Vitor da rocha
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« em: Setembro 03, 2010, 16:25:21 » |
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PARTE 2
Tlim, tlim, pela aurora do dia, já a Leopoldina, na minha aldeia a única albina, caminha pela rua fora, atrás as duas cordeiras, enfeitadas no cachaço com duas coleiras donde pendem as campainhas, para chegar à s pastagens, duas viagens por jornada, ida e volta, pela tardinha, a botelha dos úberes a ressumir leite como o musgo das pedras rentes a uma fonte. Pela entrada da noite, a Leopoldina ainda vai ordenhar e encher as cantarinhas, que venderá pelo caminho para casa, a senhoras no postigo, a velho castiço gozando o feitiço do pôr-do-sol encostado ao terriço do muro da casa, pacato como rã em folha de nenúfar e sapo sob um torrão em terra lavrada de fresco, ou a catraio reguila a mando da mãe entregue aos mesteres da cozinha. Salta e canta, canta e salta, voz de trombone grave, inconsciente, porque não canta para se ouvir ou os outros ouvirem, mas antes como os passarinhos, para derramar a alegria da manhã do seu peito pelas papoilas e ervas, grilos e moscardos, e para quem a sua voz forte é tão familiar como a do sino da igreja, a duma burra a zurrar, a dum cachorro a ganir. Leopoldina, comigo queres casar?, perguntavam-lhe em tom de mofa os rapazes graúdos e os homens maduros, para se rirem do seu corar, que se espalha pelas maçãs do rosto e a cana do nariz, para interromperem sua devoção interior, recolhida na sua igreja, rezando as suas contas do rosário, ausente em si própria, serena, em paz amena, nadando nos seus murmúrios e pirolitos a propósito de algo de que ninguém faz ideia, certeira nas tarefas, nos gestos, nos dizeres, mais que um relógio suÃço, sem enfado na repetição dos anos de tempo sempre igual, vendo diversidade em cada dia repetido, onde o mais santo paciente encontraria motivo de impaciência, metendo a palhinha com ela também pelo gozo da mesma resposta sempre em dó maior, alinhavada no mesmo ritmo, no mesmo tom. Ora, senhor Augusto, o senhor não tem cara de prÃncipe com quem eu vou casar, era assim que pressagiava o seu enlace desde os dez anos, quando ouvira a professora contar a história do prÃncipe transformado em sapo pela maldade da bruxa má. Vira-o nas imagens que a professora lhe mostrara, e no meio da selva de letras que fugiam do seu entendimento, e gravou-o no cérebro em caixilho de amor. A professora ainda continuou a semear perguntas para fazer germinar as ideias da compreensão sobre a história, mas para ela não se virara, rendida à sua diferença de não conseguir juntar o p e o a, mais o t e o o, que na sua boca sempre era parreco pela imagem do pato desenhado ao lado das letras, mas ela permanecera fechada sobre as imagens do vistoso prÃncipe, e dali não se soltou. Até agora.
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