Maria Gabriela de Sá
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« em: Março 20, 2014, 17:26:09 » |
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O pequeno extra-terrestre era o indicado para levar a efeito uma incursão no mundo dos terráqueos.
Já por lá tinha andado, escondido nuns armários, e penara bastante até conseguir ser aceite pelos humanos, de quem conhecera algumas manias e medos. O último era mais do que isso. Tratava-se de uma fobia a todo e qualquer gás, mesmo que estivesse diluído em bolhinhas, numa pequena garrafa de água. Ele que, em tempos e por causa da sua clandestinidade, até tivera de se esconder numa casa de banho, respirando entretanto os que emergiam da sanita, e nem por isso lhes sucumbira. Por isso, achava tudo aquilo uma enorme epidemia, que estava a deixar enxofrada, não a Terra, mas a cabeça de uns quantos que por lá viviam.
Como tivessem chegado lá acima graves rumores desta doença endémica, ET foi convocado pelas chefias e interrogado sobre os hábitos da gente do andar de baixo. A sua opinião era por demais credível, na medida em que, se surgia de um espírito puro, igual ao de qualquer outra criança, incluindo as do planeta onde passara umas férias forçadas, pouco haveria a temer. Mas, como mais vale prevenir do que remediar, apesar de o garoto ser bastante céptico quanto ao perigo que todos apregoavam acerca dos terríveis gases, na reunião decidiram enviá-lo à Terra, embora disfarçado, absolutamente certos de que o jovem seria incapaz de falsear a verdade vivida no terreno, segundo uns quantos, em vias de uma mortífera contaminação pelos ditos vapores.
Por tudo isso, de repente, o rapazito viu-se transformado num espião, carregando uma mala devidamente artilhada e com uma parafernália de instrumentos, susceptíveis de o fazerem ultrapassar todo e qualquer acidente de percurso.
Mal chegou, escondeu a pequena nave, disfarçada de bicicleta, debaixo de uns arbustos, num sítio chamado Vietname, certo de que aí nenhuma daquelas criaturas em pânico ousaria procurá-la, por muito mal que corresse a expedição e apanhou um avião para o local onde o medo dos químicos atingira proporções alarmantes. Mas, como o seguro morreu de velho, antes de apanhar o voo, escondeu umas quantas máscaras descartáveis, tipo fralda, em todos os lugares do corpo, incluindo os mais íntimos, já que, se o medo provinha dos sulfuretos e afins, os pequenos desdobráveis estariam aí perfeitamente a salvo.
Munido da imparcialidade que lhe conferia o facto de não pertencer nem às hostes dos eventuais candidatos a gaseificados nem às dos possíveis gaseificadores e, tratando-se, além do mais, de um observador, mais do que estrangeiro, supra-planetário, já na terra dos primeiros, mal pós o pé fora da nave, ei-lo a meter o nariz em todas as latas e bidões susceptíveis de armazenarem as temíveis armas químicas.
Contudo, o que logrou cheirar, de imediato, e porque o seu sistema olfactivo estava adaptado a captar os odores propagados no passado, foram os resquícios de um cheiro a urânio, proveniente de um lugar distante, onde uns átomos resolveram cindir-se em pedaços perversos, ao ponto de pouparem a penca, o cérebro e a memória dos que andavam agora com medo da onda gasosa. Little Boy era o nome dessa poeira malévola e um little boy era ele, embora a designação de espião que veio do espaço lhe pudesse, nas circunstâncias, assentar muito melhor.
Depois de beber uma coca-cola, riu-se da contradição e lá se meteu num avião que o haveria de levar aos laboratórios a abarrotar de produtos químicos, segundo ouvira dizer do outro lado, desviados das farmácias e dos hospitais, onde uns pobres diabos morriam por falta deles.
