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Autor Tópico: A Gata dos Telhados LVIII  (Lida 53696 vezes)
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Goreti Dias
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« Responder #45 em: Outubro 05, 2020, 15:09:26 »

Pois pode continuar. A gente agradece.
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Goretidias

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outono


« Responder #46 em: Outubro 09, 2020, 20:35:52 »

XXIV
-Fala Laura de Castro. Podem vir amanhã às dez horas, ao meu escritório, para continuarmos a nossa conversa?
-Está bem doutora. Lá estaremos, disse JCorreia depois de olhar para Rosalinda.


JCorreia começou a levantar a mesa.
-A louça está por minha conta – disse JCorreia – procurando afastar Rosalinda dessa tarefa. Tu já fizeste a comida. Trabalho colectivo, sem tabus. Pode não parecer mas sou um tipo “pra frentexâ€. Não deixo de ser um filho do Maio de 1968. Na altura, era militar e estava na guerra colonial na Guné, mas consegui  seguir os acontecimentos. Tive as minha fontes. Quando todos dormiam sintonizava discretamente a rádio Argel, de onde a oposição ao regime, nos punha em contacto com a realidade escondida. A utopia de 1968 não mudou a essência do poder, mas renovou as mentalidades.

O som da água a bater no vidro das janelas anunciou a chegada da chuva. Enquanto  Joaquim arrumava a cozinha, Rosalinda foi até à janela apreciar a primeira chuva de outono. Gostava do cheiro a terra molhada. Transeuntes  desprevenidos  caminhavam apressados. Um gato procurava abrigo. Lembrou-se da Judite.  Por onde andaria? Não a tinha visto durante o jantar. Perguntou:
-Joaquim , viste a hoje a gata?
-Não – respondeu Joaquim – parecendo pouco interessado na situação. Só faz o que lhe apetece, Também deve ter o espírito do Maio de sessenta e oito. Pode ser que a chuva  a faça regressar, se é que não se embeiçou por algum gato.

-Quem sabe? Apesar da meu casamento, não ter sido um mar de rosas, considero-me uma romântica, acentuou Rosalinda. Na juventude gostava de ler as novelas das revistas e as radionovelas. Derramei muitas lágrimas na “Simplesmente Mariaâ€. Mais tarde perdia-me por telenovelas. Era uma compensação à merda de vida que tinha…e, sem ser grande leitora de livros, também li o “Amor de Perdição†de Camilo Castelo Branco. E que amor tão bonito, o que ele viveu, com Ana Plácido. Foi do que me lembrei quando me falaste do amor contrariado dos teus avós, que não conheci, mas que são meus tios.

Joaquim, dirigiu-se à estante e pegou numa fotografia, amarelecida pelo tempo, mostrando-a a Rosalinda.
-O que vês nessa foto?
-Parece-me ser um casamento, de há muito tempo – respondeu Rosalinda, não escondendo a curiosidade.
-Tal e qual, Rosalinda. Foi há mais de oitenta anos, o casamento dos meus avós. Casamento contrariado pela família da avó, Luísa, por desentendimentos, relacionados com a questão das “terras da Ordemâ€. Estas terras situadas na zona da Ribeira de Mouros, tinham pertencido à Ordem de Cristo até à revolução liberal de 1820, passando depois para a posse do Estado. Mais tarde, teriam sido vendidas a um particular, que nunca apresentou documentos da compra. Na segunda metade do século XX o povo quis ocupar essas terras abandonadas., mas esbarrou com a oposição do dito proprietário. Dividiu-se a população em dois grupos: o designado como “gatos brancos†e os que tomaram o partido do “dono†das terras, que se chamavam “gatos pretosâ€. Foi um guerra de gatos que durou muitos anos. Em criança ainda assisti a esses confrontos, e até fui arregimentado com outros moços para contestar os “gatos pretosâ€. Saímos da escola em formatura, gritando uma lengalenga:

      Gatos brancos, gatos brancos, ponham as unhas de fora
      Corram com os gatos pretos , a ocupar terras agora
      Gatos pretos de má pelo, venderam por um pataco
      A vossa alma ao demo
      Fora, fora, fora , fora….

Foi uma querela que se arrastou até aos anos sessenta, quando a agricultura de subsistência perdeu fôlego para a emigração. Foi resolvida depois do 25 de Abril, quando quase não havia agricultores.
O avô teve de “fugir†com a avó durante a noite. Depois de voltar da guerra fez parte da GNR, e foi colocado em Almada. Combinou com a avó, por carta, que ia ter uns dias de licença, e que iria buscá-la. Assim fez. Os pais dela deram pela sua saída, mas não mexeram uma palha. Na época isso era normal. O pai apenas comentou: - “a nossa Maria     vai com um…e no caminho para a vilaâ€. “Deixa lá homem. Se vai para a vila, sempre sai desta meséria, e não casa com esse estupor dos “Correiaâ€. Nunca lhes passou pela cabeça que fosse com o avô Baltazar. Quando souberam juraram acabar com essa má raça. Porém o mais grave que aconteceu foi trocarem uns sopapos na venda do Chico. O casamento, da foto, foi um anos depois, já o meu pai tinha nascido.
 
Às dez horas do dia seguinte, JCorreia e Rosalinda chegaram ao edifício, situado na Avenida da República, onde se situava o escritório da drª Laura Castro. Era um prédio nascido da arquitectura, sem personalidade, do fim do século XX, com uma fachada envidraçada, que destoava dos seus vizinhos e da sua sobriedade. Subiram até ao sexto andar , e tocaram à campainha. Uma senhora que JCorreia calculou que poderia ter aproximadamente a sua idade, de aspecto elegante, conduzi-os até a um gabinete onde se encontrava a advogada,  que os recebeu com um sorriso.

-Sejam bem-vindos – disse com alguma familiaridade. – Sentem-se e estejam à vontade. Aproveito por vos apresentar, a minha cliente,  que se não importarem, participará nesta reunião. A sua presença é muito importante.
JCorreia olhou, de novo, para a senhora, com ar distinto. Reparou nos olhos, algo tristes, que denotavam um passado com algumas agruras. Mas a forma como se deslocava lembrava-lhe um felino.
-Muito gosto senhora, sou o detective JCorreia, e a minha acompanhante, é a Rosalinda, secretária e amiga.
-Muito bem – interrompeu – a advogada. Podem sentar-se nas cadeiras junto à secretária. Então decidiram aceitar os meus serviços para defender o senhor Damião?
-Sim – disse JCorreia – mas deixe-me dizer-lhe, porque não sou de arcas encoiradas, que primeiro tirei umas informações, sobre a doutora. Não me leve a mal, cautela e caldos de galinha…dizia a minha avó…
-Não há problema, detective. Faz o seu papel. Antes de mais, vou dar a palavra  Ã  minha cliente, para lhe explicar porque se interessou pelo Damião, e o que mais pretende dos vossos serviços.

