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Autor Tópico: O Esfaqueador da Régua  (Lida 65147 vezes)
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #15 em: Outubro 26, 2015, 20:33:26 »

Ai! Mas que febres! Venham daí mais! Estou a adorar!
~

 Kiss
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Dizem de mim que talvez valha a pena conhecer-me.
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outono


« Responder #16 em: Outubro 28, 2015, 19:40:50 »

Pai sofre

O pai de Gaby levantou-se, como era seu hábito, ao nascer do dia, e dirigiu-se à cozinha onde tomava o pequeno almoço. Junto ao fogão de lenha, a sua mulher, preparava ovos mexidos com chouriço, pouco preocupada com essas modernices do colesterol e outros impeditivos do prazer. Olhou para a companheira envolta num roupão e perguntou-lhe:
-Ó Maria queria perguntar-te uma coisa que me anda a tirar o sono: o que achas da nossa Gaby?
-O que acho como? respondeu Maria, sem deixar de mexer os ovos de galinhas da criação.
-Não te parece que ela anda muito estranha? Desde aquele dia em que foi levar M à estação do comboio, que a vejo cada vez mais esquisita. Tenho-a visto triste e mais recentemente até um pouco revoltada.
Maria colocou a frigideira em cima da mesa que estava composta com fruta fresca da época e um saudável pão caseiro. Colocou uma fatia na torradeira, porque o seu estômago não aguentava aquele pitéu tão pesado.
-Eu acho que te preocupas sem razão. O que me parece é que está a chocar uma constipação. Sabes como é esta mocidade, não se agasalha, acham que são invencíveis. Querem é andar com o umbigo à mostra, as pernas ao léu, os decotes generosos…olha se fosse na minha juventude apanhava logo um tabefe nas fuças. Mas hoje os tempos são outros. Fazer o quê?
Mulher, eu sei que ela tem andado constipada. Há dias vi-a atracada a uma garrafa de vinho e até a interpelei: mas filha agora deste em beber…
-Deixa lá homem, antes isso que meter-se na ganza…
O pai de Gaby aproveitou a interrupção para levar à boca mais uma garfada. Rolou os ovos para lhe acentuar o sabor. 
-Mas a Gaby justificou-se com a constipação, pois diz a tradição que o vinho dá cabo da desalmada. Mesmo assim fiquei com a pulga atrás da orelha. Eu nunca percebi a relação que ela tem com o tal M. Não entendo se é namoro ou simples amizade. Se fosse no meu tempo, as coisas tinham que ser claras, ou sim ou sopas…
-E eu que o diga marido…
-Estou mesmo a ficar velho, pois não entendo esta juventude. Já não somos dados nem achados para nada.
-Olha, sabes o que te digo. Não te metas, o que for será. Ela que decida. Na cama que fizer é que se há-de deitar. Ao menos não me há-de acusar das asneiras que fizer. Sim, que se fosse de minha vontade, ela aproximava-se era do Duarte, o filho do nosso compadre  Elisio de S. João da Pesqueira. Um rapaz que conhecemos bem e que anda a tirar o curso de enólogo para ajudar no negócio da família. Vive numa casa que têm em Valongo. Mas segundo diz a comadre Alzira, anda mais virado para a poesia. Em criança, quando íamos juntos de férias para o Sul, já fazia versos à nossa Gaby. Há um de que me recordo:
De ondes vens bela sereia?
É da ilha dos amores?
Tens na pele grãos de areia
E nos olhos mil flores
Têm brilhos radiantes
A cor das algas do mar
E até enfrento gigantes
Para os poder conquistar.
Os ovos mexido foram rematados com duas peras da região.
-Agora, marido, parece que passa muito do seu tempo a declamar poesia pelas tertúlias do Porto. Uma poesia, ao que diz a mãe, muito apreciada. Faz-se acompanhar por gente do meio e por uma moça muito atraente que da área da literatura. Entretanto o curso que espere.
-Deixa-te de fantasias querida Maria. O que me preocupa não é o Duarte e a sua poesia. Que as musas o inspirem. O que me preocupa é a relação com o M. E prevejo algo errado. Tanto aparece como se ausenta. Olha, os ovos estavam  muito bons, como sempre. Estou preparado para mais um dia de trabalho. E tu vê se com a tua sensibilidade feminina, descobres o que se passa.
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"Ama como a estrada começa" (Cesariny)


