noites geladas de Agosto e acordar às 6h da manhã porque o calor já era insuportável dentro da tenda? Lembras-te...? Sabes, a velha casa do guarda ainda lá está! O mesmo cenário permanece! Só nós, deixàmos que o tempo, implacável, tornasse tudo numa memória!...
 
Texto n.º 176

AULA DE PORTUGUÊS
 
Eu era uma aluna responsável e obediente, embora não muito estudiosa!
Andava no 1º ano do ciclo e gostava muito das aulas de português, mas naquele dia, tal como a maioria das minhas colegas, demos muitos erros de ortografia. O castigo seria apresentar na próxima aula, 50 vezes cada palavra, escrita correctamente.
Ainda me recordo do olhar espantado da professora quando lhe apresentei "o trabalho de casa": eram 10 folhas que tinham no cabeçalho cada palavra correctamente escrita, e depois aspas até ao final de cada página!...

Texto n.º 177


De menina a mulher
Mulher torneada por sonhos e habitada por uma jura ancestral, acabou por sucumbir a essa jura quando, numa noite húmida de S. João, permitiu o rompimento do cerne e acabou com a marca da pureza personificada pelo íman que transportava.
Aquele seria, sem dívida, o primeiro dia do resto da sua vida preparando-se para a consumação de outros actos carnais que a doavam a uma vida de mulher mais experiente neste emaranhado de sentimentos que tecem a sua mente de mulher.

Texto n.º 178


Favo de Mulher
Finalmente conseguira tomar a rédea daquele troféu, pelo qual tinha lutado toda a minha vida.
Depositei-o na concha da mão daquela mulher gasta pelo tempo e agradeci-lhe todo o apoio incondicional que ela me havia dado. A mulher levantou o cenho, mirou-me com sapiência e devolveu-me o diploma rematando sabiamente: “É teu, fizeste por isso. Agora a tua próxima tarefa será converter esse diploma no sal da tua vida! Eu apenas fui a espectadora atenta ao desenrolar do teu filme: amparava-te nas quedas e sorria quando te via subir mais um degrau na vida!”.

Texto n.º 179


BOLO DE LARANJA
 
Sou a mais velha de 5 irmãos e devo dizer que não foi tarefa fácil ficar responsável "pela creche" sempre que meus pais saíam.
Um dia juntamente com uma das minhas irmãs mais novas, decidimos fazer um bolo de laranja. Segui tudo direitinho, tal como indicava a receita, coloquei o bolo no forno e esperei... Toda orgulhosa quando os meus pais chegaram decidimos provar o bolo. Estava intragável!!! Não sei o que tinha acontecido! Foi então que minha irma disse: - sabes, mana, eu queria fazer uma surpresa e, quando fui espremer as laranjas, pus um pouco de piri-piri no bolo para ficar mais gostoso!

Texto n.º 180

Osmose perfeita
Em ti penetrava sem algum receio. Ainda sentia o teu braço a pulsar de vida e eu, destemidamente, galgava o teu leito húmido competindo com os girinos que se divertiam, picando a minha pele.
Nos dias chuvosos, envergando toda a minha inocência, atirava um troféu capaz de se manter à tona, boiando sedutoramente e corria ao longo da tua margem até ao local onde, mantendo-me seca, conseguia empunhá-lo, fazendo-me sentir a vencedora arrojada, em mais um dia de chuva. Eras o rio vivo da minha meninice e hoje, volvidos três décadas, és um leito de morte.

Texto n.º 181


O negro feito homem
No início eras feito de pigmentos garridos, respiravas felicidade e eu, apaixonada, deixava-me diluir na sombra dos teus sonhos e promessas.
Sem me dar conta, foste misturando o preto da tua traição com o branco da minha confiança resultando no cinzento do meu tormento. Esparramei-o, seriam talvez umas cinco da manhã, contra a parede das minhas dúvidas. Acabaste por admitir que há já um ano, havias mergulhado a minha aparente felicidade no breu da arca que acabei por encarcerar no fundo do mar do meu esquecimento.   

Texto n.º 182


Quedada por ti
Surgiste no meu horizonte sem te fazeres anunciar. Eras homem encadernado por uma longa experiência de vida, e soubeste tornear os meus passos, todos os meus gestos na direcção dos teus desejos. Maneaste-te na paciência de um pescador e calculaste cada atitude, ao milímetro, para concretizares esta façanha. Cicatrizada por uma traição ainda por consumir, ainda que timidamente, deixei-me afagar pelas tuas mãos meigas e sedutoras. Esta memória aconteceu, ainda perdura e perdurará enquanto quiseres continuar a fazer-me sentir quedada por ti!

Texto n.º 183


Dose adolescente
Continuas a massacrar os efeitos calmantes do meu antídoto. Cospes as palavras que chicoteiam o meu cerne de mãe protectora. Escravizei a minha liberdade para te orientar na liberdade da vida. Esqueceste, na tua infantilidade de moça – mulher, de hastear a bandeira branca do entendimento, respeito e discernimento. “É uma fase complicada! “_ Diziam vozes mais experientes, neste ofício.
Esperarei até que me devolvas a calma, já desgastadas pelas tuas investidas adolescentes e me faças sentir, de novo, que vai valer a pena ter confrontado os teus mais arrojados desafios.

Texto n.º 184

Um não querer
Estou onde não quero estar e vejo o que não desejo. O teu olhar cerrado à vida, inerte em leito de morte, gélido pela vela que se apaga. Concentro-me no vácuo que me abraça para romper o vínculo fértil que se quebra e coagem-me a dele me libertar.
E decido soltá-lo em asas de anjos, ao firmamento sobranceiro à existência de vida, com a esperança que em mim encarcero pela possibilidade de um dia te vir a poder encontrar.

Texto n.º 185

Os anos não perdoam
Sinto-me aconchegada na inquietude dos meus jovens anos. No pico da montanha da minha adolescência, consigo segurar a força intempestiva do vento, a brutalidade do mar encrespado e consigo desnudar o corpo sensual de cada corpo celeste, suspenso no firmamento.
Agora, na quietude de uma idade mais madura, ela prende o meu gesto e abraça-me esfriando a tenacidade do tempo que se não deixa estagnar. E espero pela idade que me encarcerará nas masmorras de Morfeu.

Texto n.º 186

O Ti Manel
Era um pedreiro de renome. Cada pedra, pela sabedoria das suas mãos, transformava-se no mais precioso troféu. Quedou-se o Ti Manel, no dia dos sete ventos boreais, incapacitado de tornear a pedra mais importante: a pedra filosofal. Esta, acabou por ficar suspensa no tempo e inacabada na forma, agarrada pela mão negra, calejada e brutalmente parada, no silêncio do cigarro por acabar. Assim morria o cigarro como se apagava a memória do Ti Manel.

Texto n.º 187

A Tia Velha
Muito alta no seu porte, muito magra de estrutura e enrugada em toda a sua epiderme, a Tia Velha consumia-se a mergulhar o saco de serapilheira, devidamente amarrado, bem no fundo do leito do rio, para curar os tremoços.
Após alguns dias de cura, preparava o pitéu que era vendido pela boca dos púcaros de alumínio, distribuídos de porta em porta aos consumidores beberreicos do tinto que envelhece no breu das adegas.
A Tia Velha morreu seca pela avançada idade e a tradição dos tremoços, esmoreceu acabando no esquecimento das gentes do Caneiro.

Texto n.º 188


Pedaços de gente
Aspergiam, por todos os lados, sem idade e sem robustez física capazes de darem luta à dura tarefa das salinas. Apesar de muito tenros, a pele seca pelo calor estalava abrindo finos sulcos na aridez daqueles corpos. Carregavam os sonhos, amarfanhados nas sacolas virgens de escola, esperando dias mais propícios para se poderem libertar. E aqueles pedaços de gente soltavam gemidos arrepiantes que alguma vez os meus ouvidos se atreveram a ouvir: “Um…dois…três… Fooorça!”.

Texto n.º 189

Esqueci a mochila da escola em casa, a minha mãe arranca o carro a fumegar naquela manhã com pneus a chiar, quebram a paz da gélida madrugada, vai deixar o meu irmão e trazer a minha namorada. Busco a mochila e espero e estilhaço na geada, ela não volta, um carro de bombeiros abrasa o alcatrão, sinto um arrepio, um calor nas costas, suor, Passagem de nível! Corro para a estrada, um carro a pára, obrigo o condutor a seguir e lá vi pessoas de olho arregalado, o metal torcido do impacto, o sangue, o mundo a desabar em sangue e dor, muita dor. Renunciei Deus pela sua incompetência.

Texto n.º 190


Era noite, beira mar. Estava ela serena, a boiar sobre a linha do horizonte marítimo mas deve ter reparado que eu reparava na sua luz dourada a luzir nas ondas pequenas que o vento languidamente tentava levantar da massa cinzenta escura metalizada onde repousava e desapareceu. Fiquei feliz, foi a primeira vez que vi o pôr da lua.
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« Responder #440 em: Setembro 05, 2010, 19:50:41 »

Texto n.º 191

Éramos 4 na borda do rio Mondego,Figueira da Foz. 2 guitarras e seis mãos lutavam na tentativa de serem o próximo trio a par a tocar. Aspirava-mos ser um com o Universo inalando fumos aromáticos e bebendo três cervejas de litro aos pés de todos ajudavam o processo. Uma noite atrás de outra atrás de outra no “Other Side”, oito olhos vidrados olhavam a margem oposta, mas as respostas para as múltiplas perguntas existenciais nunca vinham, ainda hoje não vêm e acho que nunca virão. Mas valeu e vale a pena abrir a mente para fazer mais perguntas. Talvez seja esse o verdadeiro sentido da vida. 42

Texto n.º 192

Vivia encarcerado no mundo sábio da logicidade humana. Ele próprio fez questão de ser o protagonista desta memória. A sagacidade empurrava-me para o leito de uma aritmética quase perfeita e foi nele que saciei os meus conceitos cognitivos. Alcancei o tesouro da sua sabedoria que abracei como tábua de salvamento: “Sabes porque é difícil colher o melhor fruto da árvore? Quase sempre está em local pouco acessível! Assim acontece na vida. Devemos empreender grandes esforços para trepar à árvore da vida e tomar nas mãos a nossa felicidade!”. Agora sei que é uma árdua tarefa – o Olimpo dos sonhos!