-A dama com ar distinto, sentada num sofá, olhou JCorreia com tal intensidade que este teve de desviar o olhar. Com uma  voz calma e pausada, falou:
-Obrigado por ter aceite os serviços da  Drª Laura. Trabalha para mim desde que exerce advocacia, e garanto a sua competência. Sou uma empresária da área da moda, negócio que desenvolvi após a morte do meu marido. O interesse pela defesa do Damião, não tem a ver com o presente mas com o passado. Quando era jovem, passei um mau bocado. Andei perdida por caminhos sem destino. Estava a ver o horizonte, mas quanto mais me aproximava, mais ele se afastava.

Fez uma pausa, para a abafar a emoção que lhe embargava a voz. Respirou fundo e continuou.

-Tive de vender o corpo para sobreviver. Houve um tempo que era a única valia que tinha para rentabilizar. Mulher de vida fácil, está a entender, detective. Mulher de vida fácil, diz o senso comum. Mulher de vida muito difícil, digo eu. Mas antes de chegar aí comecei pelas “drogas†primeiro leves, depois mais pesadas. Ultrapassei e fiz o luto. Mas há feridas que nunca foram saradas. Conheci o meio da prostituição e fiz amizade com algumas prostitutas.

Nova pausa. JCorreia pareceu-lhe ver uma lágrima furtiva, que teimava em segurar. Rosalinda, mais coração de manteiga, estava muito emocionada.

Lembra-se detective- continuou- do assassínio de prostitutas nos anos oitenta. Uma delas era minha amiga íntima. Ajudou-me muito quando entrei naquele meio. Crimes que ficaram impunes. Sei que o detective, esteve nessa investigação, e fez o melhor que lhe foi possível, e por isso falo de um processo que não lhe é estranho.
-Lembro-me, - respondeu JCorreia – e ainda tenho pesadelos. Mas não percebo o que isso tem a ver com a prisão do Damião? O processo que refere está encerrado.

-Damião é pelo que parece, um pequeno traficante, “arraia-miúda†– disse a distinta senhora. – Damião, enquanto tal, não me interessa. Defendo-o para ver se conseguimos chegar mais além. É a contrapartida. Nesta vida, detective JCorreia, não há almoços grátis. Se alguma coisa aprendi no meu percurso, foi isso. Diz que o processo está encerrado. Para mim não está nem nunca esteve. Nunca é tarde para fazer justiça. Pela minha amiga, e pela filha menor que deixou. As duas coisas podem não estar relacionadas. Mas a droga deu cabo da vida de muita gente, e continua a dar. Se puder dar o meu contributo nessa luta, sentir-me-ei, mais leve.
JCorreia, procurou ordenar as ideias. Começou a ligar algumas pontas dispersas. Respondeu à senhora, cujos olhos o perturbavam:
-Como sabe, senhora, exerço investigação privada. Já não faço parte da PJ. Não disponho de meios, nem de legitimidade para investigar o que deseja.

-Caro JCorreia –disse a dama dos olhos penetrantes, procurando estabelecer alguma proximidade – do Damião se encarregará a drª Laura. Pode tirá-lo da prisão, se ele colaborar. Sobre o outro assunto compreendo o que diz, e sei que não pode fazer investigação oficial. Eu também investigo e tenho algumas pistas. Preciso da sua colaboração, como óptimo investigador. Apenas terá de seguir as minhas informações. É um duplo desafio: recebe os seus honorários, em exclusivo, e presta serviço a uma causa justa.
-Preciso de reflectir, senhora…ainda não sei o seu nome…
-Sabe, sabe- respondeu – Trate-me por Gata dos Telhados, ou se preferir por Aida Macedo.

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« Última modificação: Novembro 12, 2020, 16:14:39 por Nação Valente » Registado
Goreti Dias
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« Responder #47 em: Outubro 10, 2020, 19:04:17 »

A coisa promete. Com tantos gatos... e uma gata...
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #48 em: Outubro 14, 2020, 21:19:54 »

"....com Rafaela Plácido...." Não será Ana Plácido? De resto, vamos finalmente descobrir quem foi o estripador de Lisboa...
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Dizem de mim que talvez valha a pena conhecer-me.
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outono


« Responder #49 em: Outubro 18, 2020, 20:28:59 »

XXV
-Preciso de reflectir, senhora…ainda não sei o seu nome…
-Sabe, sabe- respondeu – Trate-me por Gata dos Telhados, ou se preferir por Aida Macedo. E agora vou retirar-me. Darei notícias. Continuem a conversa com a minha advogada
.

Aida Macedo abandonou a sala deixando um rasto de perfume de boa qualidade. No último olhar que trocou com JCorreia, notou-se uma névoa de amargura. O detective acidental, sentiu uma estranha sensação. Aquela forma de andar de Aida perturbava-o. Respirou fundo para conseguir alguma serenidade. Laura de Castro, a advogada do diabo, percebeu o estado de espírito de JCorreia e com um sorriso relançou a conversa.

-Muito bem. A minha cliente traçou as linhas gerais do que pretende dos vossos serviços. A mim, para já, compete-me tratar dos detalhes técnicos, relacionados com a prisão do Damião. A minha intenção é pedir a sua libertação se for constituído arguido, e evitar que fique em prisão preventiva. Estão de acordo?