« Responder #17 em: Outubro 28, 2015, 23:59:42 »

Todas as manhãs, uma manhã nova...    :sleep3:

7 horas. Tocou o despertador na mesinha de cabeceira e M. sentou-se na borda da cama para se espreguiçar como era aliás o seu hábito. Dormira tão mal, mas tão mal, que até parecia que a noite só tinha durado uns 5 minutos. Ligou a aparelhagem, sempre sintonizada em 98.9 fm - Rádio Nova. Estava já o César Nóbrega a desconjuntar-se todo com as piadas desconcertantes do sempre bem humorado Sérgio Sousa. M. bocejava longamente. Desde que chegou ao apeadeiro da Palmilheira não parava de ponderar nos passeios do fim de semana. Ficara com o sentido na Gaby mas também isso teria que ficar para trás ou melhor em banho-maria...  
Enquanto estava a preparar o pequeno almoço, lembrou-se de procurar no telemóvel alguma resposta ao sms que lhe enviou. Havia lá uma mensagem!
«Será dela? Deixa-me lá abrir...» Pensou.
Não. Era da Aidinha lá do escritório. Uma secretária sempre preocupada com o bem-estar de M. Se ele se agasalhou bem lá no Douro, se se alimentou convenientemente, etc.
«Um dia destes convido-a para sair comigo. Jantar de amigos que se entenda. Uma forma de lhe agradecer toda a atenção que me dedica...» - Concluiu M.
« Última modificação: Outubro 30, 2015, 00:16:39 por José Manhente » Registado
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« Responder #18 em: Outubro 29, 2015, 12:52:19 »

O Despertar de uns e de outros (5)



          Não quero de modo algum estar na origem das preocupações dos meus velhos e do saborear matinal dos ovos enfeitados do maldito chouriço. Eu bem lhes digo para comerem coisas mais saudáveis, coisas imunes aos ataques de colesterol e ao cancro que levam tanta gente para o céu, mas não me ligam nenhuma. Além do mais, agora deram em preocupar-se com as minhas constipações e com a minha putativa relação com o M. Vendo-me choca como as galinhas de Março no galinheiro em que se abastecem dos benditos ovos, devem até pensar que estarão na calha para serem avós de uma criança cujo pai nem conhecem, vendo o sonho de me  verem casada com o Duarte a ir para o esgoto. Nada de mais errado, depois de me ter deparado com mais um indeciso, em tudo e em todo o lado! A minha mãe, uma eterna princesa como todas as mulheres, lá por o Duarte gostar de poesia e dedicar-se a dizê-la nos saraus no Palácio dos Condes de Balsemão, ali para os lados da Praça Carlos Alberto, no Porto, deve pensar que só lhe faltará o cavalo para ser o meu príncipe e um marido ideal. Nada de mais errado. O Duarte é um gay assumido na cidade e no mundo, com excepção da aldeia onde nasceu e os pais moram entre o cavalo e o tractor com que se dedicam à cultura da vinha, tal como os meus. Se fosse só pelo   cavalo, ele até o poderia pedir emprestado ao pai, mas o buraco é mais ao fundo... De facto, só me têm saído duques na rifa. Mas não é por isso que, sob o pretexto de uma constipação que felizmente já passou, vou começar a cozer as tripas a vinho tinto comum e tratado! Embora, com a avidez de uma desiludida, na noite em que os micróbios atingiram o seu zénite, eu tivesse bebido um cálice do tratado como sobremesa para esquecer aquela cobra deslizando lenta pelos carris e a levar com ela toda a minha esperança. E se me ouvem a tossir de vez em quando, isso não têm a ver com as febres mas sim com o catarro do tabaco que fumei durante anos às escondidas deles e que ainda não me libertou a garganta, após ter-me arruinado a voz com que um dia sonhei aparecer na rádio e na televisão a cantar as músicas românticas do meu tempo semi-vestida para atrair as atenções dos fãs.
          Isto aqui para nós, às vezes, quando olho o telemóvel e vejo as chamadas e as mensagens do M., a que eu tenho feito vista grossa, apetece-me responder-lhe e pôr os pontos nos is. E agora muito mais, depois de saber das intenções dele em meter a Aidinha ao barulho em jantares de amigos que dêem direito a pequeno-almoço. Mas tenho-me contido, não vá sair-me uma bujarda que, depois de esquecido o “incidente†do último passageiro da linha do Tua, dê cabo da possibilidade de, como duas pessoas civilizadas do século XXI, ao menos ficarmos amigos.
          Por agora, M. Que se limite a acordar com as gargalhadas matinais do César Nóbrega, alimentadas com o humor refinado e cáustico do Sérgio de Sousa,  na Rádio Nova que toma como aperitivo antes da meia-de-leite e do pão-com-manteiga no café onde a Aidinha, provavelmente,  lhe fará uma derretida companhia,  na esperança de ainda um dia poder a vir destapar-lhe  os lençóis.
          Agora vou passar a ferro.
« Última modificação: Novembro 04, 2015, 23:37:57 por Maria Gabriela de Sá » Registado
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"Ama como a estrada começa" (Cesariny)


