Maria Gabriela de Sá
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« em: Novembro 23, 2014, 15:08:28 » |
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Conto de Natal – Reencontro entre mãe e filho.
Deus, nos últimos tempos, andava demasiado ocupado com o clima do Planeta Terra para se lembrar dos filhos transviados, que um dia tinham vivido e partido dela com algumas amassadelas. Sobretudo na alma.
Depois de um intervalo de meia hora, na cimeira onde estivera, lá no alto da sala de conferências, a contemplar o ambiente e a ouvir as intenções dos governantes do mundo inteiro, Deus decidiu interessar-se por três ou quatro dos seus filhos que tinham morrido revoltados e se recusavam a fazer a passagem para o outro lado. Precisava, por isso, de colocar no sÃtio o que estava fora dele e dar assim uma pequena arrumadela no astral, onde lhe faltavam algumas pedras.
Era o caso do menino fantasma que, quando lhe apetecia, a qualquer hora do dia ou da noite, desatava a mover os carrinhos a pilhas que lhe aparecessem pela frente, na casa da moça a quem os médicos estavam prestes a dar uma boa notÃcia. Ela não tinha cancro não senhora, e o Samuel, o fantasminha que lhe punha a casa em pantanas iria entrar no túnel de luz dizendo adeus para sempre ao amiguinho, que nunca lhe quis roubar o correio e, muito menos, as prendas do Menino Jesus. O Samuel andava há mais de 80 anos perdido da mãe e era tempo de a encontrar lá no outro lado, para onde ela também já partira e estava farta de o procurar. Deus queria aproveitar a quadra natalÃcia para promover o encontro dos dois com uma prendinha que agradasse ao pequenito. Talvez um carrinho como aquele com que ele gostava de brincar em casa do pequeno Guilherme. O garoto já merecia paz, e a mãe também tinha o direito de saber onde o seu menino tinha andado durante décadas, a maior parte das vezes a assustar os vivos, embora sem querer. Samuel não tinha consciência disso. Era como se estivesse a prolongar indefinidamente o jogo das escondidas que, enquanto foi vivo, jogava com os primos na quinta agora transformada numa bonita urbanização, onde fora encontrar a rapariga a quem apareciam cabelos na varanda com aspecto de bruxedo.
Foi o que Deus fez.
Numa penada, disfarçado de Pai Natal, deu um salto ao Centro Comercial Colombo e comprou um belo presente. Pediu à menina dos embrulhos que usasse papel vermelho e uma bonita fita dourada, com um grande laço a arrematar e, depois de pagar com o Multibanco, dirigiu-se a casa da Lindsey, a quem entregou a prenda. Recomendou-lhe que, na noite de Natal, colocasse o embrulho à lareira, como os meninos de antigamente gostavam, para os abrirem mal acordassem ainda sem lavaram a cara e com as remelas nos olhos. Deus disse à Lindsey que não podia ficar para cumprir essa missão. Tinha ainda de falar com a Dona Iracema, a mãe de Samuel, para ela, logo de manhãzinha, no dia 25 de Dezembro, estar à entrada daquela espiral de Luz avistada recentemente nos céus da Noruega, que outra coisa não era senão a porta para o paraÃso, por onde o pequenito teria de entrar a fim de mostrar à mãe o presente e ir, definitivamente, para outra dimensão. De uma vez por todas, os vivos e os mortos tinham de alcançar a paz, uma paz duradoura e impossÃvel de romper daà para o futuro. Lindsey, nos primeiros instantes, ficou um bocado atarantada, mas logo recuperou a serenidade. Afinal iria ser protagonista do reencontro de mãe e filho, há muito esperado por eles sem nenhum dos dois saber como fazer. Todo aquele turbilhão de coisas esquisitas lá em casa estava prestes a acabar, uma vez que Deus, num intervalo da Cimeira do Clima, decidira fazer alguma coisa por um fantasma perdido e à s vezes barulhento. Sobretudo quando decidia arrastar móveis a toda a hora, assustando pessoas e animais. Até nem o cão e o gato da famÃlia tinham escapado à s investidas de Samuel.
Deus ainda tinha milhares de fantasmas a quem acudir mas, como a meia hora de intervalo da cimeira estava quase a esgotar-se, os outros tinham de esperar a oportunidade de serem resgatados à escuridão.
Até que mãe e filho se encontraram no céu da Noruega.
– Olá, mamã? – Ó Samuel, meu querido filho! Onde andaste tu este tempo todo? – Estive em casa do Guilherme e como não sabia de ti a Lindsey, a mãe dele, tomou conta de mim. Olha o presente que ela me deu – disse, deixando um rasto de papéis vermelhos, coloridos e brilhantes no túnel de luz. – Que lindo, Samuel! É um carro telecomandado! E soprou com força para dentro do túnel até o vento chegar à varanda da Lindsey, de onde varreu os cabelos embruxados em sinal de obrigado por ela ter tomado conta do filho nos últimos tempos.
E assim, mãe e filho, depois de darem um abraço do tamanho do mundo no céu, foram felizes para sempre.
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