Texto n.º 193

HOSPITAL DE STº. ANTÓNIO

As dores eram muito incomodativas... O suor escorria por todo o meu corpo, apesar de estarmos em Dezembro!  Eu só pensava:  -“mas quem me mandou a mim meter nisto!” Não queria olhar para lá, pois eu seria a próxima a ocupar aquele lugar. As dores eram cada vez mais fortes, quase insuportáveis, e  não via maneira de me sair desta, e mais uma vez pensava:  -“noutra não me meto, com toda a certeza!" Finalmente ele nasceu, com 2.850kgs, faltavam 5m para as 19h. Era tão pequenino e indefeso! Tão fofinho! Não me cansava de olhar para ele! Passaram já 28 anos e desde esse dia nunca mais o larguei!!!

Texto n.º 194

Ao optar por não-dizeres guardava surdamente a dor que os substituiria. A vibração foi demasiado contundente. O dia que se seguiu era como outro qualquer – caminhava entre nuvens, numa construção solitariamente muda, evitando o esquecimento escaldante que parecia querer queimar tudo o que estava vivo. Quis salvar os olhos. Há tempo as ruas não imitavam seus movimentos. Tudo vive, ainda que pereça. Como ontem. Quando mesmo entre um cárcere e outro, ao entender o sentido de ser só sem ser solitário, não deixou de escapulir, magnanimamente iluminado.


Texto n.º 195

A GARRAFA



    Toca a campainha e espera que a mande subir. Carrega sacos com roupa e comida para os filhos. Outras vezes uma receita para aviar na farmácia ou a conta da luz para lhe dar uma ajudinha. Há anos que vem cá a casa começando por pedir um prato de sopa que a obriguei a comer na mesa da cozinha. No fim do segundo prato, saiu satisfeita. Ontem, trazia uma garrafa plástica vazia e pediu que a enchesse, o que fiz de imediato com a água mais fresca que possuía. Sumiu-a e pediu outra. Enchi-lhe mais duas para o caminho e ela tomou a estrada dizendo-me ter sido a melhor “esmola” do dia.

Texto n.º 196


LINGERIE



Era hábito no aniversário de casamento oferecer um conjunto de lingerie acima do normal à minha esposa. Depois de estudar várias combinações de conjuntos de soutien e calcinha, com e sem lacinhos decorativos, optei por uma combinação bordada num cetim preto. A dona da loja passou para a empregada embrulhar com o requinte do lacinho de um presente de aniversário e eu paguei. Regressado a casa, entreguei a maravilhosa caixa à minha esposa com o beijo de parabéns habitual. Decorrida meia hora, ela apareceu a perguntar aonde seria o jantar. Pois… era um lindíssimo vestido de cerimónia!
 
Texto n.º197

CORRIDA ENTRE BARATAS



Caí naquela cama de hospital sem querer nem opção. Ligaram-me as veias a uma máquina e por ali tive de ficar contemplando o branco do tecto um tanto gasto. Para além dos gritos dos mais desgraçados que eu, o único divertimento possível eram as corridas entre as baratas. Então, colocava o rosto de lado na almofada e fazia apostas comigo mesmo, dependendo das condições físicas que nem os médicos sabiam. Das baratas. Quase sempre perdi porque apostava na mais corpulenta que era facilmente ultrapassada no dobrar da esquina da mesinha de cabeceira pela mais frágil. 

Texto n.º 198


MODELO ÚNICO


Júlio sem-abrigo querido de todos. Outrora quase doutor que tudo perdera, até o juízo, por causa dum amor proibido pela família. Mas ele continuou a vida com um desprezo total pelos sapatos. Se Deus e os discípulos andavam descalços também lhe assistia esse direito. Luís era o engraxador que aos domingos, sempre na esquina do café, dava graxa nos sapatos dos senhores que lhe podiam pagar. Júlio, ex-colega da primária tinha de ficar no fim da fila para engraxar os pés. E mudava de cor todos os domingos. Ora castanho, ora preto e Luís espalhava-lhe a graxa na pele com toda a arte.

Texto n.º 199

MORCELA DE SANGUE


Cabia-nos, a mim e ao meu irmão, três tardes por semana para a distribuição e recolha da obra consertada pelo nosso pai. Era um circuito de alguns quilómetros com subida e descida de escadas à mistura. Miúdos que éramos tínhamos sempre gorjeta: bolachas, fruta ou moeditas de tostão. Mais velho que eu, o meu irmão é que geria as finanças e quando as moedas já chegavam para uma morcela de sangue, interrompíamos a volta e comprávamos uma na mercearia do Malheiro, que nos fazia sempre um desconto generoso. E só retomávamos o trabalho depois da barriga farta.

Texto n.º 200


Onde a Canícula em Fogo Canta

Estar aqui onde estou, onde a canícula em fogo canta, deixar o pensamento adormecer aos sons do canto da terra...

À noite, com as gargantas bem regadas, desfolham-se as gargalhadas, as imagens das peugadas que ressurgem lá da distância, dos amigos recuperados às heras, que as eras criaram de ausência...

 

Texto n.º 201
 

Xailes Corvinos

Perdura-me na lembrança a velha lareira, os xailes corvinos contrastando com a neve das tranças infinitas, presas com mestria em grandes carrapitos.

Enternecem-me a memória as mãos calosas, a tua cabeça alva debruçada sobre os chinelos que cozias, e a seguir bordavas, e com orgulho miravas...

Suaviza-se-me o olhar, ao olhar para trás e recordar-vos, mulheres da minha vida.

Texto n.º 202

Sombra na noite

O velho relógio vomita as onze horas da noite e sei que o inferno vai começar, como é costume. A minha casa, minguada no físico mas rica em valores humanos, apenas oferece um leito que ocupa uns míseros metros quadrados, no meu quarto. Nele nos deitávamos, as duas irmãs na cabeceira e eu aos seus pés, perto da porta. Fecho os olhos à noite e lá vem o som vacilante da porta que se abre e a rouca respiração da sombra que rasteja até ao meu ouvido. Petrificada pelo medo, acabo por ganhar coragem e bato com os pés na irmã mais perto do candeeiro que o acende e me devolve à calma.

Texto n.º 203


Aprendiza de lavadeira

Tinha dez anos e já sabia de cor a rota da roupa branca, branca. Dava ao rol “dois corpetes, um avental, sete fronhas e um lençol… ah, e uma bata pois a filha da freguesa era professora!” Metia cada peça na sabonária, resultante da fusão dos cubos de sabão do bolhão e a água a ferver. Pela manhã, cada peça imergia na água do meu rio e espraiava-se no verde tenro da relva. Depois de borrifada para não “cristar”, era novamente deitada à água para se limpar do suor. No arame secava, na tábua era passada e no comboio era levada à freguesa do Pinto Bessa.

Texto n.º 204

O velho do gelado

Esta memória carrega a maciez da idade e a vacilação áspera dos anos. Sentado na esplanada, ao meu lado, um casal de idosos tentava dar sumiço a um gelado. O velho, de mãos trémulas, repetia: “Vou-me borrar todo… já te disse mulher, vou borrar-me todo!” E a mão da companheira, também ela trémula, pousou-se na perna dele. “Não te preocupes meu velho, trouxe muitos guardanapos!” olhei-os de soslaio e pensei se também eu terei a sorte, daqui a muitos anos, ter uma mão companheira a amparar-me para não me borrar toda, sempre que comer um gelado.

Texto n.º 205

A RIFA

Vivia numa loja, com a luz de um postigo com vinte centímetros. Alzira levava-lhe as migalhas da sobrevivência e uns baldes de água para ele sentir o cheiro da vida. O marido, lembrou-se de arranjar forma de melhorar a vida do desgraçado e deitou mãos à obra. Um sorteio de rifas. O prémio seria um porco. Com a bicharada recolhida tirou aos puxões o melhor da pocilga do patrão do Abílio. Anunciou na taberna o sorteio e o prémio e guardou-o bem escondido. Vendeu todas as rifas, menos uma, que seria a vencedora. E o Abílio ganhou o porco que lhe sobrou para um ano de boas refeições. 

Texto n.º 206

NUMA VÉSPERA DE NATAL

A curiosidade é mais forte. Busca-se por toda a parte e… YUPI!! Encontram, os tão prometidos presentes de Natal. Brincam descontraídos, quando os pais entram de rompante e dão com aquela cena inesperada. Mas que fazer? Uma repreensão, um puxão de orelhas? As crianças. Inicialmente radiantes, ficam aterradas, mas o amor paternal foi mais forte e nada se passou. No dia de Natal, brilhavam novos embrulhos debaixo de uma árvore colorida e reluzente. A descoberta da inexistência do “Pai Natal” na vida de três crianças traquinas, numa idade em que os sonhos comandam a vida.