Uma vez chegado, desatou a vasculhar todos os sítios, dos mais acessíveis aos mais recônditos, esperando, no mínimo, encontrar o fantasma de Hitler, já sem bigode, envolto numa nuvem negra capaz de se tornar fatal a qualquer mortal. Mas, nada disso! Hitler estava ainda no inferno, de onde o diabo não o deixara sair, com medo das mezinhas que um qualquer praticante de vodu pudesse lançar ao seu maligno preferido.
Por aí o extraterrestre podia ficar descansado, pois já não viria ao mundo qualquer perigo. E, se ainda se passeavam por lá, no passado, alguns fumos negros, eram os de uns fogareiros a petróleo, o grande gás abundante na região, onde as mulheres faziam compotas de tâmara nuns enormes panelões de cobre.
ET, porém, não era de se deixar iludir pelas primeiras impressões. Quando regressasse ao planeta ÉTERCEU, teria de elaborar um minucioso relatório, a fim de os chefes dos extras decidirem como haviam de tratar a questão. Talvez viessem a optar por uma invasão em massa, dirigindo os seus VOIS (voadores objectos de invasão- escrito, mais ou menos, à moda inglesa...) para a Terra, iniciando-se assim a primeira guerra que não passasse de uma ficção à moda do seu grande amigo Spielberg. Mas isso era um assunto que o transcendia, a ele pobre criança, metida numa gabardina tipo James Bond e carregado com uma mala preta a pesar como chumbo.
De qualquer modo, se lhe fosse permitida a sua humilde opinião, sempre diria que nunca fora dado a guerras e o que ele queria, decisivamente, era ir para casa, como toda a gente estava farta de saber quando o devolveram ao ÉTERCEU, daquela vez em que os pais lhe tinham largado a mão e ele se perdera nesta enxovia de homens desnorteados.
Por outro lado, os ETs nunca aspiraram a serem donos do mundo, nem sequer para passar férias, já que há muito tinham descoberto o SUPERTER, um planeta com uma civilização avançadíssima e onde não precisavam do petróleo para nada. Assim, talvez adoptassem a diplomacia, limitando-se a enviar umas orientações emanadas pelo OCI (Órgão de Controlo Interplanetário), podendo, dessa maneira, alcançar-se algum entendimento sobre a verdadeira natureza do problema.
Por tantas razões, ET tinha de continuar com a sua saga de espionagem, a ver se encontrava as malfadadas botijas de gás e acabava de uma vez por todas com tanto diz que diz.
Então, de cada vez que percorria um local suspeito, lá retirava ele uma máscara, colocava-a na cara, enquanto punha, por momentos, os óculos de sol na cabeça, que lhe davam um solene ar de cientista ambulante, porquanto, para não se cansar muito -a tarefa prometia ser árdua - alugara uma bicicleta, sobre a qual pedalava quilómetros e quilómetros na demanda do Santo Gás.
O que ET conseguia descobrir era um mistério para toda a gente. O rapaz, com medo de meter o pé na argola, permanecia calado que nem um rato. O assunto era um segredo de estado, que só mais tarde veio a ser conhecido, através do diário onde tomava apontamentos, e do minucioso relatório final, no qual as conclusões rezavam assim:
“Na incumbência de averiguar sobre os gases perigosos que prometiam dar cabo da vida aos terráqueos, logrei descortinar o seguinte:
1 - Na verdade, vim a encontrar milhares e milhares de latinhas, em todos os muitos e diversos locais em que entrei. Mas, utilizando, numa operação de despistagem, as bases, os óleos, os sais e as coisas usadas em casos que tais, vim a concluir que não se tratava nada mais, nada menos, do que mata-moscas, mosquitos e varejeiras, além de purificadores de ambiente. 2 - A única substância capaz de causar algum mal-estar é uma a que os terráqueos chamam petróleo e que alguns deles cheiram com tanto gozo como se fosse perfume e que, por ser tão forte, lhes intoxica o cérebro.
Tenho dito! E o Steven que me perdoe, mas eu também não queria regressar a Hollywood, nem que fosse com a minha mãezinha!
ÉTERCEU, 2003-04-10
E.T.”
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