António Casado
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« em: Setembro 09, 2014, 18:30:43 » |
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O POETA DA LUA Romance de António Casado CapÃtulo primeiro – pág 7 - 8
CAPÃTULO PRIMEIRO
Com dez anos tinha resolvido a escola primária. A sede de conhecimento mantinha-se constante tal como as questões que inoportunamente colocava. Algumas eram de resposta pronta e acessÃvel como o caso da Geografia, o uso e costumes de outros povos… Outras calavam as bocas e obrigavam os olhares a cruzarem-se de um medo que não compreendia. O porquê da pobreza incomodava-o. Ouvia falar em surdina da guerra colonial e inquiria-se sobre que falavam. Comentava, sem mesmo saber porquê, que nunca participaria numa guerra. Na escola tudo era bonito e cheio de flores. As colónias que conhecia eram território português e todos, portugueses e nativos, viviam uma imensa harmonia entre sorrisos e amores. Qual guerra?! A única que conhecia era a da literatura aos quadradinhos. Cobóis e Ãndios americanos disputavam pedaços de terra com desvantagem para os segundos que eram sempre sanguinários e cruéis. Comentava algumas vezes aquelas epopeias com os amigos. Nunca entendeu porque queriam os cobóis usurpar pela força a terra aos nativos. Tão pouco chegou a perceber porque o Tio Patinhas era egoÃsta ou porque o Pato Donald nunca tivera oportunidade de enriquecer. Sabia, isso sim, que diante da cadeira da escola onde se sentava todos os dias havia duas fotos enormes. Uma do Américo Tomáz e outra de Oliveira Salazar, à s quais juntaram mais tarde Marcelo Caetano. No centro um enorme crucifixo! Todos muito sisudos e temidos… Era como se uns olhos invisÃveis espiassem todos os movimentos dentro da sala de aula e retirassem liberdade a alunos e professores. Pessoalmente não gostava de os ter diante de si como aranhas, mas a idade não lhe oferecia a oportunidade de decidir. Quando perguntava que faziam aquelas figuras na parede a professora erguia o rosto, fitava o tecto branco com um enorme brasão oval desenhado no centro e respondia: - Estão a cuidar de nós! - Mentira! Quem cuida de mim é a minha mãe. Encolhia os ombros. Nada lhe diziam. Restavam as historietas da Mocidade Portuguesa para onde o queriam atirar. Alegavam que era um miúdo esperto e como tal devia aprender a devoção à Pátria. Consideravam-se os membros desta organização uma elite disposta a morrer pelas fronteiras dando como dignos exemplos do seu sacrifÃcio personagens como Egas Moniz, Nuno Ãlvares Pereira, LuÃs de Camões e, claro, os governantes. Afastados do lema “Pátria ou Morte†usavam o “Pátria ou Nadaâ€! O fundamental era darem continuidade à s ideias conservadoras aprendendo a manter emperrado o desenvolvimento à custa do trabalho escravo e da repressão sobre a maioria do povo que exigia ser livre. Nunca se interessou por aquela organização. A melhor notÃcia que a mãe lhe pôde dar naquele Verão foi a de que ia mandar instalar luz eléctrica em casa. Até aà estudara à luz de um candeeiro de vidro que funcionava a petróleo que a mãe colocava na cozinha. ConcluÃa que se iam ter electricidade também teriam televisão. Deixaria de se reunir com os amigos no fim-de-semana em casa de uma vizinha de rua, a única possuidora daquele mágico aparelho. Viam filmes a troco de cinquenta centavos e assim passavam a tarde. A partir dali poderiam vê-los na sua casa. Séries como “Tarzanâ€, “O Santoâ€, segui-las-iam como um encontro marcado com a aventura. Os olhos saltaram de contentes e só pôde lançar-se ao pescoço dela e beijá-la. As férias de Verão começavam sob a égide de uma boa estrela. No Ciclo Preparatório do Bocage o interesse pela leitura ganhou uma dimensão maior. Foi incentivado pelos professores a participar em diversos trabalhos de grupo incluindo o primeiro jornal editado em 71. O contacto com a poesia apaixonou-o. Rabiscava textos e rimas que guardava na estante do quarto. Entendia aquela forma de expressão como um sol que iluminava a alma. Tentava desbravar as palavras como um geólogo interpreta a estrutura terrestre. Descobria em cada poema um par de asas que o libertavam e alegravam. Fazia parte de um grupo de rapazes considerados os “alunos mais brilhantesâ€. Com eles brincava nos intervalos das aulas e descobriu o xadrez. Alguns companheiros de turma movidos pela inveja denominaram-nos “as meninasâ€. Nem por isso se afastaram. As turmas reuniram-se para impedir a proliferação daquele epitáfio. Para eles o demérito aumentou na proporção da inveja. Em casa o conflito entre os pais tornou-se evidente e preocupante. Assistia ao desenrolar das múltiplas discussões e acusações mútuas que só por mero acaso não terminavam em cenas de pugilato. Apercebeu-se de que na vida do pai existia outra mulher. A ideia angustiante de uma separação ganhou consistência dentro de si. Parecia-lhe que alguém vinha roubar parte do seu mundo. De um momento para o outro viu-se relegado para um plano qualquer onde não se encontrava e do qual não fazia parte. Discutiam o divórcio sem que o enquadrassem na nova realidade que se avizinhava como o papão dos pesadelos infantis. Até aà sempre se sentira apoiado. Com os pais repartira gloriosas vitórias e notáveis sucessos. Via neles um exemplo de concórdia e paz que fotocopiava para o futuro. Entronizava aquela relação como perpétua, algo que jamais se quebraria, cristal muito bem guardado no cofre da sua necessidade de protecção.
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