https://ruadaconstituicao.wordpress.com/2017/04/05/poesia-na-despedida/Poesia na despedida
Por Alice Santos
Caros leitores que tão carinhosamente lêem este espaço, depois de uma ausência forçada, devida a factores de ordem vária (e sobre os quais não vos quero maçar), resta-me apelar à vossa compreensão. Contudo, e por achar que merecem mais do que vos tenho conseguido oferecer ultimamente, vou dar por terminada a minha participação neste blogue [1].
Tenho de agradecer o convite que o seu editor-chefe, Gustavo Martins-Coelho [2], tão amavelmente me endereçou. À Isabel Costa, editora desta coluna [3] e de Versos singulares [4] agradeço todo o trabalho que teve para as tornar possÃveis.
Serei eternamente grata pela amabilidade, pela disponibilidade e, sobretudo, pela paciência com que lidaram com os atrasos que, não raras vezes, houve da minha parte.
Esta tem sido uma excelente forma de divulgar a poesia, tanto de autores consagrados, como dos que, apesar de obra publicada, ainda não conseguiram chegar ao grande público — caso de Goreti Dias [5] e de Lourdes dos Anjos [6], por exemplo.
Como me despedir de vós, leitores assÃduos? Tentei encontrar uma forma bonita, com frases belas, daquelas que ficam guardadas na memória por serem isso mesmo — belas! Não consegui chegar a uma que resumisse o que queria dizer. Ir a uma rede social e procurar bonitas palavras associadas a ainda mais belas imagens teria sido fácil, mas quem dedica parte do seu tempo a ler esta coluna merece que nada do que aqui escrevo seja cópia do muito que por aà prolifera e que é copiado vezes sem conta e, quase sempre, sem menção dos autores.
Assim, opto por vos deixar a despedida de várias formas e pela pena de escritores que — esses, sim! — conseguiram passar para o papel o que o coração e/ou o cérebro lhes ditaram.
Para William Shakespeare, «Toda despedida é dor…»; já para Rita Lee, não deveria ser dolorosa e questiona: «Pra quê / Sofrer com despedida? / Se quem parte não leva, / Nem o sol, nem as trevas / E quem fica não se esquece».
Fernando Pessoa deixou-nos um pequeno poema, bem diferente dos que vos referi anteriormente, mas onde está implÃcita uma despedida. Vejamos:
Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
No poema «Canção de Outono», de CecÃlia Meireles, a despedida é, na minha óptica, triste, um lamento, onde podemos ler:
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
E continua:
Choro pelo que não fiz.
(…)
Perdoa-me, folha seca!
(…)
Deixo-te a minha saudade
– a melhor parte de mim.
Em «Poema da Despedida», Mia Couto diz:
Não saberei nunca
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser…
Na verdade, muito fica por dizer e
Agora
não resta de mim
o que seja meu
(…)
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.
Também eu teimarei em continuar a escrever, embora saiba que jamais serei capaz de produzir algo tão belo como o dos poetas mencionados nesta coluna, ao longo do tempo que aqui permaneci.
Termino com um bem-haja a todos, deixando um «até logo», pois é «mais doce» como diz em «A Despedida» António Correia de Oliveira (30.07.1879-20.12.1960), in Antologia Poética:
Três modos de despedida
Tem o meu bem para mim:
– «Até logo»; «até à vista»:
Ou «adeus» – É sempre assim.
«Adeus», é lindo, mas triste;
«Adeus» … A Deus entregamos
Nossos destinos: partimos,
Mal sabendo se voltamos.
«Até logo», é já mais doce;
Tem distancia e ausência, é certo;
Mas não é nem ano e dia,
Nem tão-pouco algum deserto.
Vale mais «até à vista»,
Do que «até logo» ou «adeus»;
«À vista», lembra, voltando,
Meus olhos fitos nos teus.
Três modos de despedida
Tem, assim, o meu Amor;
Antes não tivesse tantos!
Nem um só… Fora melhor.