« Responder #19 em: Outubro 30, 2015, 00:32:53 »

Pôr-do-sol na Foz e estação de São Bento à noite...

Segunda feira já lá ia sem uma única resposta de Gaby. M. andava tão desnorteado que ao final do expediente foi caminhar pelo largo da praia do Molhe. Debruçado na Pérgola contemplava o pôr-do-sol sobre aquele mar agitado de Outubro. Depois começou a rebobinar o filme do Tua de trás para frente e de frente para trás.
«Será que o raio da mulher tem o buço arrebitado?! Rais parta a sorte! Agora que parecia ter finalmente acertado na pessoa certa cometi a infantilidade de abalar para o Porto, como se fosse um adolescente envergonhado e cheio de dúvidas existenciais e acne a  povoar-me a cara toda. Quando tal, o mais certo é que ela pense que sou sempre assim... Carago, titubeei na hora da marcação do "penalty" e mandei a bola para a bancada!»

Após o jantar combinado com Aida, M. levou a secretária a casa e contrariamente ao que deveria ter acontecido, M. controlava como um verdadeiro gentleman as hormonas ou, e será o mesmo que dizer, o animal feroz que a custo mantinha açaimado dentro da braguilha. Despediu-se de Aida com um cordial aperto de mão e arrancou no seu bólide pela marginal fora. Depois, em Massarelos, virou à esquerda no Cais das Pedras e subiu pela Rua da Restauração em direcção à baixa portuense. Estacionou o carro com os 4 piscas ligados mesmo em frente à estação de São Bento e atravessou a rua para consultar os horários da CP.
Algum nevoeiro vindo do rio subia lentamente pela Rua Mouzinho da Silveira. Era uma neblina que se misturava com o fumo que saía do assador de castanhas. M. comprou uma dúzia de boas e quentinhas afuniladas em papel de lista telefónica das Páginas Amarelas. Suspirava ao ver o comboio urbano que saía naquele momento para Caíde...
«Onde andas tu morena que nada me dizes? Que será feito de ti?» e encolhia os ombros naquela retórica inútil. Não seria nenhuma composição ferroviária que dir-lhe-ia o que quer que fosse do paradeiro de Gaby.
Decidiu regressar a casa. Atravessou a rua e avistou o atrelado da Polícia Municipal a proceder ao içamento do veículo para a rampa do reboque. Correu em vão.
- Ó Sr. Agente, o carro é meu! Eu só fui até ali à estação levar a minha tia ao comboio. Ela é velhinha, coitada, e até usa andarilho!
- Ó sr. coundutuor, mas bocê pensa que eu bim da Rechousa?! - atalhou o polícia - estórinhas dessas ouço ieu tuodos os dias carago!
- Desculpe lá Sr. Agente! Eu preciso do carrinho para ir embora para casa...
- Dê-me faichabôr a sua carta de counduçoum e os documentos da biatura! ... E puode ir embora p'ra casa de carro sim sinhuore! ... mas luogo que pague a debida cuontra-ordenaçoum e o rebuoque que bai direitinho pró Silo Alto! - informou em tom sarcástico de agente autoridade.
- Cabrão... - desabafou M. entredentes.
- Perdoum, o que disse?
- Que tem toda a razão! ... foi o que eu disse sr. agente...  Cry