JCorreia ainda continuava em estado catatónico. Rosalinda teve uma reacção de espanto. Parecia surpreendida. Não se mostrava muito entusiasmada com a libertação de Damião. O curto período do marido preso, tinha-a feito renascer para uma nova viva. Aproveitando o silêncio de JCorreia perguntou:
- Desculpe drª Laura, mas se a libertação estiver dependente do pagamento de uma caução, tenho que a informar, que não posso pagar.
- Quer ou não quer ver o seu marido fora da prisão? - respondeu Laura colocando  Ãªnfase na expressão – Se implicar dinheiro , não se preocupe. Não será por isso que não terá o seu marido- concluiu Laura -  com alguma ironia. O que preciso , neste momento, é que me responda a algumas perguntas. Por exemplo, alguma vez notou no comportamento do seu marido, atitudes que lhe parecesse estar implicado nesse tráfico?
-Não  â€“ disse secamente Rosalinda.
-E não notou nenhum aumento, nos rendimentos do Damião?
-Notei que, talvez há mais de um ano, começou a trazer mais dinheiro. Dizia que fazia trabalho extraordinário, para trocar de carro. O que de facto aconteceu, com a compra de um automóvel de gama alta. É o que sei, drª Laura.

JCorreia aproveitou aquele interrogatório, que achava pouco relevante,  para se refugiar num recanto da sua mente. Viu-se num outro cenário, na pacatez da sua aldeia, longe das confusões em que se via envolvido. Interrogava-se mais uma vez porque raio tinha decido continuar a ser polícia, quando podia estar na sua terra, a ocupar o tempo que lhe restava, em ocupações que não lhe atazanassem o espírito. Percebera da conversa com a denominada Gata dos Telhados, que estava a ser arrastado para uma porta do passado que queria encerrar. Percebeu que estava perante uma pessoa presa no tempo, e que assumia a condição de justiceira por conta própria. Como gostaria de estar longe e poder retomar as longas conversas como seu avô Baltazar. Mas perante tal impossibilidade, alimentava-se das que ficaram registadas num recanto da memória.
 
Depois de voltar da guerra colonial Joaquim Correia lembra-se do primeiro encontro com o avô e do que lhe disse:
- Como vê estou inteiro, mas diferente de antes de passar por esta experiência. A cigana da feira, por acaso ou não, acabou por acertar.
- É verdade Joaquim, todos passámos por isso na família. Três gerações, três guerras. E por mais que nos queiramos convencer que somos a mesma pessoa, sem deixar de a ser, também somos diferentes. Os traumas invisíveis que transportamos não se apagam. Tenho os meus, tu terás os teus, e o teu pai que esteve na Guerra Civil de Espanha terá os dele. Quando ele foi voluntário à força, em 1938, ainda tu não eras nascido, e eu estava a passar por um mau bocado. No dia em que recebi a notícia, fui preso, com muitos outros companheiros, por causa da questão das terras da Ordem. Quando amanheceu estávamos cercados pela GNR que foi de casa em casa prender os que estavam na lista do eventual proprietário. Valeu-nos o drº Frederico Drago, que apoiava a nossa causa, e nos conseguiu libertar. Dei comigo a pensar porque razão me meti na luta pela posse de terras, quando nem das minhas tratava, depois de ter optado por abrir a oficina onde fabricava calçado por encomenda. Cheguei à conclusão que faz parte da minha natureza.
-Eu sei que o meu pai esteve na na Guerra Civil espanhola, mas não conheço os pormenores. Ele é muito reservado e quase não fala desse passado.

-Não fala, porque na minha opinião, foi uma participação que sempre o envergonhou. Fez parte da Legião dos nacionalistas, como outros portugueses que ficaram conhecidos como os Viriatos. Ao contrário da grande maioria, foi obrigado a aderir para salvar a pele. Como sabes, ele fazia contrabando. Numa dessas viagens teve o azar de ser descoberto e preso pelos nacionalistas que controlavam a Andaluzia. A alternativa que lhe deram foi ou “um tiro nos cornos†ou integrar-se nas forças militares de Franco.

¿Qué haces aquí, portugués, con un montón de comida? ¿Tienes autorización?
? Perguntou um oficial do Exército do Sul
(…)
- ¿En qué servicio estás? De España o comunismo
- Não me meto nisso. Faço comércio.

Comercia ilegalmente. Te doy dos hipótesis: juicio sumario, o integración en las tropas del general Franco

Depois de uma instrução rápida esteve com o exército que foi deslocado para a Catalunha, para combater na batalha do Ebro em agosto de 1938. Teve de lutar no lado errado, de acordo com as suas convicções. Limitou-se a evitar a morte, numa batalha onde houve muitas baixas, nos nacionalistas e nos republicanos. Foi ferido numa perna e retirado para a retaguarda. Recuperou e ainda foi enviado para Madrid onde viu cair o governo republicano. Quando chegou depois de relatar a sua experiência disse: estou vivo, assisti a muita carnificina, combati para não ser fuzilado, e quero pôr uma pedra, bem pesada, em cima desta fase da minha vida.

JCorreia sentiu qualquer coisa a roçar-se nas suas pernas, o que o fez sair do baú das suas memórias. Laura de Castro continuava a interrogar Rosalinda. Olhou para baixo e viu uma gata que lhe pareceu ser a Judite. “Que raio fazes aqui�, foi a primeira ideia que lhe veio à mente. Laura de Castro apercebeu-se e disse:
- Está sossegada Madonna, deixa o detective em paz. Desculpe, mas a minha gata, às vezes gosta de se envolver com os clientes.
- Madonna? Interrogou JCorreia, pareceu-me ser a Judite, a minha gata. Será que estou com alucinações? Se não é a Judite, só pode ser gémea ou clonada. Se calhar, tantas gatas na minha vida, estão-me a dar volta ao miolo. Pareço uma ilha rodeada por gatas. E logo agora que de gato já só tenho o espírito.

- Que se passa Joaquim, estás mesmo aqui? – disse Rosalinda. - Eu a responder a um interrogatório da senhora advogada, sobre o Damião, e tu a filosofar sobre gatos.
- Tens razão estive ausente mas já voltei, embora estivesse melhor de onde vim.- afirmou JCorreia procurando desdramatizar a situação. -  Ã‰ como diz uma canção dos tempos do do PREC, “vim de longe, de muito longe, o que passei para aqui chegarâ€. Mas ainda percebi que a drª Laura quer libertar o Damião. O que lhe digo é que não se precipite. A casa dele foi assaltada, o que pode estar relacionado com o tráfico de droga. Dei conhecimento a um colega da brigada de estupefacientes da PJ, para fazerem uma diligência.

- Desconhecia o que relatou, detective, - disse a advogada – irei esperar pela decisão do Juiz. Depois agiremos em conformidade. Parece que temos algumas afinidades, pelo menos no que diz respeito aos gatos. Também vivo sozinha e a Madonna é a minha companhia. Se é igual à sua Judite, só pode ser coincidência. Comprei-a numa loja.

