22segundos
Visitante
|
|
« em: Abril 12, 2008, 19:33:29 » |
|
Naquela hora violenta, embaciada p'lo Amor. (PARTE I)
I.
Deixei que o coração, o corpo e a alma descaissem derrotados, desamparados, capitulantes, enquanto me ocupei despudorada (embora um pouco envergonhada) de te sentir, ressentir, pressentir, beber, lamber, degustar e engolir, em pensamentos proibidos. Sabia p’lo fervilhar do sangue que serpenteavas ao meu lado (sempre ao meu lado e no entanto tão longe), absorto nos pensamentos, imerso nas rotinas, concentrado nos deveres. E o coração chorou baixinho em súplica, desespero e excessiva (torturada) ternura, reeditando todos os choros amorosamente chorados, declamando a custo a homenagem fúnebre, escrita demorada e sofridamente, a cada uma das minhas lágrimas defuntas, sacrificadas à dor adocicada, ao desespero meloso, ao tormento amornado de te amar (e reamar e triamar) tanto, tanto assim. E o corpo vibrou tristemente, sacudindo as lágrimas, segurando-as habilmente, frustrando-lhes a indolência de pressistirem sem tréguas (com pressão insistente), em querer marejar, a meio-caminho de ensopar, irremediavelmente, a retina. E a alma envergonhou-se comprometida, incapaz e vencida, por querer fundir-se na tua, por querer tomar-te o corpo, morder-te a lÃngua, guardar-te o sexo, consumir-te o corpo. (E mordi os lábios com força desejando aplacar, conter, negar os tormentos da luxúria. Não o consegui. Antes, sonhei em como seria doce que desfalecesses orgasmicamente nos meus braços teus).
A cabeça permitiu-se ser solta, e pendeu pesada sobre o ombro direito. Os olhos fitaram vazios a tua janela, e procuraram encher-se do infinito apaziguador daà antecipado, resituando-se face a esse firmamento potentoso, que sustém em braços o céu eterno – a abóbada carinhosa que é abraço para os meus amores doridos. (Silenciosamente, infantilmente e gratamente, agradeci ao firmamento o trabalho surdo, suado, eternamente inacabado e brutalmente violento, de me acalmar o coração e conter a libido, por manter sustido, orgulhoso e incomedido, um céu a perder de vista, para onde posso sempre fugir).
II.
Viste como a cabeça me descaiu e um impulso carinhoso, impeliu-te para a segurar, para a acolher em mãos apaixonadas, suadas de antecipações frustradas. Mas não, mais uma vez não cedeste à tentação do amor, não seguiste o trilho que os teus ombros indolentes traçaram, ao atirar-se reflexos para mim. Sentiste a vontade do beijo (salivaste até ligeiramente de desejo, ao seguires-me o contorno dos lábios entreabertos); sentiste a vontade do abraço (torturaram-te os músculos e os ombros por contrariares a vontade e por os constrangeres à imobilidade). (Sentiste ainda que me querias nua esmagada p'lo peso do teu corpo, contida debaixo de ti (mas sacudiste o pensamento, julgando-te indigno de marcares um anjo, com as brutalidades do desejo carnal)).
E tremia-me o corpo uivando suplicante para te alcançar e para te sentir a pele (como todas as outras vezes que te tinha só, comigo, em qualquer porto seguro). E tremia-te a boca por quereres tomar a minha, por quereres sorver-me o baton e por desesperares por mordiscar-me o lábio inferior, para que fizesses doer só um pouco, e para que através dessa dor se materializasse a paixão, e os olhos passassem a ver realmente o que apenas inventavam.
E quando me mediste o decote, apeteceu-te ser bruto, insanamente brutal. Quiseste agarrar-me os seios num nanosegundo; os dois, com as duas mãos, e libertá-los da roupa (rasgando-a se necessário fosse). Quiseste trazê-los triunfantes à luz do dia (aquela que escorria p’la tua janela), e quiseste passar à análise intrusiva, realizada com olho clÃnico, do efeito da tua masculinidade e do teu charme, nos meus mamilos pulsantes. Mas não fizeste nada, guardaste as mãos nos bolsos, camuflaste a erecção que temeste fosse já notória, e circulaste de novo pela sala, procurando retomar a calma, procurando absteres-te de mim.
III.
E decorreu mais uma hora de conversa de circunstância, até que me virei bruscamente, impensadamente, e choquei no teu corpo (julguei sentir-te o sexo – cheirei-te decerto a pele). Levantei os olhos e balbuciei um perdão enovelado, meio engolido e nada escorreito. Perguntaste “o quê?â€, e seguraste-me o braço fortemente, pois p’lo choque (nem o tinha apercebido, perdida que estava nos teus olhos) ameaçava que a falta de equilÃbrio me levasse ao chão.
E juro, juro que nos teus olhos vi o verde-azulado do mar e segui as vagas de todos os oceanos da terra; e juro, juro que nos teus olhos vi um céu absurdamente estrelado, e estrelas cadentes, tantas, desamparando-se perdidas em quedas multi-direccionais; e juro, juro que vi querubins e serafins tocando harpa e flauta de pã, entoando as mais belas árias, dispondo as mais belas palavras, por te cantarem a beleza.
Já tu, olhaste-me e viste um anjo e o que me rodeava deixou de existir. As paredes fizeram-se céu, as nuvens navegantes transportaram-me as madeixas no sentido que o vento ditou, e mediste-me as asas repetindo para ti em triunfo: “Sabia que eras um anjo, finalmente te contemplo alada!â€.
E o mar infinito engoliu-me as asas, e as estrelas cadentes aterraram-me as nuvens e os teus querubins artistas entrançaram-me o cabelo. Levaste-me a mão ao rosto, cuidadoso, tremente e ansioso e juntaste os teus lábios aos meus.
Juro, juro que morri afogando-me no teu mar. Jurarias que voaste abraçando-me, sustentado p’las minhas asas, até uma via láctea nunca trilhada, até a uma casa celeste só nossa.
(CONTINUA)
22segundos.
|