Antonio
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« em: Setembro 27, 2007, 18:05:33 » |
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O meu velho amigo Quim, colega do liceu e dos bancos da universidade, gajo porreiro, compincha brincalhão, de refinado senso de humor, inteligente e mulherengo, namorava há uns dois ou três anos a Matilde, miúda catita, sensata e com um coração do tamanho do mundo. Mas, naquele tempo, a virgindade no casamento era uma questão muito séria para as meninas e o Quim tinha de ir a outras paragens para dar plena satisfação à sua sexualidade, que era coisa que andava sempre a fervilhar naquele corpo jovem e saudável. Acompanhei-o várias vezes nas suas aventuras de D. Juan ou, mais prosaicamente, de papador e pagador de mulheres. Pois o Quim resolveu casar-se. A Matilde era realmente a mulher da sua vida (pelo menos a favorita). Mas as hormonas não o deixavam descansar. Faziam-lhe um tal nervoso miudinho que não dava para aguentar. E que se lixasse a fidelidade. Umas quatro ou cinco semanas antes da boda, e depois de uns momentos bem passados com uma meretriz supostamente asseada, o rapaz começou a sentir uma impressãozita no órgão. Imaginou que fossem uns gonococos a fazer das suas. Mas os sintomas habituais da blenorragia não apareciam. Nem a ardência na micção, nem o prurido. E continuou a esperar pela revelação da infecção para aplicar a dose adequada do antibiótico que, em dois ou três dias, o deixaria são como um pêro. Mas a coisa nem andava nem desandava. A data do casamento aproximava-se e o pobre do Quim já imaginava a terrÃvel situação de, na noite de núpcias, ter de dizer à Matilde que não podia ser nada...mas tinha apanhado uma coisita ligeira numa dessas retretes públicas onde vai todo o tipo de gente e era melhor não arriscar. Enfim...a coisa estava a ficar negra. O mancebo andava em polvorosa. Tinha de fazer alguma coisa. E fez! Foi à s Páginas Amarelas, procurou um médico urologista, e conseguiu uma consulta para a tarde seguinte. Coitado! Nos últimos dias nem parecia o mesmo. - Maldita puta! – bradava. Mas aproximava-se a solução. O médico, ainda por cima um especialista, não deixaria de resolver o seu problema. Chegada a hora da consulta, e após uma rápida espera de dez minutos, foi chamado. - Dá-me licença, Sr. Doutor? - Faça favor! – disse o clÃnico – Boa tarde! Queira sentar-se. Cumpridas as formalidades habituais de uma primeira consulta, perguntou o médico: - Então o que o trás por cá, Sr. Engenheiro? - Há uns quinze dias atrás – começou o Quim – tive relações com uma prostituta e...e continuou a descrever tudo o que podia com o maior rigor, para que o médico tivesse toda a informação e assim fizesse um diagnóstico correcto. - Queira desapertar as calças e deitar-se aÃ, Sr. Engenheiro – disse o doutor. Já deitado, continuou o Quim: - Há uma coisa muito importante que eu quero dizer ao Sr. Doutor. Daqui a quinze dias vou casar e... - Não diga mais! – interrompeu o médico – Já sei qual o seu mal. O Quim fez a maior cara de parvo que é possÃvel imaginar-se. - O senhor tem um esquentamento de consciência – rematou o urologista. O jovem estava meio aturdido. Teria ouvido bem? - Sabe?! É uma situação muito mais habitual do que as pessoas pensam. Sobretudo com homens casados que fazem um extra fora do matrimónio. O Quim continuava boquiaberto, mas um sorriso começava a desenhar-se no seu rosto. - Vou examiná-lo – atalhou o especialista. Finalmente, concluiu: - Pode ir descansado para casa. Não tem rigorosamente nada. Vou receitar-lhe umas drageias que são um desinfectante das vias urinárias, mas só tome se quiser. E ao despedir-se, disparou o doutor num evidente tom irónico: - Então que corra tudo bem no seu casamento! Nem por milagre! O Quim nunca mais sentiu impressão nenhuma e acho que nem chegou a tomar uma única drageia. E no dia do casamento (melhor dizendo, na noite), lá cumpriu as suas obrigações com toda a galhardia. Hoje, ainda está casado com a Matilde. Tem dois filhos e um netinho. Mas nunca deixou de dar umas facadinhas no casamento. Aquilo estava-lhe no sangue. Só mais tarde, quando se divulgou o SÃndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA), ele acalmou um pouco. E também por causa da idade, direi eu! Mas, de toda esta história, a coisa mais deliciosa foi a expressão: "Esquentamento de consciência". Só não a usei como tÃtulo desta prosa porque tornaria o desenlace muito óbvio. "Esquentamento de consciência" – adoro a expressão!
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