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Autor Tópico: Uma taça de champanhe  (Lida 2560 vezes)
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Antonio
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« em: Março 18, 2008, 13:03:28 »

Estávamos no início dos anos sessenta.
Vivia com os meus pais e a minha irmã numa casa independente, com dois pisos, alugada (como era habitual na época), com um pequeno quintal nas traseira e uma ameixieira que dava uma dúzia de frutos de dois em dois anos e que acabou por ser cortada para deixar o sol iluminar melhor esse espaço aprazível.
Não estou certo, mas penso que foi no jantar dos meus doze anos, portanto no dia seis de Janeiro (sim, nasci no dia de Reis), em que recebemos a visita de uns três ou quatro familiares.
Tudo correu bem.
A comida, boa como sempre, os doces, o champanhe, o pequeno mas imprescindível discurso do meu velho (que naquela altura ainda era novo), os brindes, o “Parabéns a vocêâ€, enfim...tudo o que era habitual, lá em casa, nessas ocasiões.
Eu não bebia álcool, mas tinha a autorização paterna para ingerir um pouco da agradável e borbulhona bebida.
Terminada essa fase, ficamos todos sentados, à mesa, a conversar.
Eu, pequenote e sossegado, postado à direita do pai todo-poderoso, mas num outro lado da mesa rectangular, ouvia sempre com atenção as conversas dos mais velhos.
À minha frente, vazia, a taça de champanhe. Daquelas com uma base circular, um pé estreito, razoavelmente alto e a coroá-lo, o receptáculo do líquido.
Ao alcance da minha mão direita, uma faca.
E este mocinho começou a dar umas pancadinhas suaves a meio do vertical pedúnculo do recipiente.
Plim...
Passados um minuto ou um pouco mais.
Plim...
Outra vez.
Plim...
Mais uma pancada seca.
Plim...
E os plins foram-se sucedendo até que o meu pai, talvez já incomodado com a sonoridade e os intervalos quasi iguais entre uma batida e as seguintes, disse:
- Ó rapaz! Está quieto com isso! Ainda partes a taça e levas uma chapada na cara.
- Já bati muitas vezes e não parte – retorqui, confiante na minha capacidade de controlar a potência dos toques.
- Já te avisei! Depois não te queixes! – voltou à carga o chefe.
Pelo sim pelo não, achei melhor não dar mais nenhum plim (o respeito é muito bonito!).
Passados uns minutos e já um tanto chateado de estar quieto, resolvi pegar na taça pela parte bojuda e deslocá-la um pouco.
- Oh...está partida!
De imediato:
Pumba!
E desta vez, o som foi o de uma mão de adulto a bater na face de um garoto.
- Eu não te avisei? Afinal partiu ou não partiu? – interrogou-me o progenitor com cara de poucos amigos.
Claro que eu comecei num pranto. Não tanto pelo bofetão mas sobretudo pelo amor-próprio ferido.
Traidor de vidro. Partiu exactamente no sítio onde eu dava os toques, a meio do pé, mas permitiu que a taça ficasse parecendo incólume. Quando levantara a peça de vidro, a metade superior ficou na minha mão e a inferior, quietinha, pousada na mesa.
- Ó Fernando! Não precisava de bater no menino. E logo no dia dos anos.
Muitas vozes se levantaram em minha defesa, mas o bofetão já tinha sido aplicado.
E assim, esse meu aniversário ficou assinalado pela aprendizagem de que não se deve fazer plim batendo com aço em vidro, e de que o meu pai era um homem de palavra.     

(escrito em 4 de Março de 2006)
« Última modificação: Março 18, 2008, 15:01:54 por Antonio » Registado
Goreti Dias
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« Responder #1 em: Março 18, 2008, 14:54:17 »

Sempre se aprende alguma coisa... ou aprendia... agora já se não usa!
Um belo episódio, sobretudo bem contado!
Um abraço
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Goretidias

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britoribeiro
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« Responder #2 em: Março 21, 2008, 11:36:08 »

Estes miudos...

Abraço
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pedrojorge
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http://pedromrj.blogspot.com/


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« Responder #3 em: Março 21, 2008, 11:50:59 »

De certa forma é bom rememorar o dia em que festejavam os nossos anos  Tongue Foi uma leitura interessante.

Aniversário
Ãlvaro de Campos  (Fernando Pessoa)
 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,   
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui.. .
A que distância!...
(Nem o acho...)   
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje e é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Ãlvaro de Campos (Fernando Pessoa)


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Actually I don't remember being born, it must have happened during one of my black outs.
Antonio
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« Responder #4 em: Março 23, 2008, 21:54:38 »

Obrigado pelos comentários e pela excelente ideia do poema adequado.
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Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
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Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
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Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
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Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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Boa tarde a todos.
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Boia noite para todos.
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Boa noite feliz para todos.
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Boa noite feliz para todos.
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Bom domingo para todos.
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