«Gaby, minha morena, hoje só de pensar em ti tive prejuízo.» - cogitou M. ao entrar em casa e à medida em que passava a mão pelo pêlo do Imperador, que entretanto do móvel do Hall lhe saltara para os braços.
« Última modificação: Outubro 30, 2015, 01:30:56 por José Manhente » Registado
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« Responder #20 em: Outubro 31, 2015, 17:30:36 »

Comemoração do dia das bruxas


          Hoje não quero saber das achas lançadas sobre os destroços de uma constipação providencial para eu saber as linhas com que me poderia coser. Sendo o dia das bruxas, telefonei à minha prima, que mora numa aldeia aqui próxima, e vamos as duas festejar o Halloween. Amanhã é domingo, depois de nos ter sido roubado o feriado religioso pelos piolhosos políticos cá do burgo, e assim poderei dormir até mais tarde.
          Fui ao guarda-roupa da minha mãe buscar, depois de lha ter pedido e de ela ma regatear como  a um tapete comprado a um marroquino na feira de Carrazeda, uma saia preta rabona do século passado e com ar sinistro. Vou vesti-la com uma camisola cor-de-laranja, sobre a qual uma túnica preta com buracos maiores do que os da rede de pesca da petinga me dará um ar de bruxa alegre. A vassoura da cozinha, a máscara comprada nos chineses e as meias pretas rendadas completarão a toilette. É assim que pretendo apresentar-me na discoteca de um amigo, que ele decorou com as abóboras colhidas no seu próprio aboboral e que tem vindo a desossar há três dias para a festa e para lá meter a vela “efeito-fantasmaâ€. Tive de jurar à minha mãe não me passear pela rua sem casaco e expondo o corpinho bem-feito de novo aos vírus da gripe e constipações oportunistas. Só depois ela me emprestou a saia. Ao menos por hoje, num dia de comemoração conjunta do Dia Mundial da Poupança e das Bruxas, não quero pensar em M. nem nas suas mais recentes chatices de trânsito. Se ele pensava comover-me levando-me a imaginá-lo com olhos de carneiro mal morto a espiolhar o telemóvel e a lançar no ar suspiros de oportunidades perdidas está muito enganado. Além de que o reboque do carro só pode ter sido castigo, depois da cena do Comboio no Tua e das marcas que deixou em mim. A tia que lhe pague a multa, porque eu já dei para o peditório em que M. era a chave central com que sonhei um dia abrir o coração. Tanto mais que a Aidinha tanto lhe há-de abrir o decote na secretária quando lhe vai levar os papéis a assinar que um dia lhe cairá teimosa na cama como  uma mosca na sopa semi-fria, que uma mosca não é burra, mas sim mosca.
          São horas de ir fazer o jantar.
          A seguir, neste dia 31 de Outubro de 2015, vou ter com a Patrícia e lá iremos as duas comemorar uma festa importada da América para toda a gente ficar a conhecer a importância das abóboras e dos dias disto e daquilo.
          A propósito, quero comparar um calendário das Senhoras de Ermesinde para o próximo ano, 2016 será para mim uma festa permanente.
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« Responder #21 em: Outubro 31, 2015, 18:49:40 »

Isto já "mete" Valongo e calendários de Ermesinde?! A história vai boa! Depois de uns dias sem net, vim logo "cuscar" a crónica mor do EscritArtes. Vamos continuar que eu não vu à festa das bruxas, mas sim ao fado!
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José Manhente
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"Ama como a estrada começa" (Cesariny)


« Responder #22 em: Outubro 31, 2015, 19:39:56 »

«Yo no creo en brujas pero que las hay las hay...»

