Quando te olhei em estreia.

[22segundos]

Quando te olhei em estreia.

No primeiro segundo em que te pressenti, perdi-me,
                – ainda agora me busco em norte (alienada),
No primeiro relance em que te degluti, engasguei-me,
                – ainda agora me respiro em tragos (torturada),
No primeiro impulso em que te sequestrei, derrotei-me,
                – ainda agora jazo na terra (desamparada),
                       o peito p’la espada perpassado;
                             o rosto de vermelho serpenteado;
                                  pl’a boca, um suspiro agonizado.

E derreti-me-te solícita nos braços,
E a tua mão em concha conteve-me leitosa.
Livre, aquosa, escorreita, tombando,
incomportável no corpo, a alma dançando,
sorvida p’la tua boca cobiçosa.

E esfumei-me-te em torno ao corpo,
E inalaste-me tomando-me vaporosa.
Livre, nebulosa, escorreita, pairando,
incomportável no corpo, a alma trinando,
sorvida p’la tua boca ansiosa.

E senti a dor torturante de invadires a traqueia;
de, violento, cerceares a respiração,
Por te substituíres ao ar, indolente;
por, novo oxigénio,
viver agora de ti somente.

E senti a dor massacrante de inundares a aorta;
de, brutal, seccionares a circulação,
Por te substituíres, tirano, ao sangue, 
Deixando-me, jazendo só,
perigosamente perto de exangue.

E apenas por te olhar em estreia,
Perdi-me no teu canto de sereia,
E levei (feliz) o meu barco aos abismos,
E acerquei-me (segura) do precipício,
E ofereci-me sem temer cataclismos,
Para transformar-te no meu amado vício.

E morri-te nos olhos,
       – quando em ti cheguei à praia.
E desfaleci-te nos braços,
       – quando pressenti em ti a meta.

E abandonei-te o corpo,
       – quando me reconheci etérea,
             por olhar a carne, o músculo e os ossos,
             por tocar o sangue, a saliva e as lágrimas,
             e por reconhecer que me não dão materialidade,
                  por te ter rendido,
                     irretornavelmente,
                          (amorosamente),
                               a sua propriedade.

22segundos

[Goreti Dias]

Riqueza estilistíca e lexical soberba! Parabéns pela singularidade do poema!
Um beijo

[22segundos]

Cara Goretidias:

Muito obrigado  não apenas por leres e apreciares as minhas palavras, como por as qualificares de forma tão elogiosa.
Um beijo grande,

22segundos.

[Alma Cancella]

Descrição de "apaixonamento" memorável!!!

[22segundos]

Cara Alma Cancella:

Grata pelas tuas palavras. Um abraço,

22segundos.

[Dionísio Dinis]

Um poema para o ser de facto, tem de ser sonoramente audível, nem que seja dito por sussurros tangentes aos sentidos, um poema faz-se da pele e á pele do poeta e do leitor, um poema escreve-se assim como assim foi criado por si!
Ressalvo esta estrofe tocante, superiormente conseguida, consentânea com o nível de todo o poema

"E senti a dor massacrante de inundares a aorta;
de, brutal, seccionares a circulação,
Por te substituíres, tirano, ao sangue,
Deixando-me, jazendo só,
perigosamente perto de exangue."

Bravo poetisa!

[22segundos]

Caro Dionísio:

O facto de já saber (porque mo disse e porque o tenho constatado) que não tem tendência, quer para o elogio gratuito, quer para o elogio fácil, torna desde logo as suas palavras (o dizê-las apenas), especialmente significativo.
Depois, para além de existirem, o seu sentido, deixa-me muito satisfeita, quer pelo tom elogioso, quer pelo incentivo que implicam.

Mil graças por elas,

22segundos.

[Dionísio Dinis]

E sabe lá a minha cara amiga poetisa o quanto me dá prazer comentar o que eu  sinto que é puro prazer e máxima criatividade de escrita!!!

[Mel de Carvalho]

22segundos,
devo dizer-lhe que li e reli o seu poema (em off e agora em on). Também não sou dada a elogios fáceis, como pode perceber pela escassez de comentários mas tenho que lhe confessar que este poema me tocou. De si espero a riqueza do léxico e, a exemplo do que aqui nos deixa, a expressão maior do sentimento.

Um abraço

[22segundos]

Cara Mel:

Quanto à expressão maior do sentimento não sei... Contento-me em deleitar-me na labiríntica perseguição de traduzir em palavras a riqueza maravilhosa do virtualmente inexplicável.
Confesso que procuro assim tornar o inexplicável mais compreensível; temo contudo que ainda o torne mais obscuro. Vale-me pois a gostosa (ainda que infinda) caminhada. Pelo amor da escrita, valha-nos essa inesgotável capacidade do sentimento!
 
Um abraço e obrigado pelas palavras,

22segundos.

[22segundos]

Caro Dionísio:

É de facto puro prazer!!! A criatividade é resultado da busca incessante de materializar as mais ténues (e fugidias) tonalidades da sensação.

22segundos.