O Esfaqueador da Régua

[Nação Valente]

Carta aberta

Adorada Gaby,
Eu tenho uma carta escrita para ti, cara laroca, mas não sei para onde a mande. Desde que partiste, inopinadamente, sem dizer cavaco(compreendo) nunca mais soube do teu paradeiro. Sei, como todos os leitores, que estás em Angola e que juntaste os trapinhos com M. Muito pouco para a angústia de uma mãe. Um dia perceberás. Espero.
 
Por cá há grandes novidades. O teu pai, perdoa-me o plebeísmo, deu de frosque, depois da prisão do Navalhas. Sim, foi preso, finalmente, na nossa casa, onde se refugiara, sob a protecção do seu mandante, o meu marido. Estão os dois metidos numa grande alhada. O Navalhas foi ouvido por um juiz de instrução, e negou ter sido contratado para esfaquear o M.O processo está em segredo de justiça, mas sabes como é, há sempre quem tenha acesso. Por portas e travessas lemos o interrogatório.

Tendo-lhe perguntado o juiz porque esfaqueou o M respondeu: não o esfaqueei. Nem deixei de esfaquear. Reformulando, o juiz a pergunta: porque lhe espetou uma faca, respondeu: não lhe espetei a nenhuma faca. Voltando o juiz a insistir: digamos então que o cortou com uma navalha, negou veementemente. Três vezes foi confrontado e três vezes negou. Posto perante as provas periciais, declarou o seguinte depoimento: Eu estava na estação à espera do comboio, e resolvi comer uma bucha; rapei então da naifa para cortar um pouco de broa; foi aí que apareceu o tipo que saiu do comboio a correr desatinado, para uma pita que também vinha a correr na sua direcção como vaca com cio; fez-me lembrar uma cena das fitas dos ”states”, está a ver senhor juiz? Foi aí que o gajo chocou comigo e se enfiou na minha navalha; ainda tentei desviar-me mas vinha mais rápido que um touro bravo e tive que apanhar com ele; nem desculpa me pediu o safado; assim que me livrei da confusão, corri para o comboio que estava a partir; nem tempo tive para matar a fome.

Depois da partida do Zé Ferreira, vim para o Porto com o Francisco o teu segundo pai. A propósito nem te podes queixar pois tens três pais, o de todos nós , o que produziu o espermatozoide e o que te comprava as barbies. Mas voltando ao Navalhas, vou depor e dizer ao juiz o que sei, pois não pode ficar impune. Eu e o Francisco vamos retomar a vida que interrompemos há muitos anos. O Ferreira, com quem vivi quase uma vida, é carta fora do baralho. Se fosse possível, e não fosse essa treta da bigamia, não me importava de ficar com os dois. Afinal são os meus dois amores de salvação.
Adiante, agora o mais importante é que quero saber de ti. Esperamos que dês à costa, com o teu amor de perdição. Não tenham medo. O Navalhas está na gaiola e o teu segundo pai, ou será o primeiro, nunca te fará mal. Foi por ti que se meteu a besta. A Aidinha já não te rouba o príncipe encantado. Está de cama e pucarinho com Silva Eira. Como vocês dizem, aquilo é só love. Aliás ela já tinha descartado o M. Diz-se por aqui, à boca pequena, que o moço ficou impotente, e que nem com aquele produto que um ex-jogador de futebol usa para motor de arranque, lá vai. Acredito que seja boato de gente invejosa. Desejo que vocês me deem muitos netos, (que eu gosto de fedelhos), sem ser preciso inseminação artificial, pois, contrariamente ao que disse, em tempos, o deputado Morgado, o truca truca não é só para fazer filharada, como bem lhe respondeu Natália Correia. E espero que não me deixes ficar mal que eu apesar de ser uma lady na mesa, sou uma louca na cama, como diz uma canção popular.