Texto n.º 207

Hoje…
Hoje amanheci comparando o dia a uma página por preencher, sondei-me devagarinho e de frente para o espelho que todos os dias me engana, suspirei e perdoei-lhe essa iniquidade, encaminhei-me naquilo que penso, pelos trajectos a toda a hora inventados, veio a tarde e a promessa arrepiou caminho pelas algibeiras de um produto homem incompleto. Sempre esperamos de nós algo indecifrável, para além das caminhadas gloriosas que se aventuram num simples viver.
 Contei os bancos do jardim e revi cabelos brancos de homens também eles inacabados, identifiquei-me neles, assim sou eu…

Texto n.º 208


Aquilo que vi…
O calor fazia emergir nas águas salgadas do Atlântico a sul carradas de multidões ávidas pelas ondas, nem os recados estampados na mente demoviam os veraneantes de uma pintura bronze artificial, enquanto as mentes dormem expostas aos ultravioletas, os anos tratariam de confirmar nas rugas da pele, pele essa há “procura” de cancros malignos. O brilho curvo e torneado das formas físicas com que de dia se escultura o corpo, alimentava o semblante perfeito, era Verão à espera de um futuro a contas com a oncologia hospitalar, a frenética “dádiva morta” da quimioterapia, radioterapia.

Texto n.º 209


O CUBO E A ESFERA

O cubo não era esfera nem obviamente a esfera um cubo. Todos de acordo, menos Galhardo, formando teimoso que punha o mesmo problema sempre em cima da mesa e transportava o problema para a relação familiar entre o quadrado e o círculo que se recusava aceitar como bases teóricas da explicação do formador. Um dia, naqueles em que quem explica já está por tudo e tudo pronto a imaginar e dizer, perante tanta teimosia do Galhardo afirmou: - Galhardo, é assim – o cubo é uma esfera quadrada e a esfera é um quadrado redondo! Ponto final.

Texto n.º 210


MALDITOS BARROTES

Com os meus oito anos acompanhava o meu pai, salgueirista de gema, ao campo Vidal Pinheiro, à altura vedado por barrotes de madeira. O meu hobby favorito era ver a GNR com os capacetes de gala, custasse o que custasse. Num dos Domingos a curiosidade venceu o medo e tanto me esforcei que consegui meter a cabeça entre dois barrotes para os admirar. Depois não a consegui retirar, nem responder ao meu que pai que entusiasmado com o jogo me perdeu de vista. Quando me descobriram encravado entre os barrotes mais de vinte homens ajudaram-no a soltar a cabeça do filho. Que era eu.

Texto n.º211

GEL DE CAVALO

Antes do Estádio do Dragão era o Estádio das Antas. Frente a cada portão de entrada estava um GNR montado no seu cavalo para manter a ordem e o respeito. E todos aguardávamos em fila indiana a verificação para a mesma. Entrada. Pela mão do meu pai, sempre me senti seguro, menos naquele momento em que de algo estranho me colou a cabeça e me arrastou meio metro para a frente. Fora o cavalo do guarda da GNR, que talvez atraído pelo meu penteado, me presenteou com uma lambedela carregada dum gel que para além de me colar o cabelo me arrastou uns tantos centímetros. Empatias.

Texto n.º 212

                                      MEMÓRIAS DO TEMPO



Nas memórias do tempo que por mim passou, ficaram apontamentos que comandaram o meu futuro.

O faz de conta da meninice, foi escola que passou pela casinha das bonecas e da arca das trapalhadas, para o real da vida, na adolescência, no hoje e com projecções para o futuro.

Tive uma mãe que me alimentou, me ensinou a comer e me libertou para seguir e cumprir o meu destino.

Texto n.º 213

Meu Sargento

Era primavera de 1984, no meio de uma manhã florida, o Sargento cantando um bom-dia cumprimentou-me, sempre o fazia com a mão de três dedos… nas letras de uma AZERT redigiu uma nota qualquer. Um som maior feriu-me os tímpanos. Entrei! Sobre a secretária pendia a cabeça do Sargento, a sua mão defeituosa segurava uma Walter acabadinha de utilizar, de onde a bala de nove milímetros saíra. O papel que pendia da velhinha AZERT dizia: “Estou disposto a perdoar-te Maria, sei que vou conseguir ter-te de novo comigo, nem que para isso tenha de recuperar-te daquele Deus… que te levou de mim…

Texto n.º 214

Oitenta-e-Oito
 
Do vôo entenderá quem não é alado? Magister dexit. Alimentava-se dos frutos desprezados pelas árvores. O número circunscrito nas asas brilhava mais quando pressentia a implacável caçada. O abdômen preso a um alfinete, as cores e a silhueta sem a vivaz perfeição de antes. Pensada inesgotável e sem memória a Diaetheria Clymena seria capaz de esquecer os que lhe haviam provocado a quase extinção em troca de haverem eternizado a forma com que os fez sentir – porque adorava a luz e jamais tinha certeza se testemunharia a próxima alvorada.

Texto n.º 215

Nas margens da alvorada, a tua boca soprou sábios convites, as tuas mãos teceram doces fios de linho branco sobre a minha pele cansada e os meus lábios sussurraram a suave ternura de um sim há muito adivinhado. No nevoeiro que cobria o dia, vi-te mais claro; o sorriso de puros  sons abrindo-se como açucena em Primavera resplandecente; o abraço como um raio de sol aquecendo-me o peito…
Reconheci-te a alma, adornei o meu céu com as gotas dos teus olhos e chorámos ambos a tristeza da distância.

Texto n.º 216

A luz incidia sobre os ramos mais altos das acácias em flor, rubro como chama no seu apogeu mortífero. Ficou-me na memória o suave perfume daquele fim de luz. A noite cada vez mais perto, as aves cada vez mais caladas, o mundo cada vez mais de paz…
Na sombra das árvores, a erva macia, tapete esmeralda oferecido irmãmente a quem o desejasse, chamava num apelo mudo ao descanso. Tomei-o como lençol cobrindo a solidão. Recostei-me nos seus braços invisíveis e descansei no seu colo fresco. Apaziguei a alma e adormeci em paz.

Texto n.º 217

Vinha da escola e sentava-me naquele banquinho de madeira. Os teus olhos ( ainda hoje o seu brilho me acompanha) esperavam os meus. Com um palito, dava-te na boca bocados de maçã, salpicada de açúcar. Comias vagarosamente. Perguntavas pelo meu dia.Tu naquela cama. Tão magro, tão indefeso. Falavas de coisas que não compreendia. Tudo senti. Sabes? Quando o mundo me magoa, às vezes, sou aquela criança. Aconchego-me nos teus braços e peço-te: conta-me mais uma história Bu.

Texto n.º 218

 O CANÁRIO

O canário "Tenor"
Deu um desgosto profundo,
Deixou as manas em dor
E foi para o outro mundo.
Um funeral lhe foi feito,
Com direito a rasa "campa"
E uma "urna" a preceito,
Como se fosse uma cama.
Fizeram o seu "luto"
Que a pouca idade lhes deu,
Porque veio um substituto
Que o Pai lhes ofereceu.

Texto n.º 219

Brancos cabelos, tez enrugada e uns olhos profundamente azuis . Assim a recordo. Na sua voz doce, nunca o timbre se alterava, nunca a zanga a fazia severa.
Sentada no seu colo, abandonava a minha cabeça de criança às suas mãos plenas de ternura. Os meus cabelos claros, até meio das costas, deslizavam no seu pente serenos e sedosos. Nenhum embaraço nos seus fios provocava dor. Os seus sábios dedos não o permitiam. Duas tranças nasciam das suas mãos, prontas a voarem comigo pelas planícies de trigo verde, livres e soltas como eu!

Texto n.º 220

Olho em redor e não acredito no que vejo, estou deitada numa cama com um colchão de palha, coberta com uma velha e esburacada manta de lã.
Do meu lado tenho uma pequena mesa com um pires, e uma vela acesa.
O quarto um pequeno cubículo sem janelas as paredes estão negras com tufos de bolor criados pela humidade, o ar é abafado e cheira a mofo.
Existe um pequeno espelho manchado pelo tempo, vejo-me reflectida nele, estou suja, desgrenhada, sou jovem, quinze anos e estou descalça!
Os meus pés têm calos, estão negros e cheios de frieiras como o meu vestido velho e  remendado. SOU POBRE!
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« Responder #441 em: Setembro 05, 2010, 19:51:34 »

 Texto n.º 221
 
Deixo-me encostar observando maravilhada a lua e a via láctea que me veio visitar acompanhada da leve brisa que me beijava o rosto suavemente, agitando as roseiras que ao serem embaladas soltavam os seus aromas doces deixando-me a viajar acordada.
Fecho os olhos por breves segundos para voltar a uma nova realidade.
 
 Texto n.º 222
 
Sou matéria, sou de carne e osso, estou de volta ao meu estado actual, recostada mas aliviada, compreendo agora quem fui como reencarnei, amei, fui amada, maltratada e até mesmo como fui feliz junto da terra mãe.
Sei já o que passei, o que provavelmente irei passar e encontrar, mas a felicidade lá estará, cabe-me agora a mim tomar o rumo da minha vida com o que aprendi na reencarnação de todas as outras.
Se posso mudar o meu destino? Depois das minhas reencarnações, é claro que posso!
 
 Texto n.º 223

Sou um mero comentador nos meios de comunicação, jornalista e investigador que tem os seus defeitos, no entanto sei bem o que faço e o que digo, uns respeitam-me outros simplesmente desprezam-me.
Embrenhei-me no espírito da pesquisa e elaborei uma exposição de vários temas, alonguei-me na escrita.
Já nessa altura tinha um feitio tramado, mas era com esse mesmo feitio que consegui o meu primeiro prémio de investigação.
Fui notícia nos meios de comunicação e assim foi talhado o meu futuro profissional.
 
