Pedro Ventura
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« em: Novembro 05, 2010, 11:32:30 » |
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No escritório, circulava o boato de que o chefe andava estranho, talvez depressivo. Que pouco falava com os funcionários, e que a sua costumeira boa disposição se volatilizara. Na rua do chefe não havia muitos motivos para circular boatos sobre ele, porque saÃa cedo para o trabalho e chegava tarde, sempre ao anoitecer, e mal conhecia a vizinhança. Na casa do chefe, a mulher lamentava-se de não ter umas férias decentes desde que casaram, há quatro anos atrás, e que era tempo de terem um rebento. No escritório toda a gente gostava do chefe, e o chefe gostava de toda a gente. Em sua casa, a mulher amava o homem que nem em casa deixava de pensar que era chefe e que, sendo ele chefe, tinha responsabilidades acrescidas. Na rua do chefe não se sabe se alguém gosta do chefe. A meio de uma das reuniões de segunda-feira, com todos os funcionários do escritório para fazerem o plano de trabalho semanal, um dos funcionários, com o á-vontade de uma boa relação, pergunta ao chefe: - Chefe, você não anda bem pois não? O chefe perante tal pergunta, enceta a chorar sem pudor. Confrontados com a inopinada situação, todos se envolveram a ajudar o chefe, que, perante tamanho dilúvio lacrimal, denunciava um pedido de socorro. E a primeira ajuda era fazer o chefe desabafar. - Fale connosco chefe – disse um dos funcionários. - É o trabalho. É o trabalho que me está a roubar a vida – disse o chefe entre soluços e lágrimas. – Espero que a minha mulher não se esqueça do que o que eu faço, é para termos um futuro risonho… - Você tem de tirar férias urgentemente e esquecer isto durante uns tempos – disse outro funcionário. – O trabalho não é tudo. O trabalho é apenas um meio para podermos viver, não é vida chefe. A vida é fora do trabalho. E o chefe ainda é novo, não se pode deixar consumir desta maneira, tem de aproveitar… Tem de ter outra atitude em relação ao trabalho. Tem de conseguir separar a sua vida daqui, com a vida que tem lá fora. Essa é a verdadeira. Tenha confiança em nós e vá de férias descansado. Tire umas férias prolongadas, bem longe daqui. - Deixar-vos sozinhos??!! - Vá lá chefe, vá passear daqui para fora, apanhar outros ares. Nós gostamos do chefe e não queremos o chefe aqui nesse estado. Nem sequer ria ultimamente… - Nem sequer me lançava piropos. – interrompe uma funcionária, a mais novata do escritório, a sorrir. - Confie em nós, que nós cá nos desenrascaremos. Vá para casa descansar. – disse o funcionário que foi interrompido pela funcionária mais nova. A muito custo, o chefe foi para casa. A mulher do chefe ficou espantada do seu homem chegar tão cedo. Na rua do chefe ninguém deu pelo seu chegar. - A esta hora em casa? Tão cedo? Que se passou? – perguntou a mulher do chefe. - Porquê o espanto? Não estás contente com a minha chegada? – disse o chefe. - Estou felicÃssima, meu amor. A tua chegada é sempre um motivo de alegria para mim, principalmente quando acontece o milagre de chegares tão cedo. - Prepara as malas, que amanhã ou ainda hoje, vamos de férias. Ainda não sei qual o destino, mas vamos. – disse o chefe. A mulher do chefe estava incrédula e não cabia em si de contente. Na manhã seguinte, na rua do chefe, alguns vizinhos repararam que o homem que é chefe, e a sua mulher, iam de viagem. Minutos antes, no escritório do chefe, o telefone toca com o chefe em linha. - Vou de férias. Se precisarem de alguma coisa, não se inibam de me telefonar. - Vá descansado chefe. Não vamos precisar de o incomodar. Goze bem. – disse o funcionário que levantou o auscultador. No levantar do avião, o chefe está contente. A sua mulher ainda mais. Na primeira noite no hotel, o chefe e a sua mulher, num leito distante, intentam em fazer um filho, o primogénito. E conseguem. Daqui a nove meses têm o resultado. Depois desse passo de gigante na vida do homem que é chefe, depois da concepção, depois do chefe ter metido a semente no ventre da sua mulher, esta diz: - Obrigado por estas férias, meu amor. Mais ainda, obrigado por nós. Passado um mês e uns dias, o chefe estaciona o carro na sua rua, vindo de umas férias inolvidáveis. Alguns vizinhos vêm o casal chegar, feliz. O chefe é outra pessoa. Não no dia a seguir, mas no outro, o chefe irrompe escritório adentro. - Bom dia rapaziada! Portaram-se com juizinho? – diz alegremente. Todos os funcionários e amigos do chefe vão ao seu encontro. - Então chefe, que tal de férias? – pergunta um dos funcionários. - Foram óptimas – responde o chefe – mas daqui a nove meses vêm o resultado. - O chefe vai ser pai? – pergunta outro funcionário. - Sim, parece que sim. Todos deram os sinceros parabéns ao chefe e o abraçaram. No escritório, nada se deixou por fazer. Tudo estava a como dantes. Se o chefe não fosse chefe, poder-se-ia dizer que era prescindÃvel. O rótulo de chefe é que é o inimigo do chefe. No fim do dia de trabalho, o chefe regressa a casa e estaciona o carro na sua rua. Para seu espanto, um vizinho que nunca tinha falado ao chefe, dirige-se a ele. - Boa tarde vizinho! - Olá boa tarde! – responde o chefe afável e amistosamente. - O vizinho está com outra cara. Fizeram-lhe bem essas férias. - Nota-se assim tanto? - Nota-se e bem. – responde o vizinho que nunca trocara quaisquer palavras com o seu vizinho chefe. - Já agora, com é sabe que eu fui de férias? - Todos sabemos um pouco da vida dos outros meu caro vizinho. Uns é que andam mais distraÃdos que outros. Adeus vizinho. – o vizinho do chefe foi à sua vida. O chefe sobe ao seu andar, a pensar no sucedido. Em casa do chefe é noite e o chefe e a sua mulher jantam um preparado feito pelo chefe, agora de cozinha. A acompanhar, bebem uma garrafa de vinho tinto guardada há muito e que tem vindo a evitar o saca-rolhas. O chefe parece deveras outra pessoa. À mesa, o chefe está feliz, a sua mulher ainda mais.
2005
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