Vitor da rocha
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« em: Setembro 03, 2010, 16:29:25 » |
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Querias um prÃncipe, Leopoldina?, não querias mais nada... Olha, um belo prÃncipe para ti é o Acácio Pixote, belo par farÃeis tu e ele, os dois como anjos palrantes, sem poiso nem juÃzo, em dueto de violinos desafinados. Ai o teu prÃncipe onde estará, Leopoldina? Aqui, na terra, em casebre rumelento, fumarento e nojento, de caibros tingidos pela fuligem, de pedras de carvão nas paredes, de óvulos de gordura a enfeitar o sobrado na cara espigada, avinhada e atolambada de lavrador farsante que não saberá ver teu sentir, acariciar tuas mãos de mel, encher tua interior ausência de presença, teu corpo meigamente suÃno de dedos de açúcar, tua pele de escamas da face de creme de ternura? No riso de cada um que te olha, marciana, liliputiana, venusiana, persiana sem janela, se deleita com tua candura, espuma de fome pela tua diferença, aperitivo de troças e gargalhadas? Na solidão que o destino te reserva, cruel de gozo, que a tua mãe convenceu a parir-te fora de tempo, quando a terra já secava e a fonte murchava, e que a vai levar logo, logo para completar tua ausência? Ai, Leopoldina, Leopoldina, teu prÃncipe vive perenemente no papel amarelecido do livro da primária, e de sÃtio tão seguro não vai sair, que ele sabe muito bem que cá fora não tardava mais de um instante a ser engolido pelos dentes da realidade, bicho que não aceita fadas nem magos, alices no seu paÃs encantado, nem prÃncipes sem castelo de pedras concretas nem paÃs de cidadãos a render vassalagem, de mãos presas à enxada e à s moedas. Leopoldina, comigo queres casar? Olha que eu não sou rico partido, trabalho que nem um mouro e a ti compraria trono mais alto e dourado que o do teu prÃncipe, olha que me fazes rir, Leopoldina, com esses teus olhos cândidos de quem me acredita... ah! bem-abençoada sejas, Leopoldina, pelo muito que nos enterneces. Oh, senhor Augusto, lá está o senhor com as suas coisas, deixe-me para aqui no meu sossego, que eu muita nova ainda sou para pensar em namoro e minha mãe não me deixa falar com os homens, que só sabem fazer mal, o ribeiro dos vinte já saltei, a nascente já brota todos os meses, mas a cabecinha não sai da boneca que perdeu o cabelo com os anos e o uso, como acontece aos homens, os anos que leva na minha mão a pular da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, horas e horas sem cansar, entre as minhas pernas estendidas no soalho, ou na terra da soleira da porta, nem das páginas do livro do prÃncipe que a professora, ao ver a minha paixão, me ofereceu prontamente, e de lágrimas a pingarem da pipa dos seus olhos. Leopoldina, querias um prÃncipe?, não querias mais nada ... À frente da rapariga já mostrou sua calvÃcie a rocha dos três desejos em forma dum oito que ganhou volume, uma esfera assente no planalto minúsculo de outra esfera ligeiramente maior, apenas o musgo a cobrir a sua nudez da cinta para baixo, como se se envergonhasse com tal desfaçatez, e onde a lenda mente que quem bater três vezes com pau de freixo descarnado no seu bojo aberto e pedir três desejos do outro mundo será sem sombra de dúvida atendido. E tantos atendimentos aos crentes ainda mantêm a lenda e a rocha de pé, ninguém duvida. E Leopoldina menos ainda, que, desde que sua mãe lhe contou o encanto, dia não há, regue a chuva os campos mole ou selvaticamente, toalhas de neve sejam estendidas depois de crivadas do céu, o vento galope os montes e as copas do pinhos, o frio vista a natureza de cobertores de geada, em que a moça não vá tocar com a varinha de freixo no buraco dos milagres e deseje só um, apenas um encanto, um prÃncipe ajaezado e brilhante, resplandecente de sorrisos para ela. E a decepção de todos os dias não lhe toca sequer, impedida pelo muro da sua crença sem limites. E hoje é outro dia, outra manhã de pancadas na pança da rocha, tum, tum, tum, desejos só tenho um, minha rocha dos encantos, que tu bem o sabes e não preciso de voltar a dizer. É hoje que o prÃncipe vais plantar nos seus olhos, rocha poderosa? Tum, tum, tum, responde o eco do interior da rocha, está descansada, Leopoldina, tanta crença e persistência merecem recompensa, olha prò lado do nascente e diz-me o que o teu coração sente.
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