 Texto n.º 224
 
Durante toda a minha vida fui sempre um rebelde, teimoso, com o meu sentido de justiça apurado e um sexto sentido (segundo dizem comum só às mulheres), (mas como sempre fui do contra…) extremamente à flor da pele.
Lutei como um valente, um herói pela liberdade, contra as humilhações, contra os crimes e embora quisessem calar a minha voz, nunca o conseguiram!
Sempre disse que gostaria de morrer pacificamente de uma forma muito própria e graças ao Criador assim aconteceu.
 
 Texto n.º 225
 
Sempre fui uma pessoa simples, correcta e justa mas há coisas na vida de cada um que nem um anjo consegue perdoar.
Quantas vezes me chamaram de parvo, de ser inocente, idiota, um coração de manteiga e tantas outras coisas mais.
No entanto poderão dizer que era louco, bem que tentaram fazer-me passar por tal mas o feitiço virou-se contra o feiticeiro.
Casei há cinco anos atrás contra a vontade de toda a família cujo status quo sempre fora um dos mais elevados do país e quando teimei em casar com uma simples empregada de mesa de um restaurante de beira de estrada, caiu o Carmo e a Trindade!
 
Texto n.º 226
 
No dia da leitura do meu testamento todos os supostos herdeiros que levavam a alegria estampada nas suas cabeças mesquinhas começaram a sentir calafrios ao verem que tanto o advogado, como o notário não eram as mesmas pessoas que conheceram anteriormente.
Não preciso dizer o que se seguiu, nada puderam fazer, não receberam nem um único par de meias usado, nem umas cuecas, nada!
Se antes eram uns pelintras mais pelintras ficaram vendo os seus bens serem confiscados e penhorados por falta de pagamento.
 
 Texto n.º 227
 
Assim que cheguei verifiquei um forte dispositivo policial, ruas cortadas ao trânsito, PSP, GNR muitos engravatados com ar de poucos amigos e com quem olhavam de lado simbolizando um grande desprezo pelos demais.
Enfim, respirei fundo e preparei-me para enfrentar as feras, ai deles que não me deixassem passar...
Empinei o nariz, e segui em frente em passos firmes caminhando pelo meio deles todos dando um encontrão a um deles que se atravessou na minha frente e que afinal de contas foi até ele quem me pediu desculpa com olhinhos de cachorrinho com medo da dona.

Texto n.º 228

3ª IDADE
   
- Tu, MULHER de olhar ausente! Tu, que tanto te deste em amor, vagueias no caminho perdida, carente de afectos, esquecida no mundo!
- Como eu desejaria beijar-te as mãos, afagar esses teus cabelos brancos, dar-te um abraço sem palavras...
  É para esta mulher de olhar vidrado e adormecido pelos tumultuosos dias da sua existência que eu quero prestar a minha homenagem com   um grande sentimento de ternura, alertando para uma sociedade onde os idosos não vivem dignamente!
               - Vegetam simplesmente!!!

Texto n.º 229

 A NOTÍCIA
 
 Os passos ecoam no silêncio da noite! A sua mente recua algumas décadas…Como tinha bem gravado na memória o seu primeiro beijo!
Como se lhe entumeciam as faces de um rubor escaldante ao recordar o dia em que se sentiu pela primeira vez mulher! Sim, mulher, esposa, mãe! Que distância sem fim! Que lonjura no tempo! Tempo gravado na sua memória ainda lúcida… O seu olhar mergulha no abismo! Temia ter de ouvir a cruel notícia! Mais noites sem fim marcadas pelo tic-tac metálico e gélido de um velho relógio de parede indiferente ao cruel destinam; ele marcava a hora e a hora chegou!!!

Texto n.º 230

SOLUÇÃO DE ÚLTIMA HORA
 
Ainda não existia a IP4. O Citroen 2 cavalos subia a passo de caracol a antiga estrada da serra do Marão que conduzia a Vila Real.
Lá dentro ia um jovem casal com um ar bastante ansioso; enquanto ele ia acelerando com todo o cuidado tentando contornar as perigosas curvas da estrada,
a esposa segurava uma corda que saía pela janela e que estava ligada ao motor, em virtude de se ter partido o cabo da embraiagem!...

Texto n.º 231

O Alienista
 
A perspicácia o faz ainda re-ver algumas provas. É agradável o deslindar dos pensamentos à sua frente. Fragilmente forte não reagiu quando bateu a chave com força e fez cair a porta. Talvez se assemelhasse àquela fechadura muda que lhe abriu o chão para vê-lo enrijecer o esquecimento de todas as coisas que por insegurança o fizeram útil. Um exclusivista ligou para ser ouvido. Quando quis fazer-se ouvir “só um minuto” não teve garras – seus ouvidos erram os erros da casa – os labirintos de Borges.

Texto n.º 232

A Busca da Felicidade

O tempo corre sem pressas.
Apressados andamos nós,
Desejando o que não procuramos,
Procurando o que não encontramos,
Porque tempo não temos.

Busco a Felicidade,
Mas à procura não vou.
Espero pelo acaso
Que inesperadamente virá
E Deus dirá
Quando for a hora chegada!

Escravos da vida,
Dependentes de princípios,
Vícios temos
E pecados cometemos
Sem criminosos sermos.
O dedo nos apontam
Para nos lembrarmos
Aquilo que somos
Sem vivermos o que desejamos.

Coincidências estranhas existem!
Escrevo do que a falar vamos
Ou falamos do que já escrevi
Sem lembrar que já o fizera.

Texto n.º 233


Sensações

No silêncio dos teus olhos,
Ouço os teus desejos.
No murmúrio dos teus lábios,
Vejo os teus sentimentos.

Sonhos e Desejos cúmplices se tornaram!

Corações abertos,
Pensamentos partilhados,
Sonhos contidos,
Desejos esperados e sentidos,
Manifestamente concretizados…

Texto n.º 234

Reflexões

Conversa breve e amena,
Tranquilidade e paz me traz.
Espírito sereno assaz
Para o dia passar

Hipóteses lancei,
Algumas acertei.
Que mais irei acertar em cheio?

Musa inspiradora serias
Se fosses mulher!
Assim, meu Anjo serás
Para meu dom iluminares.

O sonho de escrever
Começa a renascer.
Será este o meu ser
Ou o meu viver?

Não me reconheço!
Jamais despi a alma,
Tão pouco a nudez,
Revelando recônditos segredos
A sete chaves guardados.
Tranquilo e carinhoso és,
Sincero pareces ser,
Abertamente falas
Revelando o teu amor!

Texto n.º 235

Natália

De que matéria fora concebido o seu cérebro? Inertes eram as ligações dos neurónios com a placenta inerte da sua concepção! Molde espinhento e espicaçado de uma feitoria tão imperfeita no seu interior, rematada num corpo leviano e estranho, tecnicamente modelado à mestria desmedida! Nem a espiral do sexo lhe trouxera cheiros a alfazema de plantas inebriantemente belas. Nem o ácido quente infiltrado lhe mostrara o céu azul, apenas os escarros lhe alimentavam de plátano podre o mar negro da alma. Assim nessa visão defeituosa de si, Natália sentia-se a mais reles das putas do universo.

Texto n.º 236

Vieste simpático e pleno de grande amizade, em de promessas encheste meu tempo e minha mente, manipulado ou não, foi mera falsidade indiferente a quem é sensível e muito se sente.
Lamento que cedas não oiças e não vejas onde viver, respiras com uma víbora em seu covil dominando-te, prendendo-te quando não desejas, numa atitude egoísta, magia, trabalho negro e vil.
Estás cego, queres tudo e tudo cobiças, baralhas-te deitas fúria nos inocentes, nada alcanças, estás ferido, perdido em maquiavélicas areias movediças para acabares sozinho em lutas que não vences e só te cansas.

Texto n.º 237

Falta di mente

Em Santo Antão, vindos de São Vicente, fomos de Pegeout,  roçando a escarpa da montnha, evitando mergulho fatal no mar. Mas, em Santo Antão só há bons condutores! Os maus já morreram !
Demos boleia a uma preta e tiramos-lhe uma foto! Na volta deu-nos uma papaia. De repente, uma mulher correu atrás da minha, que calçava  socas brancas , ortopédicas, gritando:"Sapato é meu"
Reagi, Agarrei a mulher, enquanto uns pretos diziam:
"Tem.falta di mente"
Já em Portugal, mandámos a foto à preta. Na volta do correio, pediu o envio de cinco contos!
"Tem falta di mente", disse o meu colega!

Texto n.º 238

Rato curado

Meu amor aos bichos já vem de longe!
Na vinda duma sessão,"Quo Vadis?,  abri a porta. com cuidado. Tudo em paz!
Meu pai estava testando o eco do seu ressonar.
Já no quarto de banho, vi um pequeno rato!
Quo Vadis?, pensei .
Apanheio-o Atei-lhe um fio ao grosso rabo e pé-ante-pé, entrei no quarto da minha irnã e amarrei a extremidade do fio ao candeeiro. Ficou como presunto em cura. De manhã, minha irmã,  soltou um grito que mais parecia a erupção do Vesúvio.
Como boa acção cortei o fio e lancei o rato pela janela do primeiro andar!
Acho que foi o 1º na corrida dos cem metros!