     Postulou magistralmente Cervantes.
     Não sabendo se os últimos acontecimentos resultavam de simples bruxedo, obra do destino ou de uma maldição bem plantada, o certo era que as coisas para o lado de M. iam mesmo de mal a pior. Multa por estacionamento indevido em cima da paragem de autocarro acrescida do custo de roboque e aparcamento municipal no Silo Auto. Pffff! Decididamente o silêncio de Gaby era esclarecedor. Mas ficasse ela ciente de que Aida não seria a sua escolha. Se ela, Gaby, decidira não o perdoar, ok!, tudo bem, isso era lá com ela, mas daí a escusar-se a responder aos sms ou a não atender as ligações telefónicas que ele amiúde lhe fazia para esclarecê-la das suas honestas intenções era já uma questão de honra! Sim, porque nisto de se ter autoestima não pode valer tudo! E se a inusitada partida naquela noite chuvosa do Tua ainda lhes poderia ensombrar a memória, o mesmo não se pode aferir nas batidas do coração.
     M. sentia que pairava na morena de Ribalonga um não sei quê de orgulho ferido mas, que dianho!, para quê remeter para o peso da consciência uma simples viagem que começou para lá do Peso da Régua? M. pegou no telemóvel e resolveu definitivamente encerrar a sua participação naquele filme. Ligou-lhe. Ela teimou em não atender. «Ai não atendes?! Então, minha menina, isto agora vai mesmo a torpedo!» - Pensou enquanto teclava furiosamente. E enviara a seguinte missiva:
 Â«Boa noite Gaby. Uma vez que não atendes as chamadas nem respondes às mensagens que te deixo, deduzo que estejas de relações cortadas comigo. Eu acho que não te fiz mal algum. Votos de um bom Halloween e até sempre.»  :byecry:
     Escusado será dizer que não é com vinagre que se apanham as moscas, porém, M. já não contava obter dali uma resposta satisfatória. Nessa noite, decidiu lascar um queijo de cabra e Ploc! abriu uma garrafa de vinho regional algarvio... «Hum, nem de propósito! Cabrita! Reserva maduro tinto...mesmo a calhar!» e sorria de olhos gulosos postos no rótulo enquanto na sua cabeça pairavam todas as  malícias possíveis e imagináveis...
« Última modificação: Outubro 31, 2015, 23:36:33 por José Manhente » Registado
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« Responder #23 em: Novembro 01, 2015, 11:52:01 »

Oh! Gaby, apressa-te a responder!
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« Responder #24 em: Novembro 01, 2015, 17:27:22 »

 ( Tréguas à vista)        
          