Com o respeito, drª Laura, a menina também é uma “gata†no bom sentido. Não me leve a mal, mas é um elogio à sua beleza. Se alguma coisa aprendi, é que na vida, não podemos ser apenas máquinas de produzir.
- Estou admirada e preocupada contigo Joaquim. Voltaste a dar uma de “velho gaiteiro� –disse Rosalinda, denotando algum nervosismo, e lembrando-se da conversa, com a empregada da pastelaria.
- Não me ofendo. Tenho sentido de humor, disse a advogada.
- É mais uma coisa em que temos afinidade. Começam a ser várias, drª Laura.

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« Última modificação: Outubro 29, 2020, 19:58:43 por Nação Valente » Registado
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« Responder #50 em: Outubro 19, 2020, 09:37:29 »

Ui ui! quanta afinidade!
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outono


« Responder #51 em: Outubro 22, 2020, 20:37:36 »

XXVI
Com todo o respeito drª Laura, a menina também é uma “gata†no bom sentido. Não me leve a mal, mas é um elogio à sua beleza. Se alguma coisa aprendi, é que na vida, não podemos ser apenas  máquinas de produzir.
- Não me ofendo. Tenho sentido de humCom todo respeito drª Laura, a menina também é uma “gata†no bom sentido. Não me leve a mal, mas é um elogio à sua beleza. Se alguma coisa aprendi, é que na vida, não podemos ser apenas  máquinas de produzir.
- Estou admirada e preocupada contigo Joaquim. Voltaste a dar uma de “velho gaiteiro� –disse Rosalinda, denotando algum nervosismo, e lembrando-se or, disse a advogada.
- É mais uma coisa em que temos afinidade. Começam a ser várias, drª Laura.


- JCorreia e Rosalinda saíram da reunião com a advogada. O céu nublado anunciava chuva. Caminharam em silêncio ao longo da avenida. As palavras pareciam ter-se esgotado naquela reunião. Joaquim sentiu que a secretária estava algo triste, e tentou desanuviar a borrasca que parecia eminente. Falou, pegando nas palavras com uma pinça.
- Depois de uma reunião muito produtiva, acho que está na altura darmos uma trégua ao trabalho. E se fôssemos dar ao dente. Sinto um ratinho a roer-me o estômago. Que dizes?
- Faz como quiseres – respondeu Rosalinda – num tom agreste. Aquela advogada tirou-me o apetite. Se não tivesses estado quase sempre ausente, terias reparado que  me quer atirar para as manápulas do Damião.
- Valha-te Deus Rosalinda. És mais nova que eu, mas pareces mais careta. Ninguém é obrigado a viver com ninguém. Estamos no século XXI. Até minha bisavó avó paterna se divorciou, no início do século XX. Qual é o drama? Esquece para já o Damião, depois pensamos nisso. Vamos comer ao restaurante do minhoto. Os cheiros  vão abrir-te  o apetite.

Sempre que entrava naquele restaurante, Joaquim renascia. Voltava aos seus tempos de juventude e de neófito na cidade. Ali convivia com os seus amigos. Ali começou a sua relação com Irene. Ali viu um dia chegar a liberdade.
Bom dia subinspector Correia – disse o proprietário, onde já predominavam os cabelos brancos.  â€“ bons olhos o vejam.
- E veem-me bem. E também digo que sempre que o vejo, me parece que vai em contramão. Está cada vez mais menino, ainda bem, porque não conheço ninguém que me satisfaça tanto as papilas gustativas. E a propósito, o que temos hoje?
- Para além dos grelhados, tenho um petisco especial. Rojões à minhota. Até parece que adivinhei que vinha cá.
- Vamos então nos rojões. Concordas Rosalinda? E um verde de Melgaço, para dar de beber à dor, principalmente da minha companheira, que teve um dia mau.
Enquanto degustavam os rojões, o vinho foi levantando o ânimo de Rosalinda, e soltou a língua a Joaquim, que aproveitou par voltar ás memórias que sempre associava aos sítios por onde tinha passado. Ao mesmo tempo pretendia afastar o pensamento de Rosalinda, dos maus momentos por que passou.

- Neste restaurante sempre fui feliz. A última vez que aqui vim, a tua primeira, conheci o teu passado, e tive a alegria de te descobrir como familiar. Mas muitas  outros bons momentos que vivi estão ligados a este lugar, para lá do prazer da boa comida. Aqui almocei no último dia da ditadura e no primeiro da democracia
 Esta é a madrugada que eu esperava
 O dia inicial inteiro e limpo
 Onde emergimos da noite e do silêncio
 E livres habitamos a substância do tempo
 Foi  assim que o definiu a escritora  Sophia de Mello Breyner Andresen. Foi assim que também o vi, embora não fosse capaz de o definir com esta sensibilidade.

Tinha feito o último turno da noite no metropolitano. Deitei-me tarde e de manhã fui acordado pelo vozeirão do Carlão a falar com outro hóspede , “começou a guerraâ€. Estão a dizer na rádio para ficarmos em causa, e a pedir aos médicos para se dirigirem para os hospitaisâ€. Tinha dormido pouco, e pensei que era uma brincadeira de mau gosto. Apeteceu-me mandá-lo bugiar. Liguei o pequeno rádio de transístores na emissora nacional. Afinal o Carlão tinha razão.
“Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas nas quais se devem conservar com a máxima calma."

Não consegui voltar a adormecer. Continuei a ouvir a mesma comunicação, até que, ao contrário do pedido, não fiquei em casa. Deambulei pela cidade quase deserta. A informação sobre o que se passava de concreto era escassa. Ao meio dia entrei neste restaurante. O cozinheiro do Minho, continuava a fazer os seus grelhados. Pareceu-me um pouco assustado. Quando paguei o almoço, o senhor disse-me: estão a dizer que o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, está  refugiado no quartel da GNR no Carmo, e que está cercado por tropas. “então é para aí que vouâ€, afirmei. “Tenha juízo, vá mas é para casa como recomendamâ€. Não quero perder nenhum clienteâ€. Caro amigo, já passei por uma guerra e sobrevivi. Vou, se for necessário, participar numa guerra mais justa. A liberdade do meu país.

- E fostes? Tiraste a coragem de dentro de uma garrafa? - perguntou Rosalinda que tinha recuperado a boa disposição, com o “verde†de Melgaço.