Texto n.º 239

Ver-te Vertente
 
A página não é suficiente para que se firmem os olhares. Todos se fecham diante do sofrimento. Não entendo porque não possuo a mesma cegueira. Não sei onde sou eu nas coisas que não vêem. Para que presságio ou desentendimento irá essa compreensão que não sinto? Exerço uma nota de brilho. Nenhum papel. Cada partícula de mim se alimenta dessa possibilidade de sonhos, talvez soprados em realidades atemporais onde prevaleça algum retalho esmaecido e sem orgulho, quando ousarei aludir ao fragor composto por quem já ousou sem a ausência do medo.

Texto n.º 240

REPARTIÇÃO PUBLICA
- Boa tarde! Não obtive resposta! O Sr. M… no gesticular de braços e mãos regateava a sua razão entre palavras cuspidas de palavrões para um telefone indefeso e acobardado.
Não posso precisar o tempo e o número de adições vocabulares daquelas que não se encontram em dicionário algum, até que a outra pessoa do lado de lá, cansado de o ouvir, deixou cair em desmaio o telefone.
-Este filho da p…. Desliga-me o telefone na cara...
 Arfou mais um pouco e perguntou-me com cara de bode depois de perder o duelo pela fêmea. – O que quer?
-Permaneci silencioso e de boca aberta de espanto.

Texto n.º 241

Burro fez um herói!
Vinha do Porto, a pé!Noite cerrada, numa vereda, ouviu ruidosos cascos no lajedo!-"Ai  meu Deus. Vem aí o lobisomem! Quis esconder-se, mas já um focinho de burro, lhe encostava a cara. Zurrou e foi-se!Era o burro do carvoeiro! Ia beber água, ali perto!Foi assim que, ainda moço, perdera o medo! DiziaDepois, foi herói artilheiro na guerra de catorze!Já velhote, meteu-se numa rixa.-"Pum, pum", atirava o inimigo, sem acertar!!-"Elas,(balas) hão de acabar". Dizia o artilheiro, de faca na mão, cravada seis vezes no atirador  falhado!.Há burros que fazem heróis!

Texto n.º 242

Ao entardecer, ainda o sol se não tinha escondido, já a lua subia por cima do monte frio, decidida e segura da sua arrasadora  beleza, encantadoramente brilhante e redonda, poderosamente capaz de atrair  sobre si os olhos de quem gosta e sabe apreciar a magia que a  mãe natureza oferece em cada novo dia que nasce.  Era assim naquele tempo já tão distante e continua a ser hoje, no momento em que vos escrevo acerca da fortuna que ganhei há duas semanas atrás, no mesmo sítio de outrora. O tempo passa, mas os lugares, as memórias e as sensações... ficam.
Basta olhar, admirar e sentir!

Texto n.º 243

Ao lembrar-me daquele baú de lata pintado de verde,onde se guardavam as relíquias sem tempo,empilhadas sob cada uma das histórias que as acompanhavam e que só muito raramente se abria o cadeado que as protegia das mãos das crianças que por ali saltitavam em correrias infindáveis e que já tinham dado cabo de algumas páginas dos Almanaque Bertrand que o pai trouxera de Lisboa,quando dali regressara.
Lá estava ele,no lugar de sempre, coberto de pó num abandono que dava pena ao zelo de outros tempos.
Quantas histórias ali encerradas e já ninguém vivo que as contasse de novo.

Texto n.º 244

Em suspenso pelo fino fio da lembrança,ostentava no pensamento um pequeno pedaço de vida amarelecido pelo tempo que lhe desenhara traços de encanto,despertando sentimentos até ali desconhecidos.Coisas que os olhos não vêem,mas que a alma sente quando tocada pela sensação de vivências adormecidas ao longo de uma vida que se diluiu no éter em menos de nada, ressequindo-nos aos poucos e da qual sobraram pequenos cristais.O tesouro da conquista pela sã harmonia do"eu"em constantes desassossegos motivados pela luta diária que só no fim nos apercebemos,girar em torno de coisa nenhuma.

Texto n.º 245

CONCURSO DO VESTIDO DE CHITA


Naquela noite eu parecia uma princesa! A minha tia tinha costurado o mais lindo vestido de chita que algum dia pudera imaginar! Era um vestido com flores de todas as cores sobre um fundo preto, com dois folhos sobrepostos e rematado por uma fita de espiguilha branca.
Dentro de momentos eu iria participar no concurso. Quase toda a família e algumas amigas iriam estar presentes para me apoiar...
Tinha no olhar a esperança e a ingenuidade dos meus 17 anos!
Regressei a casa com o 2º prémio, um lindo serviço de café em madrepérola banhado a ouro, e um mar de sonhos por conquistar!...
 

Texto n.º 246

O BIFE DAS SEIS DA MANHÃ

A missa das sete da manhã, era a missa das mais beatas da vila. José há muitos anos ajudante do pároco, entrava na sacristia meia hora antes para preparar os paramentos, as hóstias e o vinho que o pároco iria utilizar na celebração. Naquela manhã de Domingo, tudo decorria normalmente até surgir o arroto indisfarçado do padre, que sem defesa perante o jejum cumprido por José, desabafou: Já cá canta o bifinho das seis! E começou a vestir-se para a celebração. A partir do dia seguinte cada garrafa de vinho, benzido e proibido a todos, começou a durar um terço do tempo normal.

Texto n.º 247

A DANÇA DA ÁRVORE
 
Ei-la!
Fustigada, agitada,
Esbracejando como louca,
Quase a ser arrancada
Do solo que a sustém...
Ei-la!
Ora erecta,
Ora numa agitação
Constante,
Num vai e vem,
Ali bem enraizada
Numa dança lenta
Ou num louco frenesi,
Sacudindo as suas vestes
Que se espalham
Atabalhoadamente
Pelo chão
Sem nunca sair dali...
Não se submete,
Não se verga
Aos mais fortes temporais...
Na sua dança rápida
Ou lenta,
Vai-se fortificando
E desafiando
Todos os vendavais!

Texto n.º 248

Um idoso paraplégico, depois de muitas voltas na sua cadeira de rodas de motor silencioso,pára a meio do longo corredor definido pelos bancos corridos, ergue as mãos para o tecto da Igreja, cruza-as no peito, curva a cabeça perante a enorme Cruz, e ora. Coloco um franco( o euro ainda esperaria ) na caixa das velas e acendeu-se uma. Olho-o: o rosto é um estuário de lágrimas.
Cá fora, havia bichas para as pizas " a emporter " . O sol do meio dia cantava por entre o casario e o empedrado gasto por séculos de caminhantes.

Texto n.º 249


Enciclopédia
Um bocado de digestão,  bem analisado,  é  enciclopédia do conhecimento humano! Nele se detecta vestígios de esforço mental, de trabalho corporal, horas de leitura,
forme, fartura, tristeza ou de alegria! Restos de poesia. Horas de luta e até pevides de fruta!
Um bocado de digestão tudo nos diz; se é dum filho da alta ou dum  filho da fruta!
Ambos  cheiram a lagostas ou  a pataniscas, mas neles a mesma verdade se encerra; todo o homem faz merda!
A cada arreganho estais a contribuir para o conhecimento humano. Cada  bocado de digestão é uma enciclopédia! Toca a estudar numa merdateca!

Texto n.º250


O menor de todos
 
Eu visto outra pele sem ser a minha alma uma pele que visto. Não me escondo senão por uma timidez ou um desejo de ser o nome obtuso estreitando livremente a ameaça de mostrar-me. Como se nunca sucumbisse a luz errante da sombra. A confiança erra ao não ter compaixão. Vale a pena sonhar, me antever quase totalmente arrependida nessa terra estranha que se tornou a minha figura. Minhas fotografias são essas palavras, e algumas palavras são sapos. Não há sentidos feios, apenas almas. Não há palavras feias, apenas sentidos. Papel de bala.

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« Responder #442 em: Setembro 05, 2010, 19:53:24 »

Texto n.º 251

No restolho do tempo, acima do próprio tempo, revejo a vida que se acabou, a verdade na mentira de quantos me continuam a carpir o corpo na partida. A alma, essa, serenamente recostada no algodão da paz, observa, sem vontade já para intervir na índole de quem fica.
Na sabedoria de um novo estado, incomoda já pouco descobrir quem me amou, quem me odiou… quem é o patife ou o santo.
É hora de descanso maior. Urge angariar forças para tudo esquecer em próxima vida e recomeçar nos mesmos enganos e ilusões…  A felicidade é um exercício extenuante.

Texto n.º 252

O FUNERAL FESTEJADO

Mesmo os mais novos como eu, íamos sabendo como fora feita tamanha fortuna, através da mudança dos marcos durante a noite e outras habilidades congéneres. Naquela tarde, frente à enorme mansão, estava um pequeno grupo de homens de gravata preta conversando animadamente, enquanto o carro da funerária entrava rampa dentro para buscar o corpo. Família sobejamente conhecida, apenas restava, para quem passava, saber qual teria morrido, se pai ou filho. E quando eram informados de que fora o pai, desabafavam boca fora em alto e bom som: - Até que enfim… já não era sem tempo!

Texto n.º 253

AS MAÇÃS DA MINHA TIA

Deveria contar os meus sete anos de idade e estava habituado a que me oferecessem o lanche a meio da tarde, aonde quer que estivesse. Familiares ou amigos. Adorava uma sandes de queijo e um Sumol, surgido no mercado naquele tempo. De quando em vez visitava uma tia minha, que segundo o que ouvia dos meus pais era das mais afortunadas na vida. A tarde era passada a ver histórias, repetidas vezes sem conta, sem direito a lanche. Apenas quando chegava a hora de me despedir, a minha tia, perguntava-me sempre: - Queres uma maçã, Toninho? E respondia de imediato: - Eu dava-te mas estão tão verdes…


Texto n.º 254



Nascido e criado entre MONTES PINTADOS, habituado a respeitar o suor dos homens que, com ferro e pá, saibravam os socalcos e, com as enxadas, as cavavam e redravam, nunca se enfastiou com comodidades, nem se iludiu com riquezas que se desfazem na brevidade de um fósforo.Os seus contos e lendas vinham do calor da lareira e da grandeza de um Avô que o aquecia ao colo e o cobria de beijos com um bigode que lhe avermelhava a pele imberbe.Era filho de uns olhos esverdeados, enfeitados por um sorriso calmo, às vezes triste, e de uma saudade vitalícia.