          â€œCabritaâ€! Um vinho alentejano, porque o “Cabeça de Burro†do Douro já passou à história que deixou a morena de Ribalonga plantada na gare da Estação do Tua com a alma em pedaços. Assim se vê o amor que M. lhe tinha! Tudo no passado, quando eu, em plena Noite das Bruxas e algo amolecida pelas mensagens do " Último Passageiro da Noite armado em Pinga-Amor", tinha decidido consultar uma cartomante entendida nas coisas do futuro e na alma dos candidatos a bons maridos para boas raparigas. Mas, depois de ter marcado a consulta para o dia 2 de Novembro, contrapondo as minhas intenções com as concisas palavras de M., nem valerá a pena saber das dele. E uma sensação de morte trespassa-me de cima a baixo, como se eu fosse a pé em passos lentos para o meu próprio funeral neste Dia de Todos os Santos e véspera do Dia de Finados. Apre que é dias para tudo e mais alguma coisa, menos “O Dia do Amor Sem Tropeções!
          Mas, voltando ao “Cabritaâ€, será que M. se deu ao luxo de abrir uma garrafa de vinho daquela qualidade para se embebedar sozinho ao calor da lareira ou já meteu a Aidinha lá em casa para acordarem os dois aos trinados matinais do canário? Se assim foi, era bem feito que ao rebocarem o carro lhe tivessem feito uma boa amolgadela para ele se lembrar sempre que a Lei do Retorno não deixa ninguém impune e a rir-se. Dá sempre o troco.
          Todavia, como não quero eu própria ficar na história como “a morena irrevogável de Ribalongaâ€, desafio o M. a encontrar-se comigo a meio caminho entre o Porto e o Tua, ali na Régua onde juntos talvez possamos chupar os rebuçados da reconciliação e enterrar definitivamente o machado de guerra que, em boa verdade, eu tenho levantado bem mais do que ele. Se não é com vinagre que se caçam moscas, como ele tão bem referiu, não podendo eu andar permanentemente com um frasco de mel atrás de mim, talvez os rebuçados sejam suficientes...

          Com uma condição: M tem de mudar a Aidinha de serviço e colocar no lugar dela uma rapariga que não seja tão descarada….
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outono


« Responder #25 em: Novembro 01, 2015, 20:05:36 »

Carta anónima

Gaby,

Senti-me na obrigação de te escrever esta carta sem assinatura e sem remetente. Como irás compreender não me posso identificar. Apenas te posso dizer que somos mais ou menos da mesma idade, embora te reconheça uma sabedoria que ainda não tenho. Mas isso não vem ao caso. A razão porque  te escrevo tem a ver com a tua curtição com M. Felicito-te porque tens bom gosto. O gajo é cá um pão! Acredites ou não, o teu namoro com o M pode vir a dar-te chatices. Por isso vou-te contar uma história que ouvi de uma amiga da tia do M.
Segundo ela me disse, o kota do teu pai, era na sua juventude um tipo charmoso e muito pretendido pelo mulherio. E antes de conhecer a tua velha, teve namoradas a dar por um pau e algumas ao mesmo tempo. Desde a Régua até ao Pinhão não havia tipa que não conhecesse. Namoricos sem importâncias. Foi isto que me disse a minha amiga, numa nice. Não estou a inventar, ok? Mas de entre elas houve uma garina com quem ele teve um caso mais sério. Bom, aquilo deu paixão assolapada e sexo livre. Aos nossos olhos não tem nada de mal e até aprecio a ousadia dos kotas, no seu tempo. Mas essa relação não foi prá frente. Durou um verão e terminou quando o teu velho foi fazer tropa para Coimbra. Aí como era da sua natureza envolveu-se com uma gaja lá da terra. No entanto, teve a dignidade de escrever a ex que era irmã da tia de M, a informá-la que o namoro entre eles estava terminado.
A infeliz ficou muito triste e tão desesperada que até queria subir pelas paredes. Valeu-lhe a ajuda de um amigo da infância, que tinha uma grande pancada por ela. Não só a tirou da fossa, como a convidou a juntarem os trapinhos. E assim foi. Quando o teu velho voltou da vida militar, já tinha nascido o pimpolho que agora te tira do sério. Prepara-te para o que te vou dizer e pensa que é para o teu bem. Pelas contas da mãe de M, quanto ao seu nascimento, tanto podia ser filho do marido como do teu pai. Para não pôr mais drama na sua vida viveu com a dúvida e apenas desabafou com a irmã que também a aconselhou a seguir o seu destino.
Descrevo a história como me foi contada e resolvi dar-te conhecimento porque me lembrei da seca da aula de Português no Secundário, quando tive de ler os Maias e vi a tragédia dos manos Carlos da Maia e da Maria Eduarda. Pois só o souberam no fim do romance. E não gostei de os ver passar por esse sofrimento. Até valia mais nunca o terem sabido para poderem ficar sempre numa boa. Se não fosse assim aquilo seria uma sensaboria. Aceito, mas gosto de fins felizes. Compreendo que nos romances tenha que se surpreender o leitor, mas na vida real com pessoas de carne e osso, é do carago. Desculpa-me por ter metido a dúvida, na tua cabeça, quando a procissão ainda está no adro. Mas imagina que entras na igreja de grinalda e flor de laranjeira, dás o nó com o tipo e depois, por portas e travessas ,tens conhecimento do que te contei. Como será?  Pode parecer que quero estragar o sentido desta história. Não, não quero que estragues a tua vida e a tua felicidade. OK?