Desejamos o vosso regresso. O Laboratório farmacêutico precisa de vocês. Eu e o Chico Maria temos outros planos. Olha no dia 12, por exemplo, estaremos, no salão dos bombeiros de Ermesinde, no lançamento do Livro Do Sonho, Da Saudade e da Desilusão, da escritora Goreti Dias. A apresentadora é uma homónima tua, Gaby, isto é, a escritora Gabriela Sá, de quem dizem que vale a pena conhecê-la. E para cereja em cima do bolo iremos ouvir o grande declamador Dionísio Dinis. Acresce que esta sessão tem como objectivo conseguir fundos para os Bombeiros Voluntários de Ermesinde.
Minha amada Gaby, não sei como te hei-de fazer chegar esta carta. Vou publicá-la no Carteiro da Manhã, em versão ligt e expurgada de inconfidências e afirmações mais ousadas. Acredito que seja lido por aí.  Esperamos, ansiosamente, por notícias.
Tua única mãe,
Maria

[Goreti Dias]

Essa é que é essa! Regressem lá das "Angolas" que a gente quer romance! rsrrss

[Maria Gabriela de Sá]

Notícias de Angola

Olá, em breve regressarei com novidades. Depois de um suave descanso, tenho saudades de uma boa paródia policial.

Beijinhos

[Goreti Dias]

Vamos a isso! Estou à espera!

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Lamento pelo resfriado, mas aplaudo o texto.

[Maria Gabriela de Sá]

Quem despoletou o "alongamento" da história, pôs o corpinho de fora... Entretanto, meteram-se algumas coisas com prazo. Mas vamos ver se ainda pegamos no segundo capítulo... risos

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

E vamos lendo que está muito bom...

[Goreti Dias]

Vamos dar uma força a esta gente!

[Alice Santos]

Para light já basta o iogurte!!!
Quero a versão com as inconfidências.
Tenho dito!
 :

[José Manhente]

                                                                 Nove semanas e meia lua depois      


          Ao volante de um automóvel descapotável ao longo da Avenida 4 de Fevereiro, Gaby sentia a leveza dos seus cabelos ao vento enquanto M., de óculos escuros, lhe afagava a nuca. Um belíssimo pôr-do-sol alaranjava as paredes do velho forte de São Miguel enquanto eles se preparavam para atravessar a rodovia rumo à ilha de Luanda. Destino: Restaurante Cais de Quatro na Avenida Murtala Mohammed. Havia romance, quente como quentes eram ali os dias de céu azul... A tarde fora passada no Deana Day Spa, passe a publicidade, entre massagens de bambuterapia com óleos aromáticos e pedras vulcânicas quentes ao longo da coluna dorsal.
         Um jantar à luz de velas e cordas de violino para os corações apaixonados prometiam mais uma noite de desejo e sedução. E o vinho verde português, naturalmente importado, quebrado em gelo de um frappé de pé alto e em inox. Na conversa não havia considerações de um regresso a Portugal. E para quê? Ali eles tinham toda a paz do mundo e o tempo a seu favor.
         O horizonte escurecia e as águas desapareciam agora do alcance visual. Findo o repasto, decidiram caminhar para ajudar a digestão. Pararam mais à frente no Jango Veleiro. Havia música ao vivo, para dançar com a sensualidade das silhuetas... E quando o violão e o djambé se calaram para uma merecida salva de palmas, M. puxou pela cintura de Gaby e beijou-a com ardor. Decidiram regressar a casa. Meteram-se de novo no cabriolet e arrancaram pela marginal, rumo à comuna de Ingombota, onde semanas antes tinham alugado um apartamento duplex, nas Torres Dipanda.
         Amaram-se na varanda daquele sexto andar, com uma vista magnífica da baía e da copa das palmeiras. Se os dias eram longos, quentes e secos, as noites eram suficientemente mornas para não deixar arrefecer o desejo. A ventoinha sempre a trabalhar de um lado para o outro do Lwandu ₁  onde estavam deitados, Kibiona ₂ para aqui, língua e saliva para ali, os corpos já suados sob a luz ténue de uma meia lua no céu de Angola. O amor triunfara finalmente, ainda que algures entre o equador e o trópico de capricórnio...    