Texto n.º 255



Gilbert Bécaud era a voz que lhe mitigava a solidão e enfeitava os sonhos. Dizia-lhe que, apesar de tudo, « La Solitude ça n?Existe pas », que « Le Jour oú la Pluie Viendra » e que uma  « Nathalie » viria, por entre os bardos dos vinhedos, acariciar-lhe a ingenuidade e a inocente poesia, mesmo que, por vezes, ele cantasse « Quand il Est Mort le Poéte » ou perguntasse surpreso « Et Maintenant? ».
Bécaud lembrava-lhe sempre que a pobreza, não sendo vergonha, jamais existiria se o mundo fosse governado  por homens justos e de coração.

Texto n.º 256


 IMAGEM
 
O passos eram abafados pelo silêncio da noite, enquanto o sono se diluía em promessas adiadas…
Toda a emoção era recalcada como uma defesa, para não ter de sentir essa ansiedade que oprime o peito…
As palavras perdiam-se no olhar cansado de quem já pouco espera…
Já se tinham esgotado quase todos os recursos possíveis, no entanto o sonho ainda permanecia, inabalável como uma rocha!
Talvez ainda houvesse algumas barreiras por ultrapassar!
Dizem com toda a razão que "a esperança é a última a morrer," e nessa manhã o dia amanheceu com um novo brilho e com o aroma de alfazema! …

Texto n.º 257

Órion
 
Não existem sozinhos; nem a luz nem a sombra. A pretensa ilusão de que as coisas ao redor deixam de ou continuam a existir, apesar de tudo, sobre tudo. Crer no espelho quanto é possível a crença em si mesmo – não é outra a imagem refletida – o cognitivo compele à saciedade, (ou pelo menos deveria), para melhorá-la, sem objetar modificá-la. Quanto há que acobertar ao testemunhar autor e obra não sendo um. Sós, ungidos para girar, deambulam entre um e outro floco visionário, presos ao mesmo cordão, desprendidos e naturais, mergulhando onde nenhum tesouro parece estar aguardando-os.

Texto n.º 258


Toma magnésio

"É dos carecas que elas gostam mais", dizem!
Ele, de 70 anos, engatou-a no Café,  para prestação de serviços sexuais, sem recibos verdes, mas a "el contado".
Há muita posição para amar! Ele esolheu a atravessada, na cama, pernas flexionadas e bem abertas, ao alto! Era o oásis do prazer; fonte onde iria beber prazer!  Depois, qual touro de Montalegre, "marrou-lhe", cada vez mais forte!
De repente, escaparam-se-lhe fortes ais!
-"Já te estás a vir?".
-"Não. Tenho uma breca!" E foi-se abaixo!
Ela saíu do sério e aconselhou:
-"Toma magnésio". Depois, fechou seu oásis e o paraíso!

Texto n.º 259

 IMAGEM
 
O passos eram abafados pelo silêncio da noite, enquanto o sono se diluía em promessas adiadas…
Toda a emoção era recalcada como uma defesa, para não ter de sentir essa ansiedade que oprime o peito…
As palavras perdiam-se no olhar cansado de quem já pouco espera…
Já se tinham esgotado quase todos os recursos possíveis, no entanto o sonho ainda permanecia, inabalável como uma rocha!
Talvez ainda houvesse algumas barreiras por ultrapassar!
Dizem com toda a razão que "a esperança é a última a morrer," e nessa manhã o dia amanheceu com um novo brilho e com o aroma de alfazema! …

Texto n.º 260


SOLIDARIEDADE
 
                I
Menina de olhos tristes
Ainda hoje não sorristes...
Trazes nesse teu olhar profundo
O peso do mundo...
Vem brincar, correr, saltar,
Também és gente
Vem sonhar...
Menina de olhos tristes
Não chores, sorri!
Quero afagar teus cabelos
Ficar junto de ti!
               II
Não me proíbam de sonhar
Pela igualdade
Esculpida a ferro e fogo
No meu direito
De lutar!
Não abafem a liberdade
De poder manifestar
Minha posição
Pela justiça e pela razão!
Não esbofeteiem as palavras
Que saem da minha boca
Para gritar NÃO,
Sempre que discriminam
Meu IRMÃO!                                   

Texto n.º 261

Mata
 
Num oceano de folhares o néctar vive com o trivial cerne da comoção. Quem nunca teve uma grande ferida para saciar? Toma a sua cicatriz aberta e desperta do que não é, em absoluto, um pesadelo, um caule impoluto. Uma foice cruza o último solstício tropeçando sem saber se ainda serve aos admiradores da resistência. "Melhor se não vivas" diria a teimosia peregrina ao luto das ramarias. Talvez um imbecil soubesse de matemática quanto sabe a sorte do semeador. “Não julgariam se me vivessem; sou uma eterna grade, herdeira sentenciada pela casca que me veste como quem despe”.

Texto n.º 262

Boa mão, bom coração!

Ia-se, a pé, às festas! Meter conversa com as miúdas era quase uma pega de cernelha!
Àquela festa iam quatro lindas gajas, despiladas artesanalmente!
Fracassados em meter conversa, até que um  disse que uma tinha sarro no pescoço e tocou-lhe no depósito de acumulação de gorduras!
Ela virou-se para trás e..zás! Valente bofetada no que  estava a jeito; eu!
Eu não disse nada, mas no Domingo seguinte aceitou-me namoro!
No casamento, quando  me perguntaram se eu seria fiel, disse que sim, mas pensei; se ela me bater leva!
Depois, houve muitos apalpanços, mas não aconteceu nada!

Texto n.º263

Noite alta, o suor alaga-me as roupas e empasta-me o cabelo. O horror estampado na agonia das entranhas…
Os dias arrastam-se mata fora, armas em posição, granadas que detonam… os tiros ecoando, danos futuros nos meus tímpanos jovens e na minha mente em formação. O meu lobo temporal atira-me para a frente de batalha, cheio de coragem. O raciocínio esculpe-me o medo. Entre um e outro, assisto à morte de companheiros de guerra, sem nada a fazer, além de os deixar para trás… sangue tingindo o capim, gritos de dor incinerando a esperança…
Stress pós traumático enforcando-me a vontade de viver.

Texto n.º 264

Olho-me no espelho, alta e fogosa, corpo torneado, seios pontiagudos.
Turva-se-me o olhar na recordação da adolescência, corpo que não condizia com a minha alma de mulher; tratamentos de testosterona que não resultavam, formas afeminadas que a roupa masculina tornava ainda mais gritantes; um órgão genital infantil, um órgão que jamais conhecera uma erecção, algo que parecia não me pertencer. Tempos terríveis esses. Felizmente, os meus pais apoiaram-me incondicionalmente. Quando os psicólogos entenderam que a solução seria mudar de sexo, nunca me abandonaram. Hoje ninguém diria que fui homem.

Texto n.º 265

O meu corpo numa carrela, a minha alma de enforcado vagueando pelo mundo. Não terei paz, não terei entrada no céu ou no inferno. No Inferno não me aceitam porque morri inocente. No céu não me querem porque na hora da morte não fui capaz de perdoar aos algozes que me levaram à forca.
Acusado de crimes que não cometi, nunca consegui provar que era inocente. Assim tenham sorte igual os que me condenaram!
Não esqueço a imagem do meu corpo a ser levado. Vaguearei eternamente pelo mundo pois nunca perdoarei quem me mandou matar injustamente.

Texto n.º 266

Aldeias envelhecidas, lembradas em Agosto!
 
Quarteirões de casas soltarias, onde o sol demora na chegada e a partida é anunciada pelos ecos do vento no fim da tarde de Agosto.
Sentados à porta da taberna os cachimbos deixam cair lágrimas vertidas pelas veias, ocultas aos sorrisos em que um aceno é o símbolo do termino Agosto. As rugas anseiam mais um dia …
Ainda o Inverno não chegou e os corpos já dormem o frio das despidas e a solidão bate à porta no silêncio dos rumores que a memória bebe com a esperança nos bolsos vazios, que a Primavera anuncie mais um Verão!

Texto n.º 267

As sombras do claustro adensam-se. Passeio-me em silêncio, de terço nas mãos, pelo empedrado do convento. O silêncio não amortalhou a dor de ter sido rejeitada pela minha amiga (sempre a apresentei como minha tia) quando lhe disse que estava apaixonada por ela. Eu não gosto de mulheres e tenho vergonha – dizia ela quando lhe propunha vivermos juntas.
Recordo o dia sublime em que ela me veio resgatar do convento. Abandonei a vida religiosa para me dedicar a essa deusa maior que me dá tudo quanto eu preciso.

Texto n.º 268

O início
 
Do alto da estrada via-se a praia a escassos metros uma ilha, a história conta que ali um jovem se matou por amor e que havia um pessegueiro na ilha.
A praia estava deserta nos primeiros raios de sol no mês de Janeiro. Os pés descalços pisam as línguas de areia humedecida pelo orvalho, os rostos contemplam a plenitude do mar com as mãos entrelaçadas a caminhar serenamente entre diálogos e projectos a vaguearem pelas mentes soltas nos aromas marinhos deste paraíso plantado num canto deste planeta de sonhos e realidades.
…O início de uma vida onde o amor é a dimensão do oceano que banha as bermas deste tentear!

