Pedro Ventura
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« em: Dezembro 03, 2015, 21:15:05 » |
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Foi despejado ali após o almoço com o semblante carregado de medo. Só por pejo não deixou escapar umas pingas pelos olhos. Acanhado, apresentou-se: - José Heitor. - Afonso Sarmento Brandão. José Heitor deitou-se no seu canto, meditativo, retraÃdo, e até à hora do jantar não permutaram mais palavra. A tarde passou, lenta, silenciosa. E foi enquanto jantavam que José Heitor ganhou coragem e fez a pergunta da praxe, agora, ao seu companheiro. - É uma longa história… Mas como o tempo não é um impeditivo, posso contar-te. - Sim, se não incomodar!.. – titubeou José Heitor. - Ora essa! – respondeu afavelmente Afonso Sarmento Brandão. – Tudo começou na noite em que acabei o meu curso. Saà com uns amigos para comemorar, beber uns copos... Acabou por ser uma noitada de excessos e quando dei por mim estava dentro de um táxi com uma mulher a caminho de casa. Não era das mulheres mais bonitas que conheci mas fisicamente era bastante apetecÃvel. Muito, mesmo! Faço-me entender? – riu-se. - Sim, sim! – respondeu um nada mais descontraÃdo José Heitor. - Francamente, dessa noite não guardo grandes lembranças. Sei que foi bom apenas. Diverti-me. Mas o pior ainda estava para vir… - Então? - Calma rapaz, estás com medo que o tempo fuja? - Não, não! - Acordei de manhã com ela à varanda a olhar para o jardim. “Bela piscina fofo! Pena o tempo não estar melhor se não ia dar um mergulho!â€, disse-me. Perguntou-me se vivia sozinho e respondi-lhe que sim. Eu estava confuso, com a cabeça ainda a latejar. Um quadro de filme… Lembro-me que a queria fora da minha casa o mais rapidamente possÃvel. Levantei-me, inventei afazeres e fiz com e ela se fosse embora. Quando saiu só me disse: “Vou-te ligar, fofo!â€. O que me irritava aquela expressão!.. No dia seguinte ligou-me, uma, duas, três vezes, mas ignorei todas as chamadas. Pelos vistos já tÃnhamos trocado os contactos… Deixou-me uma mensagem: “Já tenho saudades tuas, fofo! Liga-me!â€. Obviamente que não lhe liguei. Até hoje não sei se ficou mais impressionada comigo se com tudo o que me rodeava. A minha vida continuou e ia começar a trabalhar na semana seguinte. Felizmente, mesmo antes de ter acabado o curso, já tinha um trabalho à minha espera e esse episódio para mim já era passado. Uns dias depois voltou a mandar-me uma mensagem: “Fofo, jantamos um dia destes?â€. Nessa altura já começava a ficar transtornado com as insistências. Parecia não se querer convencer que tinha sido apenas uma noite… Será que não se apercebia do meu desapego? - Pelos vistos não. – diz José Heitor, revelando alguma curiosidade com o final da história. - Houve um dia que estava em casa e que me ligou. Não atendi. Segundos depois manda-me uma mensagem: “Estou aqui à tua porta, fofo!â€. Aà comecei a ficar realmente preocupado. Apaguei as luzes, exasperado. Recebo nova mensagem: “Vi-te a apagar as luzes, fofo! Abre que prometo-te uma noite como nunca tiveste!â€. Já tinham passado duas semanas desde aquela noite e ela continuava a morder-me os calcanhares. Foi assim durante quase três meses. A minha vida estava a tornar-se num verdadeiro inferno. Até à porta do meu trabalho me esperou. Via-a uma vez quando saà de carro pela garagem do escritório. - Uma obsessão das grandes! - A quem o dizes! Ela era o galgo, eu a lebre. Até que um dia, cansado daquela perseguição, forjei um plano. Liguei-lhe e convidei-a para jantar em minha casa. Quando chegou abri-lhe a porta de Martini em riste. Antes, já eu tinha despejado meia garrafa de whisky. Esmerara-se nas vestes incitadoras e parecia radiante. Eu fingi estar. Confiante de que iria ter uma noite memorável, bebeu o Martini em poucos tragos. Passados dez minutos estava inconsciente no sofá. Depois levei o plano avante… Nesta parte não vou entrar em grandes pormenores. Como ela já devia ter falado de mim à s amigas acabaram por chegar facilmente a mim e aos pedaços do seu corpo enterrados no meu jardim. Numa das suas coxas escrevi: “Dorme bem, fofaâ€. E foi assim, com este acto tresloucado e hediondo, que desperdicei a minha vida. Por causa daquela mulher apanhei pena máxima. Há nove anos que aqui estou… Aturdido pela história que acabara de ouvir, José Heitor levantou-se da sua tarimba e foi até à pequena janela gradeada. Vislumbrava-se a lua muito cheia, luzidia, um farol no céu. Ficou ali algum tempo, absorto. - E tu, porque vieste aqui parar, José? Sem se virar, respondeu: - Desesperado com as dificuldades que a minha famÃlia estava a passar, assaltei uma mercearia que quase nada rendeu… A juÃza nem sequer valorizou o facto de a arma que usei ser uma réplica tosca. Apanhei três anos. - José?! - Sim? - Aproveita… - O quê? - A lua. Será a única coisa bonita que vais conseguir ver por essa janela. Para José Heitor, iria ser a noite mais longa da sua vida.
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