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« Responder #26 em: Novembro 01, 2015, 20:52:04 »

Olá! o que por aqui vai! Agora há testes de ADN... não seja por isso... Eu prometo fazer e oferecer o ramo de noiva. E a grinalda!
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« Responder #27 em: Novembro 01, 2015, 23:07:50 »

Euforia e desilusão

M chamou-me ao seu gabinete. Fiquei deveras surpreendida. Já tínhamos despachado o expediente e estava a arrumar os meus papéis. Larguei de imediato os dossiês e fui com o coração a todo a vapor ao encontro de M.
-Dá-me licença.
-Sim Aidinha pode entrar.
Controlei-me para não ter um chilique. Respirei fundo e entrei com a ansiedade em níveis elevados. Para mais M chamou-me Aidinha e não menina Aida.
-O que deseja senhor doutor?
Continuo  sem saber se é doutor ou engenheiro, mas alguma coisa deve ser, pois aqui na empresa todo o bicho careta que usa gravata é tratado com dr.
- Deixe lá o senhor doutor, Aidinha. Trate-me apenas por M...
A coisa não estava a correr mal. Tratou-me duas vezes por Aidinha e ainda me pareceu que queria estabelecer alguma intimidade entre nós. Quer isso correspondesse à verdade, ou apenas a um desejo meu, o facto é que fez subir o sangue às faces.
…mandei chamá-la para lhe fazer uma proposta…
-Ai meu Deus. As minhas pernas começam a tremer.
…quero perguntar-lhe se tem disponibilidade para jantar hoje comigo?
Embatuquei. Será que M se estava mesmo a aproximar. Se calhar actua de acordo com princípios cavalheirescos. Apetece-me dizer não para me fazer cara. Tanto tempo à espera de um convite como este e ainda não estou preparada. Começo a engendrar uma resposta adequada e sem cair na vulgaridade. Procuro entabular um discurso que não denuncie a euforia que me percorre o corpo. Também não quero parecer oferecida, como uma rameira ou cadela com cio. Ainda pensei dizer “ foi o melhor convite que recebi em toda a minha vidaâ€, mas contive-me. Se me quiser tem que ser com papel passado.
-Então Aidinha, não me dá esse prazer?
M parece que me leu o pensamento e veio em meu auxílio. Deu-me a deixa que eu precisava. Agarrei-a com as duas mãos.
-O prazer é todo meu, M.
Então vou marcar um jantar no Teatro, ali na Sá da Bandeira.
M foi buscar-me à hora combinada. Estava à espera de um jantar romântico, quiçá à luz das velas. Mas não. Foi uma refeição normal, bem preparada e acompanhada por bom vinho. A conversa começou sobre assuntos de trabalho e acabou com o mesmo assunto. M propôs-me de certo modo uma promoção. Disse-me que o director-geral precisava de uma secretária competente e pediu-lhe que lhe indicasse uma que trabalhasse na empresa. E com muita pena de me perder, indicou-me como a pessoa indicada ao director, paritátá, paritatá. Disse que pensasse no assunto e lhe desse uma resposta.
Depois levou-me a casa e despediu-se com um frio aperto de mão. Foi um dia de sensações contraditórias: da euforia à desilusão. Ou muito me engano ou ali anda mão da gaja de Ribalonga.
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« Responder #28 em: Novembro 02, 2015, 01:15:23 »