- Ora ,ora, temos a Rosalinda de volta. Ainda bem, porque que vamos ter muito trabalho. Se for preciso repetimos o mesmo tratamento. Mas voltando ao movimento militar de 25 de Abril, nesse dia fui para o largo do Carmo. Havia militares nas ruas adjacentes. Jovens  com pouca experiência, mas empenhados. O mais interessante é que os paisanos circulavam livremente. Um bom indício. Em frente ao quartel, havia chaimites vindas do Terreiro do Paço. Foi lá que se ganhou a guerra, quando a força comandada por Salgueiro Maia com pior armamento, teve a coragem de enfrentar, de peito aberto, os poderosos blindados de Cavalaria 7. Com essa coragem, levou os atiradores s desobedeceram às ordens de disparar, do seu comandante. Sem disparar um tiro o golpe estava ganho. O que se passou no largo do Carmo foi o culminar do processo. Com o espaço cheio, por uma multidão eufórica, apenas  se esperava a rendição do regime.

- Eu também estive por perto nesse dia – disse Rosalinda.- Estava no Rossio a vender flores, e assisti à passagem dos militares, com cravos nas espingardas, embora não tivesse muita consciência, do que se passava.
- A ditadura durou quase quarenta anos. Uma guerra de treze anos ajudou a desgastá-la. Naquele dia ou noutro acabaria por cair. Mas foi um dia importante. Pena é que as novas gerações que sempre viveram a liberdade, associem o dia a mais um feriado.
 
JCorreia e Rosalinda desceram a a Avenida da Liberdade até ao Rossio, e subiram até ao Chiado. Na “Brasileira†sentaram-se na esplanada junto à estátua de Fernando Pessoa. JCorreia gostava de visitar aquele  local, por  onde tinham passado grandes pensadores.  Enquanto  tomavam  o café, o detective  infringindo mais uma vez os conselhos do médico, pediu um cálice de absinto, em honra do grande poeta e do 25 de Abril. Perante a crítica de Rosalinda comentou:

- Dias não são dias. "É pra desgraça é pra desgraça". Hoje é o dia da romagem da saudade. O absinto ajuda a inspiração. Amanhã vamos fazer o que tem que ser feito. Voltamos à investigação do caso do marido desaparecido. Este caso e o da gata dos telhados, parecem-me a mesma moeda.

-Não me digas Joaquim que também queres ser poeta? - ironizou Rosalinda

-Não ficas sem resposta. Quando saí da PJ, e antes de me inventar como detective privado, escrevi umas coisas. Um dia mostro-te. Só a ti.

Continua

« Última modificação: Outubro 23, 2020, 15:30:02 por Nação Valente » Registado
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« Responder #52 em: Outubro 23, 2020, 13:19:56 »

Poeta é quem pode. Até Pj ou engenheiro...
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outono


« Responder #53 em: Outubro 29, 2020, 19:54:16 »

XXVII
- Dias não são dias. É pra desgraça é pra desgraça. O absinto ajuda a inspiração. Amanhã vamos fazer o que tem que ser feito. Voltamos à investigação do caso do marido desaparecido. Este caso e o da gata dos telhados, parecem-me a mesma moeda.

O subinspector Carvalho da brigada de estupefacientes,  entrou no apartamento de Damião, para fazer uma diligência, sobre o caso da droga apreendida no porto de Lisboa. De acordo com a informação recebida de JCorreia, estava tudo virado do avesso. Sabia que havia uma dependência da casa que não era utilizada, segundo declarou Rosalinda, e onde Damião se costumava , trancando a porta. Rosalinda, da única vez que questionou Damião  sobre o assunto, apanhou um tabefe, e não voltou a fazer qualquer comentário. O subinspector, concentrou a investigação nesse quarto. Estava mobilado com uma cama, duas mesas de cabeceira, um roupeiro e uma cómoda. Tudo tinha sido esvaziado. Até o colchão estava destruído. Mas se ali havia droga escondida, não lhe parecia que tivesse sido descoberta. Por cautela, Carvalho, resolveu pedir a vinda de uma cão especializado. Quando este chegou deixou a equipa da PJ boquiaberta. A sua atenção concentrou-se no tecto. Os polícias olharam e não viam como podia ali estar. No estuque não se vislumbrava qualquer sinal de haver esconderijo. Foi então que um agente da equipa reparou no candeeiro, ligado ao tecto com uma campânula. Desmontaram o candeeiro e por baixo da parte coberta estava a entrada para um buraco. Retiraram dois quilos de heroína.

JCorreia recebeu a chamada do subinspector, depois de ter telefonado para empresa de import/export Figueira & Laranjeira. Quando atenderam o telefone, apresentou-se , com uma identificação falsa.
-Bom dia. Chamo-me Alberto Estevão. Tenho uma pequena empresa de produção de brinquedos tradicionais, que gostaria de exportar.  Na pesquisa de empresas exportadoras cruzei-me com a vossa. Gostaria de saber se estão interessados na exportação dos meus produtos.
-Vem ao sítio certo. O ramo dos brinquedos é uma das nossas principais actividades. Mas também transacionamos outros produtos. Faça-nos uma visita para podermos conversar e conhecer a nossa empresa, conhecer condições.
-Certo. Mandarei amanhã a minha secretária.
 
A essa hora Rosalinda estava junto à empresa Figueira  & Laranjeira. Como já tinha acontecido, Idalina, saiu e dirigiu-se à estação de comboios do cais Sodré. Rosalinda seguiu-a. No átrio da estação, pouco frequentado, estava à espera Ernesto, o suposto marido desaparecido. Trocaram dois embrulhos. Separaram-se, e Rosalinda seguiu Ernesto, que entrou num carruagem de um comboio que ia partir. Rosalinda comprou um bilhete até ao fim da linha, e entrou na mesma carruagem. Ernesto saiu na estação do Estoril. Rosalinda foi atrás dele até uma vivenda que não era recente, situada numa rua sossegada. Esperou algum tempo. Viu entrar duas mulheres ainda jovens, e um pouco depois um homem de meia-idade.

JCorreia atendeu o telefonema de Carvalho:
-Então Correia como vão esses ossos?
-Os ossos aguentam-se. Já o mesmo não posso dizer de outros órgãos. Então em que pode ser útil, um ex-polícia metido em sarilhos.
-Qual ex-polícia?  Sei que nunca deixaste de o ser. E a verdade é que colaboraste connosco. Investigamos a casa do Damião, e encontramos material. Está justificado o assalto. Parece-me que o Damião não se vai livrar de "Preventiva". Avisa a sua esposa.

A gata Judite apareceu quando JCorreia ligar para Rosalinda. Roçou-lhe as pernas, com uma suavidade, que  fez vir-lhe à janela da memória, outra gata, a Irene e a sua meiguice.

-O que é que queres Judite, ou serás a Madonna que vi no escritório da drª. Laura? Mas ainda hei-de tirar isso a limpo, ou não me chame JCorreia, detective, especializado em assuntos de gataria, incluindo a Irene, que me pôs uns patins, por discordâncias políticas.
A nossa ruptura começou no tempo do chamado PREC. A luta política estava ao rubro, entre os moderados que defendiam uma democracia parlamentar, e os que queriam instalar uma nova ditadura, copiada do modelo dos países acantonados para lá do muro. A divisão começava na sociedade civil e continuava no sector militar. O governo do general Vasco Gonçalves apoiado pelo Partido Comunista e pela extrema-esquerda liderava o processo revolucionário. Os militares moderados e o partido Socialista dirigiam a oposição. As posições estavam muito extremadas. O povo, sobretudo a Norte, levantou-se, às vezes dirigido por forças reacionárias, assaltou e destruiu sedes do PCP. Na região de Lisboa, operários da indústria apoiavam o Governo. O golpe spinolista de Março, falhado, foi o cúmulo dessa divisão. O governo Gonçalvista caiu substituído por um governo moderado, mas a situação radicalizou-se. Uma guerra civil desenhava-se no horizonte. A revolta dos paraquedistas em Tancos, despoletou a resposta do governo moderado, com a saída do regimento de comandos, que tomou as unidades afectas ao PREC, com o apoio do presidente da República. Foi o fim da deriva comunista.

Estávamos no dia 25 de Novembro de 1975. Eu coloquei-me ao lado dos moderados, Irene que pertencia ao grupo de artistas ligadas ao PCP, do lado contrário. A acusou-me de ser antirrevolucionário, e pôs fim à relação. Tive pena. Gostava mesmo dessa gata. Apoiei o 25 de Abril. Vivi quarenta anos em ditadura. Não queria viver noutra, fosse de direita ou de esquerda. A vida continuou. Madonna, ou será Judite? Mas para ti que é que isso interessa? Que sabe gato de revoluções e contrarrevoluções, de democracia ou de ditadura? Nada. Chega-lhe viver o dia a dia. Toca o telefone, deve ser a Rosalinda.

-Estou. Então Rosalinda há novidades?
-Há e muito interessantes. Segui o homem até uma casa, no Estoril. Pelo que observei, cheira-me a negócio de pornografia. Quando voltar, dou mais pormenores.
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #54 em: Outubro 29, 2020, 21:55:10 »

Um investigador fica sempre com uma costela empenhada no ofício, mesmo reformado...
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Goreti Dias
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« Responder #55 em: Novembro 01, 2020, 16:07:17 »

Plenamente de acordo!
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outono


« Responder #56 em: Novembro 04, 2020, 20:11:45 »

XXVIII
-Há e muito interessantes. Segui o homem até uma casa, no Estoril. Pelo que observei, cheira-me a negócio de pornografia. Quando voltar dou mais pormenores.

Rosalinda estava sentada num pequeno gabinete da empresa Figueira & Laranjeira. Reparou no espaço acanhado, nas paredes nuas e no seu interlocutor que se apresentou como gerente. Era um homem de meia-idade, de estatura média, de olhos pequenos atrás de uns óculos redondos, com o pouco cabelo rapado. Levava um vestido justo e curto, que lhe acentuava as formas, e uma maquilhagem carregada. Vestira-se deste modo por sugestão de Joaquim, que a convenceu, com a frase “ um investigador competente tem de mudar de visual de acordo com o ambiente†como o camaleão. Para ele, aquela empresa de import/export, não se dedicava unicamente ao comércio de brinquedos. Mais, este comércio não passaria de fachada para negócios mais rentáveis. O visual que recomendou a Rosalinda encaixava-se no que considerava a principal actividade da empresa. O gerente cumprimentou Rosalinda e apresentou-se como sendo Januário Brilhante. Tirou um cigarro de uma cigarreira de prata, e ofereceu um a Rosalinda que recusou.

- Não se importa que fume senhorita? Acentuando o senhorita, enquanto passeava os olhos pelos seus generosos seios. Esta apercebeu-se e aproveitou para descer o decote do vestido, e ao mesmo trocar as pernas, com uma lentidão cinéfila. Os olhos de Januário escorregaram pelo vestido cor-de-rosa, de tal modo que se não estivessem presos nas órbitras teriam caído no chão´
-Não me importo que fume – respondeu Rosalinda – embora eu nunca o faça em serviço.
-Pois eu, é em serviço que fumo mais…concentra-me. Mas qual é a sua graça?
-Chamo-me Rosalinda, e espero não o desconcentrar -  disse - trocando, de novo, as pernas.
-Rosalinda, um nome que faz jus a quem o tem. Três vezes linda, por ser Rosa, ser Linda, e ser linda de morrer.
-Ora senhor Brilhante, agradeço o galanteio, mas estou aqui em trabalho - afirmou Rosalinda - puxando o vestido para baixo. O meu patrão, o senhor Timóteo, encarregou-me de lhe mostrar, os nossos produtos. Dá-me licença?

Rosalinda levantou-se , e virou-se para trás para apanhar o dossiê,  preparado por Joaquim com fotos de brinquedos tradicionais, que tinha recolhido em feiras de artesanato. Aproximou-se da secretária de Januário, e colocou-o na sua frente.
-Senhor Brilhante, dê uma vista de olhos. Pode ver que é material autêntico.
-Menina Linda, trate-me por Januário. Acredito que iremos fazer bons negócios.
Januário, foi desfolhando o dossiê,  mas com o olhar em roda livre , entre as fotos e o corpo de Rosalinda, que ao mesmo tempo que fazia o seu número, pensava que o primeiro assalto estava ganho.



Laura de Castro entrou na empresa de Aida eram nove horas. O porteiro informou-a que esta chegaria um pouco atrasada. “A sua mãe disse para a esperar no seu gabineteâ€, porque está um pouco atrasada. A advogada sentou-se e olhou como acontecera, vezes sem conta, para a criança da foto que se destacava na secretária de Aida, e que a transportava para um tempo, onde a ingenuidade superava a adaptação ao jogo de sombras que imperava na vida adulta.

-Bom dia filha – disse Aida – entrando de supetão. Desculpa o atraso, mas já sabes como é a vida de uma empresária.
-Ora mãe, já estou habituada. Tive urgência em encontrar-me hoje contigo porque fui informada que o Damião, ficou em prisão preventiva. A partir do momento em que foi encontrada droga na sua casa, a  situação agravou-se. Vai ser mais difícil tirá-lo da prisão. Por outro lado, pelo que deu a entender, a Rosalinda, quer-se livrar dele, e não está interessada, que seja libertado.
-O Damião, como sabes, não me interessa muito. –  respondeu  Aida - Meti-o ao barulho para me aproximar do detective  JCorreia e ganhar a sua confiança. Vamos dançar conforme a música. Se não é essa a vontade da sua mulher, melhor para nós. Possivelmente ela quer pedir o divórcio. Vem mesmo a calhar. É mais uma oportunidade para estarmos nas boas graças de JCorreia. Espero que  não descubra a nossa relação. Mas temos de ser muito cuidadosas, porque ele é muito perspicaz.



JCorreia ficou no seu gabinete de trabalho. As suspeitas feitas por Rosalinda sobre as trocas de embrulhos, e entrada de Ernesto naquela vivenda no Estoril, não pareciam ser legais:. Era necessário descobrir a quem pertencia a casa, e que actividades lá se desenrolavam. Que intercâmbio poderia haver entre uma empresa que importava brinquedos, e aquele local. Pela morada descobriu um número de telefone que lhe estava associado. Precisava de encontrar um motivo para telefonar.
A sua gata Judite, dormia junto aos  seus pés, o sono que lhe roubara a noite. Enquanto matutava em como poderia saber mais sobre a casa do Estoril, sem que nada lhe ocorresse, lembrou-se o que seu avô Baltazar lhe dizia quando tinha um problema que parecia insolúvel. “Esquece Joaquim. Pensa noutro assunto. Quando menos esperas, aparece a soluçãoâ€.
Judite manifestou-se na sua língua de gato. JCorreia fixou-se nos seus olhos azuis, o que lhe desviou o pensamento para o seu pai, e para a cor dos olhos que não herdara, mas que recordava como uma marca distintiva. Ainda se lembrava de o ver fardado de Guarda Fiscal, onde foi incorporado depois de voltar de Espanha e de ter cumprido serviço militar no Exército Português. Esteve nesta corporação militarizada pouco tempo. Tal como o seu pai, Balltazar Correia,  que fora expulso da GNR, depois do golpe militar de 1926, que levaria ao Estado Novo, por insubordinação, começou a perceber que aquele não era o seu lugar. Sentia-se mais contrabandista que guarda da fronteira. Saiu da Guarda para voltar ao que gostava de fazer, trabalhar na agricultura, e nos tempos livres fazer contrabando. E não era apenas, por motivos económicos. Era um vício, pela transgressão, pelo risco, pela aventura.

Num país que assumira a neutralidade na Segunda Guerra Mundial, mas que sofrera as suas consequências económicas, como a escassez de bens, era uma boa oportunidade para ganhar dinheiro à margem do sistema. A Espanha destruída pela guerra civil estava ali mesmo ao lado e a troca de produtos uma necessidade. A agricultura de subsistência dava para ter comida na mesa, o contrabando para a complementar . Quando o pai desaparecia durante duas semanas, Joaquim sabia que tinha passado a fronteira com um saco de café ou de miolo de amêndoa às costas. Foi graças a esse rendimento, que pôde estudar num colégio privado, um pouco para além da instrução primária salazarista, e para poder fugir de uma vida de horizontes fechados, e onde a pobreza era encarada como fatal naturalidade, num país parado no tempo, na visão de um ditador sem ambição, enclausurado numa missão redentora, como um desígnio divino.


Enquanto esperava uma reacção de Januário Brilhante, Rosalinda pensou que JCorreia estava certo, quando ela tinha levantado reservas ao seu plano. Para a convencer, Joaquim dissera-lhe que visse a vida como uma representação, uma peça de teatro onde todos somos actores. Durante grande parte da minha vida representei o papel de polícia- disse-lhe- o mais longo, e de tal modo determinante, que já nem precisava de ensaios. De vez em quando, represento outros pequenos papéis, como agora, o de empresário. O que vais fazer na empresa de import/export, será mais uma representação. Não temos nada para exportar. Queremos é saber, o que pode estar para além dessa fachada.

-Menina Rosalinda – disse Januário, depois de observar o dossiê – tem aqui material muito interessante. Terei, no entanto, que reunir com a administração, antes de lhe dar uma resposta, e discutir pormenores. Mas estou convencido que nos vamos entender. Podemos marcar um novo encontro, num restaurante onde podemos associar os negócios a uma boa comida. Costuma dizer-se que os melhores negócios se fazem à mesa.
-Há outra teoria que diz, que grandes negócios, se fazem na cama –disse Rosalinda, surpreendendo-se a si própria, e indo para além do que seria a sua “deixa.†– Ao mesmo tempo, e perante o ar aparvalhado de Januário, pensou se não teria improvisado de mais. O que poderia acontecer a uma actriz inexperiente num papel, que nunca desempenhara?
« Última modificação: Novembro 04, 2020, 21:30:18 por Nação Valente » Registado
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« Responder #57 em: Novembro 07, 2020, 22:50:28 »

Agora, negócios, nem à  mesa nem na cama!  :fixe:
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outono


« Responder #58 em: Novembro 11, 2020, 19:32:36 »

XIX
-Há outra teoria que diz, que grandes negócios, se fazem na cama –disse Rosalinda, surpreendendo-se a si própria, e indo para além do que seria a sua “deixa.†– Ao mesmo tempo, e perante o ar aparvalhado de Januário, pensou se não teria improvisado de mais. O que poderia acontecer a uma actriz inexperiente num papel, que nunca desempenhara?

-A menina surpreende-me. Para além de tudo o mais, tem sentido de humor. Estou rendido – afirmou Januário, com um largo sorriso.
- Não será que se rende antes da batalha? De facto, ainda nem estamos nos preliminares, talvez estejamos nos “entretantosâ€. E antes de chegar à cama ainda há muito para andar. Vamos ver se chegamos à mesa. Decerto já percebeu que eu sou uma pessoa desinibida. Vim aqui para apresentar brinquedos, mas o nosso negócio, tem outras vertentes.
-Como assim- disse Jánuário - mostrando curiosidade.
- Uma empresa, nem sempre, consegue viver da produção de brinquedos artesanais. Para sobreviver, fazemos outros brinquedos, digamos mais “íntimosâ€. E eu, quando é necessário, também colaboro. Mas deixemos isso, não estão no âmbito das vossas exportações
- De maneira nenhuma – respondeu Januário – também não somos esquisitos. Exportamos, ou importamos, o que possa dar lucro.
Rosalinda riu para dentro, e pensou com os seus botões, “este patego está a cair que nem um patinho. Nem é preciso ser muito inteligente. Qualquer burra de saias, o levava à certa. Mas, com toda a modéstia, estou a sair-me bem. Nem o Joaquim esperava tanto.â€


A advogada Laura de Castro estava sentada numa sala da penitenciária , à frente de Damião. Este olhou-a surpreendido, e perguntou de chofre:
-Quem é a senhora, e o que pretende?
- Sou advogada da sua mulher, Rosalinda, que me encarregou de o contactar, a fim de lhe perguntar se aceita que eu o defenda. Chamo-me Laura de Castro.
- Que é feito da minha mulher? Antes de ser preso tinha sido raptada, como me informou o detective JCorreia.
- A sua mulher foi libertada, pelo detective, na véspera do senhor ser preso. Nessa noite, decidiram que ficaria na casa dele, até se encontrar um sistema de segurança. No dia seguinte o senhor foi preso.

- A cabra ficou com o detective?  - interrogou Damião ,quase a ter um ataque de nervos -. Sempre achei que era uma puta, mas nunca me passou pela cabeça, que se enrolasse, com o porco velho. Devia ter-lhe partido os cornos, quando fui perguntar por ela.
- Acalme-se senhor Damião. A Rosalinda tem apenas uma relação profissional, e também de amizade, porque descobriram que são familiares. Pelo que sei a sua mulher nunca o traiu, apesar de se queixar de maus tratos.
- De maus tratos? – disse Damião, que perdera a compostura  â€“ Todas as que levou ainda foram poucas. Às tantas foi ela que pôs a droga na nossa casa, para me f*der. Quando puder, não se fica a rir. Nem ela, nem o porco.
Modere-se senhor Damião – disse uma voz na sala – respeite a senhora advogada, que o vem defender.
- Modero-me o ca…pare se não tenho de intervir, interrompeu a mesma voz. – Quero essa serigaita daqui para fora.
- Senhor Damião. – respondeu Laura, procurando manter a compostura – o que está a dizer é muito grave. Chama-se violência doméstica. Volto a informar: a Rosalinda encarregou-me da sua defesa, e não lhe deseja nenhum mal, o que não significa, que queira voltar a viver consigo. Aceita ou não, os meus serviços?
- Não aceito nada que venha dessa cabra. Estragou-me a vida. Estou convencido, que o rapto, não passou de encenação, para se juntar ao velho gaiteiro.
-Muito bem, senhor Damião, voltaremos  a ver-nos, para falar do divórcio…


A campainha libertou JCorreia da vivência de um tempo passado, e até quase desconhecido de quem não o viveu. Levantou o auscultador e ouviu a voz melodiosa de Laura de Castro.
- Olá doutora, a que devo a honra do seu telefonema.
- Estive reunida com o senhor Damião. Quero informar que não aceitou  os meus serviços, e ainda tive de ouvir, uma série de impropérios. Acusou a Rosalinda de estar de “cama e pucarinhoâ€, permita-me a expressão, consigo. O mais leve que lhe chamou, foi cabra, e ao senhor,  porco.
- Nada que me surpreenda, vindo do Damião. De cabras não sei muito. Porco, sabe o que me faz lembrar? Um animal que todos os anos entrava na casa dos meus pais, acabado de nascer, e que era adoptado, como um membro da família. Alimentado e bem tratado durante quase um ano. Depois abatia-se para nos ajudar a matar a fome. A matança do porco constituía, o único banquete do ano, para a nossa casa e para a de outros vizinhos.
Quando era mais pequeno nunca assistia a esse acto. Custava-me ver espetar uma faca na goela do animal, que durante tantos meses, vivia paredes meias connosco. Depois fui-me habituando. Percebi que não se tratava de um animal de estimação, mas de uma componente da nossa sobrevivência. A cerimónia da matança, feita com a ajuda dos convidados, passava pela recolha do sangue, e a seguir era chamuscado e lavado. O matador desmanchava-o, separando em diversas partes. As mulheres lavavam as tripas na ribeira, enquanto os homens comiam sangue cozido. À noite haviam de regressar para o banquete principal, composto de carne frita, e acompanhado com vinho de produção local. Homens na sala e mulheres na cozinha, fazendo a preparação da carne para fazer chouriças. E assim se fez até o meu pai partir para terras de França. Portanto, cara doutora, não vejo o porco como algo depreciativo.
 
- Claro, mas sabe que a palavra tem outras conotações, detective. Quanto ao que descreve conheço essa tradição quase extinta, através de descrições e documentários. Não assisti ao vivo. Sou menina da cidade. Aliás nunca tive uma família completa. Fui criada pela minha mãe e nem sei que é o meu pai, - concluiu Laura, notando-se alguma emoção na voz -.Mudando  de assunto, precisava de falar com a Rosalinda, para ver o que  fazemos a seguir.
- Lamento advogada a situação que descreveu. Por acaso a Rosalinda também passou por um processo idêntico, e ultrapassou-o. Ainda hoje foi numa missão algo complicada. Vamos ver como se sai. Depois falará consigo.

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« Responder #59 em: Novembro 13, 2020, 21:03:46 »

Gostava do dia da matança do porco, mas era horrível ouvir os gritos do animal. E detestava o fígado que, nesse dia, tentavam impingir-me. Mas os rojões eram deliciosos.
Esse Damião é um cara podre. Embora este livro seja todo sobre gente muito suspeita, a que se juntou uma gata espevitada.

Abraço
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Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
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Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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Boa semana para todos.
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Boa tarde a todos.
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Boa noite feliz para todos.
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