₁ - Lwandu <sub>- uma espécie de esteira ou cama para jardim ou terraço.

2</sub> - kibiona _{- palpadela nas nádegas.}

[Goreti Dias]

Regressa em força! Vamos continuar!

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Pausa na leitura.
Acabou o intervalo.

[Nação Valente]

Desesperadamente Procurando Gaby

Francisco Silveira e Maria estão a viver uma lua de mel tardia, instalados num hotel no Largo 17 de Setembro, em Luanda. Passou mais uma noite de sexo total, porque essa do sexo ter idade é um mito suburbano. O calor e a magia da África inebriam o espírito, e o corpo é que sofre as consequências. Desceram para tomar o pequeno-almoço, na esplanada com vista para a baia. Maria, depois de uma vida encafuada nas profundezas das serras do Douro, extasiava-se com a vastidão de águas suaves que tinha à frente dos seus olhos. Em doces remansos, as ondas beijavam suavemente a areia, num namoro que se apagava e reacendia a cada instante, num amplexo sempre renovado. Mas deixemos a linguagem de cariz mais poético , que fica sempre bem e vamos ao que viemos.
F. Silveira mais pragmático aproximou-se com o Carteiro da Manhã e o Disco Solar (ninguém é perfeito) do pequeno grande arquitecto, mas pago com dinheiro angolano, que tinha ido comprar  ao quiosque  As havaianas e a t-shirt  do jacaré davam-lhe um ar quase juvenil. Ou seria milagre do amor renascido, do reencontro com Maria. Podia ser. Também esta, com um vestido que lhe acentuava as formas generosas, mandara às urtigas o ar tristonho e conformado, e parecia ter remoçado de uma velhice precoce. Apenas, e de quando  em vez, se formava ao canto da boca uma ruga de preocupação. Gaby continuava sem dar um ar da sua graça, resistindo às tentativas para a encontrar.
-Então Chico, alguma novidade, perguntou ansiosa.
Francisco folheou displicentemente os jornais e sem dizer palavra, abanou a cabeça. De M e Gaby nem cheiro. Sempre que o detective Tó Zé Salafuma descobria uma pista, logo esta se revelava  falsa. Parecia o jogo do gato e do rato. Os dois pombinhos arrulhavam, e não queriam ser encontrados. Precisamente o contrário do que acontecia com Zé Silva Eira e com a Aidinha, que de S. Tomé onde continuam as férias do matrimónio, mandaram um email a informar que em breve estariam em Luanda.
O garçon na sua alva farda, chegou com um opíparo repasto matinal. Enquanto degustavam as frutas tropicais, o hino da alegria adoptado como toque, no telemóvel do Francisco, retiniu estridente.
-Estou, disse Francisco
(…)
Bom dia inspector…
(…)
Tem a certeza?
(…)
-Mais uma preocupação. Obrigado pela informação. Estarei atento.
-Más notícias, Maria. Parece que volta tudo ao princípio. O inspector Malange acaba de me informar que o Navalhas fugiu da prisão.
-Como assim?
-Estava a ser transportado para o tribunal para prestar declarações, quando o carro celular foi interceptado por falsos agentes da autoridade, com a alegação de que havia uma suspeita de assalto no trajecto, sendo assim necessário fazer um percurso alternativo. O certo é que carro celular e o Navalhas sumiram.
-Estou mesmo assustada Chico. Não conseguimos ter descanso. O M e a nossa Gaby continuam em perigo. Isto se já não estiver mais um membro da família na calha.

[Goreti Dias]

Aí vamos nós de novo!!!!! Um empurrão mais e isto vai!

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Olha eu aqui de novo...