Texto n.º 269

Era um dia de Julho, quente e ensolarado. Tinha eu 15 anos. Sozinho em casa, música bem ritmada e uns decibéis acima da norma, demorei a ouvir o som da campainha da porta. Por fim, percebi a insistência e fui abrir. Um colega da escola, alegre e sorridente, trazia uns sumos e coca cola e perguntava se podia entrar.
Conversa para cá, conversa para lá, instalou-se a intimidade. Fez-se tempo de me assumir.
Era noite quando os meus pais chegaram a casa. Estávamos ainda os dois.
- Já tínhamos percebido… Continuas sendo o nosso filho. Apenas a tua felicidade nos interessa.

Texto n.º 270

Soprava a vida do lado de lá da vida. Incólume, a traição matou a credulidade e instalou-se o caos no mundo do juízo.  Ninguém ousou constituir-se em hoste de livres, ninguém ousou recolher-se aos escombros dos sinceros e trepar as paredes do foro íntimo. Acusa-se a plantação do real e presenteia-se a mentira.
Resta a nuvem da satisfação que cobre a injustiça, a aspereza do crime ainda que não cometido, o riso alarve dos difamadores. Resta a podridão da calúnia e o nada nas mãos dos justos. Resta pouco, resta muito… dependendo da parte envolvida.

Texto n.º 271

A Busca da Felicidade

O tempo corre sem pressas.
Apressados andamos nós,
Desejando o que não procuramos,
Procurando o que não encontramos,
Porque tempo não temos.

Busco a Felicidade,
Mas à procura não vou.
Espero pelo acaso
Que inesperadamente virá
E Deus dirá
Quando for a hora chegada!

Escravos da vida,
Dependentes de princípios,
Vícios temos
E pecados cometemos
Sem criminosos sermos.
O dedo nos apontam
Para nos lembrarmos
Aquilo que somos
Sem vivermos o que desejamos.

Coincidências estranhas existem!
Escrevo do que a falar vamos
Ou falamos do que já escrevi
Sem lembrar que já o fizera.

Texto n.º 272

Sensações

No silêncio dos teus olhos,
Ouço os teus desejos.
No murmúrio dos teus lábios,
Vejo os teus sentimentos.

Sonhos e Desejos cúmplices se tornaram!

Corações abertos,
Pensamentos partilhados,
Sonhos contidos,
Desejos esperados e sentidos,
Manifestamente concretizados…

Texto n.º 273


Reflexões

Conversa breve e amena,
Tranquilidade e paz me traz.
Espírito sereno assaz
Para o dia passar

Hipóteses lancei,
Algumas acertei.
Que mais irei acertar em cheio?

Musa inspiradora serias
Se fosses mulher!
Assim, meu Anjo serás
Para meu dom iluminares.

O sonho de escrever
Começa a renascer.
Será este o meu ser
Ou o meu viver?

Não me reconheço!
Jamais despi a alma,
Tão pouco a nudez,
Revelando recônditos segredos
A sete chaves guardados.
Tranquilo e carinhoso és,
Sincero pareces ser,
Abertamente falas
Revelando o teu amor!

Texto n.º 274

O Niassa, acostado em Alcântara, engolia malas, jipes, contentores de alimentos e cunhetes de munições. No empedrado do cais, um batalhão militar perfilava-se diante de um general de óculos com lentes grossas. No terraço superior, uma multidão, de negro vestida, preparava-se para as despedidas. Ouviram-se tambores e, logo de seguida, a banda executa o Angola é Nossa. Marchei com os outros e subi as escadas do portaló. Na amurada, diante dos gritos e dos desmaios e do esvoaçar dos lenços, o padre João ofereceu-me uma cruz. Respondi-lhe que não precisava, já tinha a minha.

Texto n.º 275


O Baptista já não tinha o braço esquerdo, mas ele ainda o julgava inteiro.Deitado na cama do hospital, coto engessado, esboçou um sorriso e disse-me: « Tenho esperanças de que, na Beira, aqueles gajos me cozam a pele.» Dei-lhe um abraço - era o tempo dos combatentes se irmanarem - , e saí.
Cá fora, os mosquitos escureciam os candeeiros, tão baços já eles eram. Uma pelica de cacimbo embrulhava a noite. Sentei-me, num banco, diante da largueza do Zambeze, e chorei até ser noite na minha alma.


Texto n.º 276

Momentos incertos
 
A porta abriu-se os olhares cruzaram-se, tudo foi dito sem palavras.
Lado a lado os passos eram o eco do vazio.
Ficamos sentados ao som da água do pequeno lago, uma fonte transparente.
Bebemos o silêncio, a luta do medo com a esperança! Um turbilhão imperecível, invisível…mas real.
Até que uma voz trémula ousou falar!…Um caminho novo…Um deserto a atravessar.
Talvez o princípio do fim ou o fim sem inicio.
Momentos para a história, a história de um momento.

Texto n.º 277

Houve um tempo em que o mar foi miragem.  Apesar das gravuras dos livros que me davam uma visão da forma e da cor, não lhe conhecia o cheiro nem o som. Por isso, imaginava-o na imensidão do horizonte, até onde o olhar não alcançasse mais, para lá dos limites da minha própria imaginação... fechava os olhos e deitava-me então à beirinha da água na areia molhada  e entretinha-me a escutar o seu canto de tenor, embrulhado no manto das ondas que o não largavam e se vinham desfazer em bolhinhas brancas e salgadas que me salpicavam o corpo nu e adormecido num sonho...

Texto n.º 278

Já não me recordo do seu nome, mas tenho retida a imagem daquela princesa enfiada dentro de um vestido com folhos nas mangas e franzido na cinta, dos seus canudos de cabelos loiros e cacheados,  derramados pelos ombros abaixo e com um laçarote no cucuruto da cabeça.
Os passinhos de bailarina, quase em bicos de pés a conferir-lhe uma graciosidade de princesa fora de época...
Uma princesa que reencontrei muitos anos depois, já sem cachos loiros e com um corpo roliço que lhe roubou aquela graça(era Graça o seu nome, lembrei-me agora)de criança que destoava dos seus colegas de escola.

Texto n.º 279

Sentada na soleira da porta, de cabeça ligeiramente baixa como quem dormita, descansava o tempo de uma vida inteira enquanto esperava... ninguém entendia o que pudesse esperar naquele ermo onde não passava viv'alma, mas esperava! Esperava o que por certo sabia não ir chegar nunca...
No olhar míope que não conseguia esconder por detrás daqueles fundos de garrafa, esvoaçavam as penas das asas que tanto desejara, mas que, como maldição, se transformaram nas raízes que se lhe alongavam nos pés e se estendiam pela terra adentro, prendendo-lhe o corpo ao lugar onde esperava a morte.

Texto n.º 280

Pobre mendigo
Aproximou-se e de coração aberto me perguntou: Devo eu dar o meu almoço àquele pobre mendigo? E eu espantada com inesperada abordagem respondi: Faça de modo a que se sinta melhor consigo mesma. Dê-lhe o seu almoço que certamente ele lhe ficará muito agradecido. Não pese na sua consciência a omissão e a indiferença. Fiquei a observar, o coração dele brilhou até à última dentada. Em mim só ficou uma certeza: Às vezes a vida testa o nosso coração! A vós direi: a Vida às vezes chama por cada um de Nós!
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« Responder #443 em: Setembro 05, 2010, 19:53:52 »

Texto n.º 281

Enlace
 
Houve um estranho momento em que cheguei antes do nada. Era um perigoso fragor de manhãs de circuitos únicos, suavizados. O indelicado sabor da loucura ia-se distante. Sem deixar impressões ou memórias dúbias. Dobrei-me diante do luar que balbuciava distante enquanto tudo ali estava. Ou restava, em janelas obscuras e desregradas cortinas. Vi-me a balançar em pequenas redes de nuvens, claras como o sol. Surpreendi o poema a fazer-se rosto, dourado, irresignável. Mostrando-me onde residia o que faltava.

Texto n.º 282

A luz incidia sobre o meu dorso, clara e intensa como uma chama. Uma mão deslizava pela minha textura macia, mas o rasgo do metal feria –me as entranhas continuamente doridas.
Delineados versos de amor a outrem sobre a minha pele? Rasgar-me assim? Quero fugir desta mão, mas não tenho forças.
De repente, pela janela do quarto, uma rajada de vento faz bater as portadas. O meu carcereiro levanta-se para as fechar. O vento sopra mais forte e arremessa-me de encontro  ao lavatório no  canto do quarto. O jarro da água tomba e todas as letras em mim escritas ficam num enorme borrão. Inutilizado!

Texto n.º 283

Ando apática de sentimentos. Talvez porque experimento ser mais feliz do que sempre fui,  mais inerte do que julgava. Não folhei o volume que menti que leria. Nem me interessei por quem o tivesse escrito. Perdi-me no seio das folhas dos filhos renegados. Óbolos recolhidos humildemente em seixos e areias antes mares com restolhos de ostras e mariscos. Madrepérolas inquisitivas se tornaram adornos no meu corpo esquivo. Minhas primaveras parecem pobres para resgatar o livro de névoa que voa lá fora. Então digo à velhice das horas diminutas salinas vindas de dentro, marés vertidas em silêncio.

Texto n.º 284

DIAS De TÃO LONGE
 
 
Dias de tão longe, riso fácil a entrar pela janela, os rios correndo mansos, dourando cada penhasco, e a sombra da mãe, protectora sentinela.
Hoje, há o medo do escuro, e uma saudade que gela. Recordo o oiro passado nesta
Homenagem singela.
 

