Figas de Saint Pierre de
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« em: Outubro 31, 2018, 09:08:29 » |
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CERTIFICADO DE BOM Aà pelos anos cinquenta, reinava o espanto dos torna viagem, os ricos de terras de Vera Cruz, regressados ao torrão do seu mar salgado, feito com lágrimas de Portugal. Era uma maravilha, ouvi-lo contar suas histórias brasucas, naquele ambiente de tasca, com canecas de litro, do tinto; espumante americano, premiando vencedores de partidas de cartas, da sueca ou da à bisca, entre outros. Sim, tinha-lhe corrido bem a vida. Tinha sido dos que tinha abanado as árvores das patacas. Tudo vinha ao de cima, desde que embarcado; peripécias a bordo, dos negócios, do olho aberto, que teve para singrar, sim, porque ter olho aberto é sempre necessário, porque às árvores de patacas também chega o Outono, ficando as árvores depenadas das ditas.
Nele transparecia algum dó por quem, como ele, tinha ido à procura do El Dorado, porém, nem viram pó do desejado. Dizia que se houvesse uma ponte do Brasil a Portugal, muitos viriam a pé, desiludidos com o café ou com a borracha, que não teve elasticidade suficiente para lhes encher as malas de torna viagem.
Era figura, admirada pelos amigos, que lhes bastavam ouvir suas histórias de habilidades, para se sentirem a grandiosidade da esperteza portuguesa, neste caso a de ter vendido muito ouro, que por ouro passava mas tudo ouro não era, não fosse ele um ourives, verdadeiramente um ourives; um artista ilusionista! Ora, se um homem consegue fazer passar uma pedra por ouro, por que razão haveria de empregar mesmo ouro, a sério?! Seria um desperdÃcio! Todavia, ouro falso ou verdadeiro que seja, não garante a eternidade.
Certo é que, um dia, esticou o pernil, anunciado por todo o lugar, porta a porta, e que depois de certificado, como ainda era tradição, para quem tinha posses, chamaram três carpideiras, que junto ao caixão, na sala de estar do brasileiro retornado, choravam, a bom chorar, a bondade daquele bom coração, perante todos prantado. Chegava bem longe, o brado das desgostosas carpideiras, pagas para verterem lágrimas, capazes de fazerem ressuscitar um morto, só para as ver caladas. Além das carpideiras, vindos dum orfanato do Porto, desembarcaram do elétrico, no Largo do Souto, um grupo de vinte meninos órfãos; desamparados, calcorreando os quase dois quilómetros até ao encontro do estendido ao comprido. Depois, hoje já não é assim, carreta pelo meio da estrada, devagar, devagarinho, qualquer raro automóvel que passasse, (era um tempo do lá vem um!) tinha que esperar, respeitosamente, a ver passar a matéria sobrante duma alma partida.
Ao descer, numa tarde cinzenta, com os travões a chiarem, para evitar o despiste da carreta, conduzida por um gato pingado encartado! Os meninos órfãos, quais caloiros universitários, com sua capa, encimada por um crânio rapado, formava alas laterais, e lá iam, a passo de caracol, gastando-se uma hora até à chegada da última morada. Já não há funerais assim!
Era bonito. Impressionante! Muitos se interrogavam se não seria de arriscar ir até ao Brasil, para no regresso, na sua terra, terem um funeral assim. E em vez de três, seis carpideiras, em vez de vinte, cinquenta meninos órfãos. Todavia, que tem cu tem medo. Neles ecoava o receio de virem a pé pela ponte, a que o defunto, por diversas vezes, tinha aludido. O pior que tudo era que até nem havia ponte! Talvez por isso, é que ainda há portugueses em Portugal. Quem tem cú tem medo, e nem todos fazem passar calhaus por ouro. Os que conseguem, tem muitas carpideiras e meninos desamparados, prontos a passarem atestados de boas pessoas. Olha a admiração!
Também há universidades que passam canudos a quem doutores não são e nem precisam de ir para o Brasil!----xxx--- Assina o cronista. Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque
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