Pedro Ventura
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« em: Agosto 12, 2008, 21:10:56 » |
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CapÃtulo primeiro
Depois de ano e meio de trabalho, de vinte e três espinhosos capÃtulos, de frases destruÃdas e reconstruÃdas, de parágrafos reestruturados, de dias infernalmente entediantes, desinspirados, de cinzeiros apinhados de priscas e garrafas de whisky que se iam esvaindo paulatinamente, surge finalmente a palavra FIM. Linda Figgins, uma escritora que fugira do mundo real para inventar o seu, findara o seu, literalmente, derradeiro romance. Há quinze anos que Linda Figgins abdicara da sua profissão de docente numa faculdade, onde leccionava psicologia, para se dedicar inteiramente à moldagem de palavras e à construção de novas vidas, de personagens, que coabitavam com ela sobre o mesmo tecto e lhe faziam companhia nas horas em que a solidão apertava o coração. E, para ela, foi a melhor opção da sua vida. Teve estrondoso sucesso nos seus primeiros romances, e, sozinha, apartada, refugiou-se numa casa junto à praia, onde adormecia ao som do marulhar das ondas que percorriam o vasto oceano, e morriam ali, quase a seus pés, como se cada uma delas lhe fizesse uma reverência. Da sua varanda, vislumbrava um pôr-do-sol, que jamais conseguiu descrever para o papel. Toda aquela harmonia era como uma bênção. E ela sabia-o. E foi com algum alÃvio, não por ter metas contratuais a cumprir, que telefonou ao seu agente e lhe deu a novidade. - Olá, George! - Tens novidades Linda? - Sim, finalmente está pronto. Amanhã mando-o pelo correio… - Estás feliz?! - Estou cansada George… Agora preciso de descansar durante uns tempos. - Sim, mas só depois de comemorarmos. Vou marcar um restaurante para logo e ligar aos nossos amigos… - Faz isso… - Ligo-te mais tarde. - Até logo George! Desligou, e moldou-se ao sofá durante umas horas. Depois de acordar da sesta, meteu os pés na areia fina e mergulhou no mar, nua. Ao sair, de corpo molhado e salgado, sentiu-se revigorada. Sentiu-se como nova. Bem mais nova. Para completar o quadro idÃlico, apenas faltava ali um homem que a amasse, que a enrodilhasse numa toalha, que a beijasse, e a fizesse olvidar os arrepios que lhe eriçavam os pêlos, provocados pela suave brisa que circulava no ar e que difundia o som das gaivotas pela praia.
CapÃtulo segundo
Linda Figgins tinha poucos amigos, e os que tinha, estavam agora sentados à volta da mesa, numa saudável e amistosa cavaqueira, entre tilintares de copos de vinho branco, lagosta e outros acepipes. O seu agente, George e a sua esposa Daisy, que trabalhava numa multinacional no ramo da informática, um casal de fotógrafos, Carla e Dave, Rob e Stephanie, ele artista plástico e ela bailarina. Estes eram os seus amigos mais chegados. E para ela, chegavam-lhe. Há muito que se deixara dos amigos de ocasião e oportunistas que a ela se lhe colavam, tal lapas em rochedos. A conversa girava em torno do novo livro de Linda Figgins. Afinal de contas, tinha sido esse o pretexto para a reunião. - Que expectativas tens para este livro? – pergunta-lhe George, que era o mais interessado, pelas óbvias razões. Digamos que, o seu salário também dependia da criação da sua amiga. - Sabes, George, nesta altura já não tenho de provar nada a ninguém se não a mim mesma… - Mas deves ter uma opinião, em relação a tudo o que já escreveste?!... - A receita é mais ou menos como as demais… O amor, a traição, a morte, são os ingredientes que sempre usei para essa receita, e que sempre deram frutos. - E o tÃtulo? Já te decidiste? - Isso não vai ser tão trabalhoso, como foi escrevê-lo. - Sim, espero que não… – George, sorri – Um brinde à nossa best-seller! – propôs. Todos se levantaram e brindaram efusivamente. O restaurante já tinha fechado há algum tempo e o empregado serviu, e avisou, que era a última rodada que vinha para a mesa. Linda sentia-se já um pouco ébria e, de chofre, levanta-se. - Vou ter de ir. Acho que por hoje chega de festejos. - Fica mais um pouco – diz, George. - Os empregados querem fechar o restaurante… E eu preciso de descansar. - Não sejas piegas, Linda! - Acho que já bebeste a tua conta George. Vai para casa! – retorque-lhe Linda. - Sim, acho que a Linda tem razão. Já bebeste a tua conta – diz-lhe Daisy, sua esposa. Com isto, acabaram por sair todos ao mesmo tempo. Imprevisivelmente, sem que o dia tivesse dado mostras disso, na rua chovia. Linda chegou a casa, ligou a televisão para simular companhia, e deixou-se ali ficar até que lhe tocaram à campainha. Estremunhada, dirige-se à porta, a pensar que era George. Para sua estupefacção, não era.
CapÃtulo último
Linda Figgins deparou-se com um homem à sua frente. Um homem bem parecido, de olhos claros e corpo robusto. Indumentava uns jeans, uma t-shirt branca e molhada, que se lhe colava ao corpo. Linda, pensou de imediato que aquela cara lhe era familiar, mas afastou aquele pensamento. - Boa noite! – disse o homem. - Boa noite! – balbuciou Linda, um pouco assustada – Quem é você? Que quer a estas horas? - Se me convidar para entrar, talvez consiga saber quem eu sou. Está a chover… - Sim, você parece que saiu de um naufrágio. Entre, para se secar – disse-lhe por fim. - Não se assuste que não lhe vou fazer mal. - Não?! Até prova em contrário… Linda foi-lhe buscar uma toalha e convidou-o a tirar a t-shirt. Com certo à -vontade, como se tivesse em casa, foi o que fez. - Aceita um whisky, para aquecer o corpo? - Se não a maçar… Já agora, o meu nome é Jack Hamilton. - Jack Hamilton?!! Não posso crer! - Sim, é esse o meu nome, e foi você que me inventou. Sou a personagem principal do seu último livro. Linda estava estupefacta, todavia curiosa com o desenrolar da situação. - Como é possÃvel?! - Nesta vida tudo é possÃvel… - Mas você é uma personagem inventada e totalmente ambÃgua. É o bom samaritano e o vilão, ao mesmo tempo. - Sim, eu sei. - E vem em que condição? Como bom samaritano ou como vilão? - Essa imprevisibilidade também é criação sua. Linda sempre concebeu as suas personagens masculinas, como se fossem os seus próprios amantes. Tinha-os todos na mente, as curvas dos seus corpos, a cor dos seus cabelos, como se tivesse mantido com eles uma relação muito próxima. Transportava para os livros os seus mais Ãntimos desejos. E agora, deparava-se ali com Jack Hamilton, a personagem que lhe roubara tanto tempo a criar e por quem se apaixonara assolapadamente. E, diga-se de passagem, que estava feliz com sua criação. Tão feliz, que acabava de o beijar, como se testasse a sua lucidez. Era na verdade um homem em carne e osso que ali estava. Um homem que a deixara pejada de desejo, que a jogara para o chão, a quem ofereceu fervorosamente o seu corpo, e por quem se deixou morrer com um tiro certeiro. E agora, o seu corpo estava ali na areia da praia, à espera que o mar se elevasse e o arrastasse para as suas profundezas. Com ele, iriam ancoradas todas as personagens e sonhos daquela mulher. O derradeiro livro de Linda Figgins, esteve meses a fio, no primeiro lugar do top de vendas.
FIM
2007
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