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No tempo em que avô do avô de M. era vivo, entre o Alentejo e a Serra Algarvia vivia-se em conflito militar. Após a Convenção de Évora Monte em 1834, que pôs termo à guerra civil entre liberais e absolutistas, D. Miguel I foi exilado e por aquelas partes do sul do Reino de Portugal, teimava a resistência da Guerrilha Miguelista, liderada por um tal de Remexido, brigadeiro de seu posto e comandante do "Exército de Operações do Sul", onde iria a todo custo ressuscitar a causa d'el rey. Após a sua captura em Santa Ana, São Bartolomeu de Messines, foi condenado e fuzilado pelo Conselho de Guerra em Faro no dia 2 de Agosto de 1838. Seguiu-se-lhe nas pisadas o filho, Joaquim da Graça Reis "Remexido", que reoganizou o corpo de guerrilhas, acabando também ele por não resistir a um ferimento em combate, vindo a falecer em dezembro de 1839. Ainda no mesmo mês, foi abatido outro dos mais ativos guerrilheiros miguelistas (o padre José Marçal Espada), na serra do Malhão. No Alentejo, a mesma sorte, mas em diferentes momentos, teriam os irmãos Baioa. E, por fim, em 1840, perto de Mértola, foram aprisionados os últimos líderes (Silvestre Cabrita, Joaquim Camacho e o alferes Ventura), sendo dada por finda a guerrilha do Remexido.
Ora serviu este preâmbulo para referenciar a família Cabrita, do Algarve, no contexto das lutas civis do século XIX (e já agora da apologia de um bom queijo de cabra com um vinho Cabrita! Eis a feliz coincidência!). Situada em Silves, a Quinta da Vinha é hoje uma referência no mercado regional de vinhos, exportando parte da sua produção para o mercado espanhol e sul americano. O seu proprietário e enólogo é José Manuel Cabrita, que empresta o seu apelido ao rótulo comercializado.  



O Armistício da Régua
  
    Com o coração carregado de epitáfios desde a véspera, onde M. jantando com a Aidinha, tivera que abdicar dos seus serviços em favor de alguém mais graduado. Para sua lástima diga-se, porque, em abono da verdade, a secretária era uma profissional exímia no multitasking daquele escritório. A ele caberia nos dias mais próximos organizar a sua própria agenda, e claro, contratar alguém que, com o tempo, fosse merecedor da sua confiança. Chamou provisoriamente Eduardo, o office boy da empresa, para lhe assegurar parte do volumoso expediente. Sozinho seria difícil dar vazão a tantos compromissos.
     Assim, naquela manhã de sábado, desejoso de acabar com toda aquela indefinição, M. internara-se no primeiro vagão que seguia para o Douro. Desarmado e em campo neutro, levava consigo a certeza de dizer a Gaby, olhos nos olhos, que ele era um homem bem resolvido com a vida, que sabia perfeitamente o que deseja para si e para os que lhe estão próximos. E das duas uma: ou a morena de Ribalonga de Ansiães lhe confirmava as suas íntimas suspeitas ou ficaria a chupar uns rebuçaditos da Régua no meio da ponte do rio que vai... mas, óstia!, ele até podia ir embora sem a esmola de um beijo, agora sem lhe dar troco é que não!
     O comboio seguia rente ao Douro, e, de onde em onde, passava invasivo pelos montes, ora esventrados por túneis ora cobertos por mantos espessos de neblina. M. encostara a cara ao vidro da carruagem e apreciava a paisagem, tão diferente daquela outra noite no Tua.      
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« Última modificação: Novembro 02, 2015, 03:04:23 por José Manhente » Registado
Goreti Dias
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« Responder #29 em: Novembro 02, 2015, 09:48:19 »

Sem Aidinha, Ok... Agora de comboio?! Quer-me parecer que os meus ilustres escritores têm negócio com a CP. Arranje-se por aí uma limusine. A morena de Ribalonga merece mais luxo rsrsrsrs
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Bom dia. Para todos um FigasAbraço
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Sejam bem vindos às escritas!
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Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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Boa semana para todos.
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