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Autor Tópico: Morrer de Vergonha  (Lida 3136 vezes)
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anamarques
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« em: Março 29, 2008, 11:48:24 »

O rés-do-chão do número um da Rua do Galvão acabava de ser estreado por um jovem casal que regressava da sua lua-de-mel. Uma semana tinham passado descobrindo as delícias um do outro numa pensão muito jeitosa perto da terra de Hortênsia, lá para os lados de Viseu. Alfredo era um alfacinha de gema cujo o pai era da mesma zona da sua linda esposa. E num bailarico de Verão deixou-se encantar pelos modos airosos e pelas formas generosas da moça. Ela retribuiu. Não seria de admirar. Alfredo sempre agradara ao belo sexo. Não só pelo excelente aspecto físico como pela sua simpatia e modos carinhosos.
Namoraram por carta cerca de uma ano. Quando se voltaram a encontrar nas festas em homenagem à nossa senhora da Lapa ficaram noivos. Casaram dois meses depois com a firma certeza de que seriam felizes para todo o sempre.
Alfredo trabalhava como ajudante no talho do sr. Xavier há cerca de cinco anos. Era uma parceria agradável. O patrão era o seu melhor amigo e sentia-se orgulhoso do seu empregado como um pai que via o filho iniciar uma nova família.
Hortênsia e Alfredo prolongaram a lua-de-mel durante mais quatro meses. Conciliavam o trabalhão dele, a lida doméstica dela e o quotidiano caseiro de ambos com a prática do seu amor ardente. A vida era mansa.
Com a chegada da Primavera Alfredo contraiu uma febre alta. Caiu à cama. Contorceu-se com dores e o suor empapou inúmeros pijamas de dia e de noite. Era gripe, concluíram. Ao terceiro dia, encharcado em aspirinas e paracetamol resolveu ir trabalhar. Chegou ao fim do dia a casa de costas vergadas e bater os dentes de frio.
Hortênsia em vão tentou que chamassem um médico a casa. Alfredo foi peremptório: não seria uma simples gripe que o iria derrubar. Voltou ao talho no dia seguinte. E tornou a regressar ao lar cheio de dores. A esposa desesperava. Ele mal comia. Rebolava-se na cama com dores e aumentava a dose dos comprimidos.
Os dias foram passando. A febre baixou mas manteve-se sempre presente. As dores transformaram-se numas moinhas indefinidas ora de costas ora de cabeça. O apetite teimava em não regressar.
Hortênsia tentava a cura do marido com mezinhas caseiras. Alguém lhe aconselhara um xarope de cenouras que seria bom para as constipações. Uma vizinha sugerira um cataplasma de papas de linhaça que seria excelente para os pulmões. Eram tiros no escuro pois não entendia a origem da maleita do homem que amava. Por vezes um pensamento de profunda angústia a assaltava:  “e se ele simplesmente estivesse a sofrer por desamor de mim?”
Alfredo, por entre as queixas cada vez mais silenciosas garantia-lhe que a amava tanto ou mais como num instante em que lhe pusera a vista em cima.
Chegou o Verão e com ele um silêncio aberrante entre os dois esposos. Alfredo continuava a chegar do trabalho para se enfiar na cama. Não tinha apetite. Não falava.
Hortênsia chorava pelos cantos sem que ele desse conta. Os dias tornaram-se vagarosos e pesados. O calor não ajudava.
A rapariga concentrou as forças na esperança de um milagre divino. Começou a fazer promessas a santos e frequentar diariamente a igreja. Tinha fé.
Um dia Alfredo levantou-se com um sorriso nos lábios. Tomou o pequeno-almoço com a mulher à mesa da cozinha. Antes de sair disse-lhe: “hoje já me sinto melhor. Minha doçura, minha azeitonita, acho que passou a tormenta. Até logo.”
Hortênsia rejubilou, pensando que as suas preces tinham finalmente sido atendidas.
Eram cinco da tarde quando o Sr. Xavier telefonou para o domicílio do seu empregado.
Hortênsia correu ao hospital. Falou com o médico.
“ Não entendo como foi possível este homem aguentar tamanho suplício! A infecção destruiu-lhe totalmente os dois rins. Era impossível não ter dores lancinantes. Nunca reparou que o seu marido urinava sangue?”
“ Que tinha dores eu sabia. E reparava que ele manchava as cuecas de sangue mas como ele trabalha num talho achei que era de mexer nelas com as mãos sujas. No entanto também estranhei por ser um homem de tanto asseio...mas não me deitei a pensar no caso...”
“ Trabalhava. O seu marido trabalhava num talho, minha senhora. Ele acabou de morrer. Ainda teve tempo de me explicar que tinha tido vergonha de dizer que deitava sangue como se fosse uma mulher...Teve vergonha de parecer menos homem aos seus olhos...”
A viúva voltou à sua aldeia. Nada mais a prendia numa cidade grande onde tudo lhe lembrava a vergonha que matara o marido e a que sentia por ter sido tão estupidamente ingénua.
« Última modificação: Março 30, 2008, 14:11:19 por anamarques » Registado
Marília
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« Responder #1 em: Março 29, 2008, 20:10:38 »

è isso que dá viver sobre o mesmo teto sem estar realmente a par de tudo!
E como é possível ser íntimo e ao mesmo tempo distante?
Há casais que realmente não se conhecem.
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Marília L. Paixão
anamarques
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« Responder #2 em: Março 30, 2008, 14:12:56 »

Pois é, Marília. Neste caso foi azar de não ter havido tempo de o casal ter construido a sua intimidade. Intimidade demora muito tempo para se conseguir. Um abraço para ti querida Marília.
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Marília
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« Responder #3 em: Março 30, 2008, 21:32:51 »

Você tem razão. Me lembrei aqui de certas coisas que me davam um trabalhão logo que juntei meus trapos com minha primeira paixão. Por exemplo, ir ao banheiro com urgência tinha que esperar a ausência e minha constipação intestinal foi aumentando. Não tem nada mais besta que a inexperiência ou a ingenuidade! rs..rs..
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Goreti Dias
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« Responder #4 em: Abril 01, 2008, 08:54:15 »

Sendo um conto, dá-nos, apesar de tudo, uma grande lição. Isto acontece mais vezes do que pensamos...
Um abraço
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Goretidias

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britoribeiro
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« Responder #5 em: Abril 02, 2008, 13:48:20 »

Preconceito fatal! Gostei.

Abraço
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ana alves
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« Responder #6 em: Abril 04, 2008, 14:28:20 »

A pessoas com quem se vive uma vida e na verdade nada se sabe sobre elas...  :)beijo
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ana alves
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Bom dia. Para todos um FigasAbraço
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Sejam bem vindos às escritas!
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Boa tarde!
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Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
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Boa tarde a todos.
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Olá para todos!
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Olá para todos!
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Bom fim de semana para todos
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Boa noite para todos.
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Boa noite feliz para todos.
Fevereiro 28, 2021, 17:12:44
Bom domingo para todos.
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