CEROLIX!

[Figas de Saint Pierre de]

CEROLIX!
-"Senta-te, ali, naqueles sofás e espera por mim.
Demoro pouco"

Ele dava lentos passos, sonoros,
com a bengala sobre o pavimento,
dirigindo-se àquele conjunto de sofás,
dispostos em u, onde restava vaga, junto dum sénior,
aparentemente solitário.

-“Sabe bem descansar um pouco”,
ouviu, dum sentado,
depois de, lentamente, ter assentado as partes baixas!

-Sim. Disse o recém sentado, pensando que tinha de dar corda ao sócio do sofá!
-“A mim, que vou fazer setenta três, em Janeiro,
também me sabe bem. Toca a todos.
Eu venho aqui, muitas vezes. Passeio um pouco ,
depois sento-me.
Antes, eu andava mais,
mas apareceu-me o raio do ácido úrico!
Começou-me a atacar este cotovelo e quase que nem conseguia erguer o braço para comer. O que me vale é “Cerolix”
- A dor desce-lhe até aos polegares dos pés? perguntei
-“Sim. É uma dor terrível O que me vale é o “Cerolix”
-Toca a todos ter o que não se quer, respondi,como conforto,
-“Sim, toca a todos, mas eu só queria ter saúde! Só saúde.
-“Eu sou viúvo. A minha mulher já se foi!
Agora, tenho aquela companheira” disse,
deixando entender que era uma senhora, ali, defronte,
sentada, noutro sofá, com outra conversando!
-“Sempre faz jeito a um homem, para lhe calçar as meias”
-“ Pois. Oh, se faz! É muito boa pessoa! É a minha muleta.
Vai sempre comigo ao hospital, às consultas. É o que me vale
Lá, a gente vê cá cada uma! Estes dias, vi uma mulher,
que estava toda negrinha, negrinha! Só queria morrer.
Era do fígado. Já não tinha esperanças.

-“Pois, mas olhe que há sempre quem esteja pior que nós!
Nós estamos aqui, sentados, mas outros já nos caixões,
deitados, com guia de marcha”
-“Eu, como lhe disse, queria chegar a Janeiro e fazer os setenta e três, com a ajuda do “Cerolix e depois (…)”
-Veja lá se faz mais quatro, para chegar aos meus setenta e sete, disse-lhe
-“Vamos embora” disse a senhora defronte, levantando-se do sofá.
Anda, que ainda tens de tomar o “Cerolix”
-“Prazer em conhecê-lo”

Coincidentemente, o parceiro do diálogo viu chegar a sua cara metade, ouvindo :
-“Vamos indo. Já vi tudo o que queria”
Levantou-se, pegou em sua bengala, recusando dar o estatuto de muleta à esposa, enquanto relatava a conversa havida, sobre o ácido úrico e o “Celorix”
-“ Não é Cerolix”, é “Zyloric”.
Andas ouvir mal! Precisas dum aparelho”

Meti um dedo mindinho num ouvido, a tentar tirar o filtro da cera, repetindo: Zyloric, Zyloric, indagando-me sobre o preço dum aparelho auditivo!

…xx…
Autor: Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque