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Autor Tópico: A Gata dos Telhados XXIX  (Lida 6266 vezes)
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Nação Valente
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outono


« Responder #75 em: Janeiro 10, 2021, 21:25:25 »

XXVII
- Não sei se deva confiar em quem me quis aldrabar, mas venha comigo. Está encharcado. Não tenho condições para o proteger. Veremos o que se pode fazer

JCorreia entregou roupas secas a Ernesto. Acordou com Rosalinda colocá-lo na sua casa que não estava habitada, até encontrar a melhor solução. Tentou convencê-lo a relatar a posição à polícia. Ele mesmo o poria, contacto, com seu camarada da PJ. Poderia negociar um perdão, no papel de colaborador arrependido. E teria protecção assegurada
- O que pudemos fazer neste momento é facultar um refúgio para se esconder, disse JCorreia. Se estiver de acordo, ficará na casa da Rosalinda. Mas é uma situação provisória.. Para merecer a nossa confiança, devia começar por nos contar o que se passa naquela vivenda.
- A minha intenção – respondeu Ernesto - era que me ajudasse a sair de Lisboa, talvez do país. E que tentasse descobrir o que se passa com a Idalina. Como lhe disse , percebi que perderam a confiança que tinham em mim. Vim pedir ajuda, porque estou muito assustado. perdido a confiança em mim.
 - Lamento, mas não posso apoiar o seu plano de fuga, senhor Ernesto. Seria assumir cumplicidade com alguém que tem estado ligado a práticas ilegais. Estou apenas a protegê-lo de uma eventual retaliação imediata, mas não dou cobertura a fugas à justiça. Se quiser colaborar com as autoridades tem o meu apoio. Se não, pode sair e ficar por sua conta e risco.
- O meu receio, detective JCorreia,  é que não confio na protecção policial. Mas em troca do seu apoio concordo em dizer-lhe o que sei sobre o que se passa na casa cor-de-rosa.
-Muito bem, diga-me então o que se passa nessa casa, e qual é a sua função.
- Se não fosse a Idalina a chagar-me a cabeça, nunca me tinha metido nisto. Tinha o meu trabalho garantido na Seguradora. Mas ela com conversa melosa, deu-me a volta. Que assim que assado, que ia ganhar muito mais, que íamos sair da cepa torta, que era uma tarefa fácil. Nada fica a dever à sua homóloga Eva que bem lixou o Adão. Fez de mim gato sapato..,
- …pare lá com essa verborreia. Deixe-se de rodeios e vá directo ao assunto…

…para ir directo ao assunto, pode-se considerar aquele local, um bordel de luxo.  frequentado por pessoas de altos extractos sociais: gente da alta finança, da política, famosos mediáticos. Mas o que o caracteriza é que as mulheres que ali “trabalham” são de menor idade. “Petiscos” que não são para o meu, nem para o seu bico…
..,porra Ernesto, não me interessam as suas apreciações…
…geralmente eram meninas trazidas de países "pobres", através de processos pouco ortodoxos. Os encontros são organizados em determinadas datas, festas restritas, onde apenas se tem acesso por convite.
- E pode identificar esses participantes, ou alguns deles? – perguntou JCorreia, perante uma Rosalinda que denotava algum mal estar.
- Não sei quem são essas pessoas. – respondeu Ernesto – Nunca estive presente nesses encontros. Tenho conhecimento que existem regras e rituais. Que as meninas e os senhores usam máscaras, e que se faz uma espécie de jogos, para ter acesso ao acto sexual. Mas a minha função é fazer entrega de artefactos eróticos e filmes pornográficos, que são fornecidos por uma empresa.
- Figueira e Laranjeira?- perguntou JCorreia.
- Sim, - continuou Ernesto – essa empresa fornece os materiais que referi. E creio que também está ligada ao tráfico das menores, que ali são utilizadas. Sinceramente é o que sei. Sou apenas “um pombo correio”.
- E o que sabe sobre quem dirige?
- Quer acredite ou não, apenas conheço a pessoa de quem dependo. Arraia miúda tal como eu. A minha mulher, da empresa de importações, que me meteu nisto, e o indivíduo que me recebia na vivenda. Houve sempre muito cuidado em manter o máximo sigilo.
- Obrigado senhor Ernesto, acabou de confirmar, com pormenores, aquilo de que desconfiava. Como detective privado não posso intervir. Vou coligir toda a informação e entregá-la à polícia. Se quiser colaborar, será muito útil. Agora não o maço mais. Vou levá-lo ao apartamento da Rosalinda. Pode tirar essa roupa que lhe fica um pouco desajustada. Faz lembrar o palhaço pobre. Lá, pode utilizar roupa do Damião, marido da Rosalinda, que está preso. Acho que ela não se importa. Não saia. Nós visitamo-lo.

Rosalinda levantou o auscultador do telefone: estou a falar com a Rosalinda? – disse uma voz, que parecia já ter ouvido.” O JCorreia não está. Quer deixar recado?”, disse Rosalinda. “Fala Carlos Madeira, e é com a senhorita que quero falar”. “Carlos Madeira?” Silêncio. “Não se lembra de mim? Fico triste. Sou o advogado que com quem falou durante um lanche, aliás muito agradável, sobretudo pela companhia”. “Peço desculpa, senhor Madeira, mas a minha memória não é muito eficaz a fixar nomes. Lembro-me do encontro. Diga o que pretende.” “Pretendo convidá-la para um almoço, para falarmos sobre o senhor Damião. Soube que ele recusou os serviços da doutora Laura. Terei muito gosto em assumir a  defesa do seu marido, se concordar. “Podíamos  marcar esse encontro?” “Apanhou-me de surpresa. Vou precisar de pensar e de ouvir a opinião do Joaquim. Prometo que o contacto.”

Joaquim voltou a tirar o MG descapotável da garagem. O dia nascera solarengo depois do dilúvio do dia anterior. Tinha combinado com Rosalinda que iriam ao Estoril fazer uma visita à casa rosa. Saíram a meio da manhã. O detective queria encerrar de vez a sua participação, num caso em que não tinha competência para intervir. Pretendia apenas recolher algumas informações complementares, para passar entregar à PJ. Rosalinda estava indecisa sobre o que fazer com Ernesto. Considerava que lhe parecia uma boa pessoa, que se deixou arrastar para aquela situação. Insistiu com Joaquim.
- E se deixássemos o Ernesto decidir o que quer fazer, e nos afastássemos? Temos outro caso para investigar.
- Não sejas ingénua Rosalinda. Boas pessoas somos todos até deixarmos de o ser. Olhamos à nossa volta e o que vemos: aparências. Na realidade somos gente modelada por séculos de condicionamento. Pensamos e agimos condicionados por leis e convecções. Sem o primado da Lei, dizia Locke,  a convivência humana era impossível. Digamos que a Lei é o verniz que esconde a verdadeira natureza humana. Quando as condições se propiciam o verniz estala. O estudo da tortura de humanos contra humanos ao longo da história, é um retrato muito interessante do que somos, mesmo amenizado com doses e mais doses de civilização. O Ernesto pode fazer-se de vítima, mas não é. Ninguém o obrigou a fazer aquele trabalho. Não deixa de ser um filho da puta, que colabora com tráfico de menores.

Ao passar junto de Santa Apolónia JCorreia lembrou-se do seu pai. Era num dos restaurantes, da praça da estação de caminhos de ferro, que almoçavam sempre que este passava por Lisboa, para viajar no Sud Expresso para França. Era um almoço onde entre duas garfadas, calavam mais do que falavam. O seu pai não era pessoa de muitas palavras, nem havia entre eles, para além da relação familiar, muitas afinidades. Destes encontros, o detective não retivera recordações que fossem para além do trivial. O que tinha presente na memória, relacionava-se com a primeira vez que o seu pai tinha vindo a Portugal, cerca de um ano depois de ter ido para França a salto. Vinha gozar uns dias de férias, e tratar da legalização enquanto emigrante. Joaquim lembra-se de o ver chegar a casa, onde se encontrava a passar uns dias de licença antes de partir para a guerra colonial. Após ter chegado, o pai começar a tirar dos vários bolsos da roupa, notas de cem francos. Depois, pegou no chapéu que sempre usava, e tirou mais dinheiro Por fim, descalçou os sapatos e saltaram mais francos. Feito o câmbio, trazia no total dezasseis contos. A mãe primeiro emudeceu, acabando por comentar: “homem acertastes na lotaria. Isto é uma fortuna. Nunca vi a cor a tanto dinheiro. Ganhei-o”- respondeu o pai,-  e soube-me a boca a sangue. Na França trabalho no duro, mas compensa. É outro país.”

Rosalinda tinha interrompido o silêncio de Joaquim. Este embrenhado nas suas recordações não a ouviu.
- O que disseste Rosalinda?

- Sei que fazes muitas viagens dentro de livros, e que tens a tua visão da realidade. A minha observação da mesma, é mais terra a terra. O meu mundo é o que vejo no dia-a-dia. Vejo pessoas boas e más, bem e mal intencionadas. Continuo a dizer que o Ernesto se deixou iludir pelo dinheiro, e se meteu numa actividade que merece ser condenada. Como ele há outros. Estou a lembrar-me do Damião. Não quer dizer que sejam bandidos.
- Compreendo o teu ponto de vista. Sendo iguais todos somos diferentes, A minha perspectiva da realidade também resulta das minhas vivências. Sei que para além do ADN comum, cada pessoa tem a sua especificidade. Umas mais resistentes às tentações que nos rodeiam, outras menos. Mas a pureza é um mito. Na vida profissional aprendi a conhecer melhor os nossos semelhantes. Deixemos isso e aproveitemos a viagem para apreciar a beleza da ligação do rio ao mar, como um abraço de uma relação bem-sucedida.

O MG estacionou junto à casa rosa. JCorreia saiu e tocou à campainha. A porta continuou fechada. Voltou a tocar. Silêncio. Rodeou a vivenda até às traseiras, onde havia um jardim murado. Pensou em entrar mas não conseguiu ultrapassá-lo. Espreitou por uma janela e pareceu-lhe que não havia ninguém. Voltou ao carro, com um ar desiludido.
- Então Joaquim, se bem te conheço, vejo-te com ar de derrotado.
- Acompanha o meu raciocínio, Rosalinda. Idalina procurou-nos para nos encarregar do desaparecimento do seu marido, chamado Ernesto. Nas nossas investigações descobrimos esse Ernesto a fazer transporte de embrulhos entre esta casa e uma empresa de import/export, onde trabalhava a Idalina, e que temos estado a investigar. Interroguei o Ernesto junto a esta vivenda, que disse ser a sua nova morada. Agora quando nos procurou deu outra versão que parece mais próxima do que aqui acontecia. Hoje fiquei com a convicção que está abandonada. Pelo que observei não vejo qualquer réstia de presença humana. Que achas?
- Acho que faz sentido. E que fazemos?
- Que fazemos? É quase hora de almoço. Como também sou terra a terra, vamos comer ao João Padeiro.

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« Última modificação: Janeiro 17, 2021, 20:13:17 por Nação Valente » Registado
Maria Gabriela de Sá
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« Responder #76 em: Janeiro 18, 2021, 00:20:04 »

E continuando...
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Dizem de mim que talvez valha a pena conhecer-me.
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outono


« Responder #77 em: Janeiro 18, 2021, 20:06:07 »

XXVIII

Como homem previdente Joaquim tinha marcado mesa. Naquele famoso restaurante de Cascais, não era fácil conseguir lugar, em cima da hora.- Acho que faz sentido. E que fazemos?
- Que fazemos? É quase hora de almoço. Como também sou terra a terra, vamos comer ao João Padeiro


Um empregado  conduziu-os à mesa reservada. Joaquim, como “bom garfo” e mais animado, disse para Rosalinda:

-Se não estou enganado, nunca tinhas vindo a este sítio. Também não vinha cá desde os anos setenta. Mas já que viemos para esta zona, matamos dois coelhos com uma cajadada, isto é aproveitamos para dar vida ao pecado da gula. A ementa é variada, mas eu sugiro-te o cabrito ao padeiro, uma especialidade de comer e chorar por mais.
-Aceito a tua sugestão.- disse Rosalinda -A experiência diz-me que as tuas escolhas, em gastronomia, são acertadas.
- Creio que não te vais arrepender. Eu nunca me arrependi de cá vir, quando as instalações eram outras. No outro local onde vinha em 1973, era frequentado por políticos e empresários. Nessa altura, houve um dia em que vim com amigos, e em que me arrependi. De tal modo que nunca mais voltei. E se não fosse ser desagradável para os companheiros, teria saído. Imaginas quem estava sentado numa mesa próxima?
- Como posso imaginar Joaquim? Nesse ano, era uma jovem que vivia num bairro popular com a minha mãe. Não frequentávamos lugares como este.

- Também não o frequentava regularmente. Frequentava, uma vez por outra, devido a algum evento especial, como foi, nesse dia, o aniversário do Carlão, então companheiro de quarto. Voltando às presenças que me perturbaram, eram pessoas com quem muita gente não gostaria de se cruzar. Tratava-se de três esbirros da polícia política que tinham estado ligados ao assassinato do general Delgado: Rosa Casaco Casimiro Monteiro, Agostinho Tienza. Cruzei-me com Casaco, quando estive preso na António Maria Cardoso. no ultimo ano de existência do regime, e nunca esqueci aquela cara.
O assassinato do General com a sua secretária aconteceu em Fevereiro de 1965, na região de Olivença. O julgamento dos culpados, incluindo Silva Pais e Barbieri Cardoso, que dirigiam a Pide, foi feito depois de Abril de 1974, por um tribunal militar, concretamente em 1978. Lembras-te desse julgamento, Rosalinda?
- Sim. Foi falado na comunicação social, mas passou-me ao lado. Não me interessava muito pela política. A minha participação resumia-se a um voto quando havia eleições. A escolha tinha uma componente influenciada pela simpatia, por esta ou aquela figura.-  concluiu Rosalinda, mais interessada no cabrito, do que naquela história.
- Durante o julgamento,- continuou Joaquim- e com base nos depoimentos dos implicados, surgiram versões contraditórias. Assumido o assassinato, notou-se a intenção de que este não estava previsto no plano traçado pela Pide, que consistiria numa operação designada “Outono” e que visava prender Delgado e julgá-lo como inimigo do Estado, como implicado no ataque ao quartel de Beja anos antes. A Operação Outono, consistiria em atrair o General a um encontro com oposicionistas, utilizando agentes infiltrados no grupo de apoio do General. O assassinato terá sido perpetrado por Casimiro Monteiro, que atirou sobre eles, à revelia do  queestava programado, segundo a versão de Rosa Casaco
O corpos colocados numa vala, e tapados com pedras e ramos junto de Villa Nueva del Fresno, foram descobertos por crianças meses mais tarde, identificados e autopsiados pela polícia espanhola. No seu relatório lê-se que Delgado foi morto à pancada, e que a sua secretária foi estrangulada. O disparo de tiros terá partido da pistola do General, quando percebeu que tinha caído numa armadilha. O regime, na altura, sacudiu a água do capote, e acusou a oposição dos crimes, numa luta entre grupos oposicionistas rivais.
Aquelas figuras sinistras que executaram a operação Outono, e que naquela noite estavam a comer neste restaurante, foram promovidos a seguir, tendo alguns ido para África. Continuaram a manter a cumplicidade num assassinato encomendado. Dos testemunhos recolhidos apurou-se que Salazar estaria ao corrente da operação, uma vez que a PIDE não desencadeava acções dessa envergadura, sem o seu conhecimento. Ficou por saber de quem partiu a ideia.

Hoje, passados muitos anos, aqui estou novamente, em boa companhia, e sem esbirros a tirar-me o prazer da mesa. Aprecio a paciência que tens para me ouvir, com assuntos que já são história. Mas considero importante que não a esqueçamos, para podermos estar neste e noutro lugar, sem medo de ser vigiados e de ser limitados na nossa liberdade. E não te esqueças, continua a haver gente dessa à nossa volta, que se deixarmos, nos voltam a oprimir.

Uma travessa fumegante, trazia o cabrito saído do forno. Joaquim atendeu o telemóvel.
--Estou? -  disse o detective.- Quem fala?
- Já não me conheces a voz, maganão? Sou o Malange.
- Malange? Como estás velho amigo, velho no sentido carinhoso. Espera…
- Rosalinda, começa a servir-te…
- Não me digas, Correia, que já arranjaste pendura.
-Tens razão Malanje, mas não é como tu pensas. Rosalinda é a minha secretária, e agora também colaboradora. Estamos em trabalho. E por aí como vão as coisas, carago? E o Contreras, também está bem?. Não te vou dizer que estou surpreendido. Estava a pensar em ti. Às vezes acredito na transmissão de pensamentos. Só não consigo intuir porque ligastes.
- Indo directo ao assunto, telefonei para te convidar, para um almoço de despedida. Chegou o meu tempo e o do Contreras de deixar a PJ. Somos da mesma idade. O Contreras tem andado um bocado em baixo…
- É do stress da saída?
-Qual stress da saída, qual carapuça. É porque a Elvira, a mulher, o deixou. Agora que é quase sexagenário, começou a andar por casas de alterne e meteu-se com uma lambisgoia. Adiante. Conto contigo aqui na invicta. E podes trazer a tua secretária.
- Não faltarei grande amigo. Terei muito gosto. Precisamos de pôr a conversa em dia. Agora vou ferrar o dente num cabrito à padeiro. És servido?
- Quem dera, Correia…Depois dou-te mais pormenores, sobre o evento.
-  Ora Rosalinda, obrigado por me teres servido. – disse Correia depois de ter desligado a chamada – Estive a falar com um companheiro da polícia, que está no Porto, e que vai aposentar-se. Com ele e Contreras, com quem tem feito equipa, fiz várias formações. Estamos convidados para a festa de despedida. Além disso, Malanje e Contreras, investigaram um caso de esfaqueamento na Régua. Os principais implicados fugiram para Angola, e eles tiveram contactos com a polícia angolana. Podem ser-nos úteis no caso de tráfico de meninas.
- E os acusados foram presos? – perguntou  Rosalinda, enquanto servia Joaquim.
- Não. A versão oficial da polícia, foi de que se mataram um ao outro. Mas Malanje disse-me que nunca acreditou que isso tivesse acontecido. Para ele não passou de uma manobra de políticos, para os proteger. Malanje considera que estão vivos, e continuam ligados a actividades criminosas. Obrigado Rosalinda, mais uma vez, por me servires. És uma mulher para quase todo o serviço. Vamos lá ao cabrito.
- Concordo, acentuando o quase.


Laura encontrou-se com Otília, a filha de Clotilde, a prostituta assassinada pelo “estripador”, para preparem o dossiê com as informações que foram reunindo, em informações dispersas por várias publicações. Tinha chegado a vez de JCorreia entrar em acção. O conhecimento que ele tinha do processo de investigação era fundamental. Decidiram convidá-lo para um encontro para analisarem a situação.

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« Última modificação: Janeiro 18, 2021, 20:11:55 por Nação Valente » Registado
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« Responder #78 em: Janeiro 18, 2021, 20:08:02 »

Bora lá que eu depois venho ler! Não me apetece lidar com políticos (e polícias)a esta hora, ainda que bem escritos por ti!
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« Responder #79 em: Janeiro 22, 2021, 19:55:01 »

XXIX
Laura encontrou-se com Otília, a filha de Clotilde, a prostituta assassinada pelo “estripador”, para preparem o dossiê com as informações que foram reunindo, em informações dispersas por várias publicações. Tinha chegado a vez de JCorreia entrar em acção. O conhecimento que ele tinha do processo de investigação era fundamental. Decidiram convidá-lo para um encontro para analisarem a situação.

Aida informou Otília, que nas suas pesquisas sobre o assassinato da sua mãe, tinha encontrado vários nomes de suspeitos, presentes nas investigações da PJ. A Falta de indícios e levou ao abandono dessas linhas de investigação. Mas poderia ser um ponto de partida para o trabalho de JCorreia. Aida pediu a Otília que recorresse às suas memórias, recuperando as lembranças que tinha, na altura em que o crime aconteceu. Otília ficou em silêncio durante algum tempo. Acendeu um cigarro, deu umas baforadas, respirou fundo, e começou o seu relato:
-Tinha seis anos. Recordo-me de brincar num local onde havia um poço, e de ter caído lá dentro, enquanto brincava em cima de uma tampa de madeira que o tapava e que se partiu. Fui retirada, mas as minhas lembranças, parece que ficaram dentro desse poço.
Voltou a recorrer ao cigarro, como se este rompesse a névoa que lhe escondia  esse passado. Continuou:
- Vejo-me a viver com a minha mãe numa pensão. Ficava muito tempo sozinha. Andava em roda livre. Passava o tempo na rua a brincar com outras crianças. Um dia veio uma ambulância. Levou a minha mãe com uma grande barriga. Quando voltou, trazia um bebé. Fui ensinada a cuidar dele e dava-lhe o biberão…
Aspirou mais fumo, e mostrou uma ligeira emoção.
- Mais tarde, não consigo temporizar, o meu pai veio buscar-me e levou-me a um funeral. Julgo que era o da minha mãe. Fiquei um tempo, também indefinido, com o meu pai. Quando lhe perguntava  pela minha mãe dizia “ a tua mãe morreu” sem explicações. A seguir deixei de ver o bebé, e eu fui entregue para adopção. É do que me lembro.
Olhou para Aida que continuava em silêncio.
- Para a minha nova “mãe” fui uma filha problemática. Era indisciplinada. Nunca tinha frequentado a escola, e não me adaptei à situação. Quando atingi a maioridade saí de casa e fiz-me à vida. Enrolei-me com um tipo que era toxicodependente e passei um mau bocado. Dei um passo em falso, mas corrigi. Encontrei um outro companheiro e refiz a minha vida.
- Essa criança foi minha afilhada como já te disse – afirmou Aida – e creio que também foi dada para adopção. Nada mais sei. Quanto a ti estive sempre a par do teu percurso. E foi assim que te recebi na minha fábrica, quando começaste a trabalhar.
- Quando cheguei à idade adulta, - continuou Otília - intuí que a minha mãe era a Clotilde, a prostituta assassinada. Pedi a minha certidão de nascimento, e a certidão de falecimento de Clotilde. Batia certo. Era a minha mãe.


O almoço reconciliou Joaquim com o João Padeiro. A qualidade de sempre, temperada pela boa companhia, e por uma reserva especial Colares. Como acontecia em condições especiais , o detective improvisado, mandou para as urtigas as recomendações médicas, e deu de beber às dores. Quando saíram do Restaurante, Joaquim olhou para o céu e pediu à Divina Providência que o dispensasse de soprar no balão. Mas Rosalinda não tinha carta de condução e teve de arriscar. Demorou duas horas a fazer a viagem de regresso. Tinha ganho o hábito de reduzir a velocidade na razão inversa do aumento de álcool no sangue. Até a sua acompanhante lhe perguntou porque ia tão devagar. Joaquim usando a concentração disponível na condução, e nas recordações, que continuava a viver, manteve o silêncio, e deu protagonismo a acontecimentos do passado.

Sem ainda ter conhecido o descapotável que agora o transportava, foi ali que chegou, para passar à disponibilidade, depois de ter regressado da comissão militar na Guiné. Depois de se despir da condição de militar foi para a sua aldeia. O seu avô, enviuvara uns meses antes. Mas a sua condição de viúvo começara anos atrás. Embora viva de corpo, a avó, já não existia há muito. Primeiro começou a esquecer-se de pôr temperos na comida, depois esqueceu-se de apagar o fogão, a seguir descuidou-se com tarefas rotineiras. Começou a perder a noção de família, e por fim esqueceu-se de si. Chamam-lhe  alzheimer.  Encontrou o avô triste e resignado. Sendo ele, pareceu-lhe que já era outro. Estava-se no mês de Outubro. Um dia disse: “Joaquim, vai ser a feira da vila”. Lembras-te? Claro avô, como me podia esquecer”. Há tempo que lá não vou”. Avô, -  disse Joaquim, adivinhando  o seu pensamento. – porque  não vamos lá?”
Foram. A feira, acompanhando as mudanças constantes da modernização, mantinha  as velhas tradições. As tendas, as pistas de carrinhos, os carrocéis, o circo. Assistimos a uma sessão. Ao contrário do passado, tinham-se invertido os papéis. Baltazar parecia ser o menino. Até a cigana que mostrava estar imune ao passar dos anos, lhes leu o destino nas linhas das mãos. Para Joaquim previu uma vida acidentada, e uma grande história de amor. Para Baltazar um fim de jornada angustiante. Banalidades, disse Joaquim na altura. As histórias de amor são comuns nas relações humanas. Qual o romance que não tem paixões no seu enredo. Nem os leitores as dispensam. As jornadas são uma constante ao longo da vida. Umas com melhor, outras com pior fim. Para tentar antecipar o que tempo revelaria, existiam as “ciganas” deste mundo.

A demorada viagem no MG, e a brisa marítima, absorveram o álcool  que povoava o corpo e a mente de Joaquim, que recuperou as condições para continuar o seu trabalho. Alimentou a gata Judite, o que o fez lembrar-se da gata dos telhados. Esperava ansioso pelo seu contacto. Telefonou para a empresa Figueira & Laranjeira. A resposta foi : “este número não está atribuído”
. A conclusão que Joaquim tirou resumiu-se a uma frase: “espantámos a caça”.
Dirigiu-se com Rosalinda para o seu apartamento, para informarem Ernesto que podia sair. As empresas a que estava ligado pareciam ter-se esfumado. Aperceberam-se de que as empresas que investigavam tinham desaparecido, talvez para renascer noutras circunstâncias. As provas estavam nas mãos de quem tinha colaborado com elas. . Para além disso não tinha nenhuma prova. Estava nas mãos de Ernesto, fazer a denúncia ou não, e seguir a sua vida, como entendesse.
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« Responder #80 em: Janeiro 23, 2021, 16:00:53 »

Quanta coisa se esfuma... convenientemente... Na ficção e na realidade.
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Novembro 12, 2019, 18:15:54
margarida, plenamente de acordo.
Novembro 11, 2019, 11:31:31
Bom dia. Se todos fizerem igual, não há comentários.
Novembro 09, 2019, 14:53:10
Oi Dionísio. Obrigado pelo teu comentário. Desculpa eu ser relapso a fazer muitos comentários. Evito-os, para não  louvar uns ou criticar outros. Prefiro ficar na minha, ficar no que me parece. O meu principio geral: escrever, quem lê lê, quem não lê não lê. Ponto. Leio poesia d'outros, m
Novembro 01, 2019, 14:41:40
Boa tarde  todos. Os que estão e os que virão.
Outubro 31, 2019, 14:58:38
Parabéns, Figas. Parabéns a todos os que lêem e que escrevem, parabéns a todos os que partilham escritas e comentários.
 
Outubro 10, 2019, 12:24:06
Bom dia. Hoje, andaei a pastar pelas 351 páginas da poesia e encontrei 32 poemas meus, milionários de leituras. com média de 1209 leituras cada. Obrigado a todos os meus contribuintes de lucros poéticos. FigasAbração, a todos. Nota: O Campeão é o Linguagem Decente, com 3692 leituras.Viva a D
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