A miúda de corpo esguio

[cleo]

A casa de pedra, miserável, com telhado de lajes. Na escada, uma rapariguinha triste, de corpo miúdo e esguio, vai folheando um livro de banda desenhada cuja história se perdeu no tempo, confundindo-se com a dos próprios protagonistas, Mónica e João Cebolinha…
Corria nas bocas do povo que a mãe se tinha enforcado com uma corda que prendeu a uma trave do curral das ovelhas. Havia também quem dissesse que não tinha sido bem assim. Desconfiavam até, de algo bem mais escabroso. Talvez um homicídio levado a cabo por uma cegueira de ciúmes… Nunca se soube ao certo. Certo foi, que por causa disso, foi separada do irmão que ficara com o pai e levada para o pé da sua avó, que raramente visitava. Que quase nem conhecia.
Tinha as unhas roídas até ao sabugo, e mesmo assim, continuava a roê-las pelo meio escavando buracos no lombo das cabeças dos dedos de modo que, parecia que os ratos a iam devorando de noite enquanto dormia.
Costumava ir para o pé dela. Ela deixava-me folhear os seus livros de bonecos que eu não tinha. Por vezes, sentia o aroma das maçãs de bravo mofo que se esgueirava pela frincha da porta encostada. Aquele aroma… ainda hoje o sei de cor.
Um belo dia, em que voltei a procurar pela sua companhia, disseram-me que o pai a tinha vindo buscar… nunca mais a vi.
Muitos anos depois, soube que tinha casado com um homem rico, que vivia no Porto e que já tinha pago duas ou três desintoxicações ao irmão, que, ao que parece, deixou de ter aquele ar inibido que mostrava (quando moço já mais crescido e até muito bem parecido) sempre que por ali aparecia com o seu pai, geralmente por altura das festas, e se tinha metido por caminhos espinhosos de vícios destruidores de corpos e de almas.
No ano passado encontrei-o por acaso. Parecia um pedinte, bêbedo de miséria…

[Nanda]

Cleozinha,
O quotidiano com a sua pobreza humana.
Muito bem descrito.
Beijinhos
Nanda

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Muito bonito, Cleo.

[Goreti Dias]

Uma escrita clara, organizada e de belo efeito estético.

[cleo]

Goreti, Nanda e Oswaldo

Este texto nasceu muito por causa do concurso a decorrer neste site, mas como as palavras permitidas não chegavam para dar corpo ao sentido do mesmo, ele foi crescendo e focou grande demais para o ninho...

Sempre atentos e simpáticos com as vossas leituras e apreciações.

Muito obrigado aos dois!

Beijo

[arfemo]

...as histórias do quotidiano em linguagem cuidada. e não é que a ficcção em Portugal se vai esquecendo cada vez mais desse essencial?... o importante mesmo é saber contar uma estória. releiam-se os grandes escritores da América latina. eis porque ainda gostei mais... bj

[CAMPISTA CABRAL]

Olá Cleo!

Boa prosa! bom pedaço de prosa este! Gostei das imagens que se fizeram em minha mente cm a tua leitura! Obrigado pelo prazer proporcionado!

Um abraço do outro lado do Atlântico!

[cleo]

Amigo Arlindo, ainda não o tinha felicitado pela presença agradável nesta casa à qual julgo ter chegado há pouco tempo, seja portanto muito bem vindo!
E já agora, muito obrigado pela leitura e pelas palavras que aqui me dedicou.

Beijo

Amigo Campista
É com prazer que vejo que as minhas humildes escrituras são do seu agrado.
Em breve irei retribuir lendo algumas das suas

Muito obrigado!

Beijo daqui... deste outro lado

[Eduarda]

Cleo,

a tua marca está bem distinta. um conto da realidade, da pobreza que pode ser dos pobres e mais.

bj
Eduarda

[Á flor da pele]

Uma triste realidade com a qual nos deparamos cada vez ...
Fica um beijo