Texto n.º 285
 
Imagem insólita
 
Há imagens que a retina guarda, e enchem o âmago de grata saudade. Porventura outras, insólitas, nos questionam a mente, como se o autor fosse mera personagem.
Guardo na memória um desses instantes. Na capela velava-se calmamente pessoa não grata que nunca dera nada na vida. Eis que de repente carpideiras irrompem em grande pranto!
Ainda oiço a gargalhada cristalina que inundou a capela, espantando os santos e as gentes.

 Texto n.º 286
 
AVÓ
 
Ainda a vejo, o perfil sóbrio desenhado na soleira de xisto. O cabelo branco, ora concentrado na debulha do feijão, ora perdido nas contas do rosário, com que  me ensinava melodias de amor.
Ainda te sonho, e quando o meu dia escurece, penso em ti, avó. Então, a tua força em mim prevalece.

Texto n.º 287

Lágrimas adolescentes
 
Chamava-te e tu vinhas, carregado de brancura. Muitos chamei depois, mas nunca vinham. Ainda chamo, num resquício de autoridade, mas respondem-me com o desprezo pela minha ordem.
Deste-me a vaidade de ser teu senhor obedecido, dono do teu agachar fiel, do teu subserviente e terno dobrar de espinha, do teu olhar tão servil, mais que humano. 
Minha mãe contou-me, prudentemente pesarosa, como foras arrojado da tua mansidão para o asfalto quente. Nas lágrimas adolescentes que derramei corria a certeza de que nunca mais outro viria ao meu chamar, como um digno cão.
 
Texto n.º 288
 
 
Filho de muita página
 
Nas mãos do João mirava-os, despeitado e invejoso. Ansiava pelas suas janelas, por onde acedia a outras dimensões. Por isso, pedia-lhos, e ele, com a displicência de quem sempre teve, emprestava-mos. Depois, passei para outro nível, o de os pedir à mãe do João, agora mais densos, mais recheados, mais debruados de estilos e arte. Vendo-me a fazer o que desejava que o filho fizesse, a senhora enchia-me os sacos com dezenas deles.
Fiz assim a minha vida, imerso neles, mais ainda quando finalmente pude comprá-los. Sou um filho de muita página…
O meu amigo João só quer agora voltar a página atrás…
 
Texto n.º 289
 
Apurados
 
Distribuíram o orgulho do apuramento em rebuçados lançados sobre as minhas mãos de menor e as mãos menores da outra canalha, igualmente comungante do grande feito. Os nossos cobóis! – que iriam vencer os índios.
Nem setas nem balas tinham sangue nesse tempo. O heroísmo e a valentia não tinham maldade. À morte sucedia mais uma vida, no filme seguinte.
A camioneta onde seguiam, mais crédulos que gado, era de caixa aberta, para que lhes víssemos as coroas de louros. Apurados!
Um ano depois, a caixa que trouxe um, e depois o segundo, era agora fechada. Para que não víssemos The End. A bem da Nação!   


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« Responder #444 em: Setembro 06, 2010, 12:45:10 »

Olá, Tino
POr favor retire o seu texto, a mande-o para administracaoescritartes@gmail.com. Pois só a administração o pode postar aí. bj Elvira
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« Responder #445 em: Setembro 06, 2010, 14:03:32 »

Olá Elvira,

Agradecido pela ajuda.
Só agora me foi possível entrar no site.
Já apaguei o texto do Tino Saganho e surpreende-me que as pessoas não leiam os regulamentos provocando situações destas, que pessoalmente detesto.
Abraço
José António
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« Responder #446 em: Setembro 06, 2010, 14:43:20 »

  Com toda a humildade peço desculpa pela colocação do meu texto em lugar errado.                             
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« Responder #447 em: Setembro 06, 2010, 15:20:23 »

Olá Tino,

Não interprete mal as minhas palavras.
Uma das preocupações primordiais de quem elaborou o Regulamento, foi garantir anonimato total para garantia de isenção na votação que se vai iniciar após as 24 horas de hoje! Nada mais que isso, o que pessoalmente acho correcto e justo.
Desatenções como a sua, por poucas leituras que tenham, permitam a identificação do autor.
Não é verdade?
Diga lá que não tenho razão...
Abraço amigo,
José António
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« Responder #448 em: Setembro 06, 2010, 16:59:05 »

Texto n.º 290

Era de madeira a minha primeira mala da escola.Não seria de admirar se o meu pai não fosse artista em transformar tábuas naquilo que bem quisesse,mas uma mala de madeira...talvez fosse um tanto ou quanto estranho.De mala na mão e um sorriso de satisfação no rosto,nem me apercebia dos olhares e dos cochichos dos outros que logo no primeiro dia se não pouparam a fazer pouco de quem surgia do nevoeiro da inocência,trazendo consigo a pureza da infância.A partir daquele dia foi aprendendo a par das letras e números,não só as coisas boas como também as más de que é composto o mundo.

Texto n.º 291

Munidos de pás e picaretas quase do nosso tamanho, lá fomos direitinhos ao pinhal em busca de um penedo jeitoso para dar início à descoberta do nosso tesouro que a minha avó, que não mentia, me havia garantido existir por debaixo de um penedo(todos tinham tesouros) um tesouro ali escondido pelos Mouros antes de partirem, tal como está registado nos livros de História, que o nosso país foi conquistado aos Mouros. Por isso, só tínhamos que escavar!
Foram dias seguidos de trabalho árduo até nos rendermos ao cansaço, sem conseguir-mos sequer fazer abanar o penedo...

Texto n.º 292

Pouca gente tinha televisão naquele tempo.A tal caixa mágica que todos queriam ver mas que não estava ao alcance desses todos. Por isso, era costume juntarem-se na casa de quem a tinha para passar o serão, ainda que em tons de cinza claro e escuro que alguém se lembrou de baptizar a preto e branco.
Quem se não lembra das intermináveis e enfadonhas crónicas do professor Vitorino Nemésio? Ou daquelas touradas domingueiras que nos faziam vibrar  em qualquer pega de caras.Os concertos de piano que me tramavam o esquema todo, visto o tempo ser curto e eu queria era ver o Speedy Gonzales!

Texto n.º 293

No meio do bosque, drusas e ametistas, geodos ainda por derreter a escuridão. Como seus olhos de cristal quase verdes, quase mares. Comprou um anel de três pedras e o colocou no dedo médio. O seu vestido rodado marcado na cintura, decote discreto, da mesma cor de ágata. Dançou mil vezes no tapete das deusas, sequer sentia a leveza do corpo entregue à cegueira da música. A vertigem do desejo caia-lhe do rosto. Não erradicaria sua herança de pedras. Devolveu um sorriso sem cumplicidade, sem promessas. Não gostava dos ocasos cor de areia.

Texto n.º 294

VIAGEM À MADEIRA

Já se podia ver ao longe a água do mar banhando a areia dourada da praia do Funchal. Preparávamo-nos para a aterragem quando sentimos o avião ser abanado fortemente por ventos contrários; as asas oscilavam tanto que parecia que se iam separar de resto do aparelho. De repente começámos a subir contornado a ilha em círculos para ser feita nova tentativa! De novo as mesmas fortes sacudidelas que nos faziam pensar se sairíamos dali vivos! As crianças choravam, uma senhora idosa desmaiou... Foi-nos dito que iríamos para Porto Santo até o vento amainar, e foi assim que fiquei a conhecer mais uma ilha!

Texto n.º 295

AROMAS DE INFÂNCIA
 
 Relembro com saudade o tempo da minha infância! Como era bom acordar com o cheirinho a pão quente com cevada feito pela mãe e o ruído da máquina de barbear do pai, misturado com a música do velho rádio inundando toda a casa num alegre despertar! Esses aromas ainda estão bem presentes na minha memória dando um novo sentido à vida!
 Como era bom ser criança, sem ter contas para pagar, nem preocupações com o almoço do dia seguinte, nem roupa para lavar e passar a ferro! Pudesse eu recuar no tempo para desfrutar cada momento com um novo sentido de partilha!

Texto n.º 296

UMA SITUAÇÃO DELICADA
 
Deveria ter cerca de 7 anos, quando Lucinda, uma mulher extremamente magra, bateu à porta para falar com a minha mãe. Era conhecida como "Pinóia", devido ao seu enorme nariz. Eu sem mais comecei a chamar: - Mamã, está aqui a "Pinóia"! A minha mãe ia descendo a escada fazendo-me sinais e caretas para eu me calar, mas eu, indiferente aos seus gestos ameaçadores, continuava no mesmo tom irritante: - Mamã está aqui a "Pinóia"! A minha mãe muito corada lá se desculpou conforme pôde! Eu aprendi a lição e valeu-me um enorme puxão de orelhas, por ter falado mais de que devia!...
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« Responder #449 em: Setembro 06, 2010, 17:00:16 »

O último dia para recepção dos textos concorrentes será o dia 6 de Setembro 24 horas.
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Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
Março 16, 2021, 12:35:25
Olá para todos!
Março 13, 2021, 17:52:36
Olá para todos!
Março 10, 2021, 20:33:13
Boa feliz noite para todos.
Março 05, 2021, 20:17:07
Bom fim de semana para todos
Março 04, 2021, 20:58:41
Boa quinta para todos.
Março 03, 2021, 19:28:19
Boa noite para todos.
Março 02, 2021, 20:10:50
Boa noite feliz para todos.
Fevereiro 28, 2021, 17:12:44
Bom domingo para todos.
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