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Autor Tópico: Do Rock - Crazy Horse  (Lida 1872 vezes)
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marcopintoc
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« em: Agosto 20, 2008, 01:01:20 »

O canto do olho do Jorge Passado , meu companheiro de drogas e festivais , chamou-me  para uma conferência das opções possíveis de subida aos céus em virtude das más condições climatéricas. Disse assim:
- Foda , pá , foda.se, pá . Pá, está a chover como a merda . Então pá? O que damos pá ?  (uma generosa linha de branca antes de sairmos do carro era o motivo para o atabalhoamento do seu discurso)
A minha sinusite impediu-me sempre de desfrutar a plenitude dos prazeres da senhora branca pelo que me encontrava menos afectado que o meu compincha. Apelei ao bom senso:
- Temos que meter as trips ,pá ! Já viste o que chove ? Fazer ganzas ? – Jorge acenou que não – Fazer um risco ? . Jorge discordou:
- Fica tudo em papas – depois levantou a cabeça numa pergunta que era a esperança de muita alucinação naqueles olhos dementes. Eu tinha a resposta:
- As trips pá . Vamos ver os cotas com cores bonitas! – O convite agradou a Jorge Passado. Eu não imaginava a barbaridade que estava a dizer. Tomei a pastilha cerca de trinta minutos antes do início da maior tareia de rock n’roll que apanhei.
Quando Neil Young e os Crazy Horse subiram ao palco chovia copiosamente, os homens com rugas feitas de noites de guitarra  ,bateria e baixo  olharam as grossas gotas com desprezo . Um subiu a gola do casaco mas as mãos rudes e calejadas de eternas horas a dar no bordão da guitarra baixo não hesitaram um segundo. Tinha um trabalho a fazer. Quando a banda encarou a plateia, o grande lamaçal de Vilar de Mouros, havia o brilho de sexo , de drogas e de muita veteranice das coisas do rock. Quando as guitarras entraram Neil Young arrancou um solo que parecia dizer à borrasca que se aguentasse que agora era a hora da  eucaristia do deus dos roqueiros .Um frenesim percorreu a multidão , algo mais subtil que a histeria das entradas das bandas de sucesso comercial, um “ummm”, as cabeças a abanar ligeiramente , os pés a acompanhar o bombo. Olhei em volta, nesse momento o ácido era uma parte de pleno direito da minha corrente sanguínea pelo que ganhei aquele voyeurismo que caracteriza a viagem. Sondei com olhos plenos de relâmpagos de luz o terreiro fértil de gritos de insubordinação e grandes noites de música. Vi algumas caras conhecidas. Um dos Xutos , um antigo traficante de cavalo lá da minha terra , três tipas que gostaria de ter na minha tenda ao final da noite , um maluco que costumo ver em todos os concertos onde as guitarras são rainhas. Todos os olhares estavam siderados nos homens sobre o palco. Havia um certo drama no ar, como se no imaginário colectivo a chuva incessante fizesse que o guitarrista, dedos rápidos e alma fundida com o instrumento, arriscasse a electrocussão num duelo entre o trovão eminente e a distorção habilmente trabalhada pelo “slide”.
Quando o tema terminou o público aplaudiu com vigor. A banda apenas agradeceu com um acenar de cabeças, como quem agradece uma imperial e arrancou logo para o tema seguinte. O baixo e bateria malharam um ritmo bem marcado até o líder da banda, o canadiano Neil Young , uma lenda viva do rock , acabar de beber o que me pareceu ser cerveja e arrancar ao breu da noite as almas dos que assistiam ao seu espectáculo. De olhos fechados, à beira do palco , a catadupa a escorrer pelo corpo da Fender Stratocaster , as cordas a brilhar , um caleidoscópio feito de notas distorcidas  , a aura do grande solo. A cabeça para trás, o cabelo longo mas já sem glória, escorrido da água de Vilar de Mouros. O transe; o dele, o meu.
No lamaçal as brumas de setenta e um misturaram-se com os ácidos de Woodstock e a branca refinada e barata dos dias presentes. No centro de uma poça de água dançava uma mulher, ainda jovem , firmeza no seu busto exposto , os longos cabelos negros eram cataratas de ocultação do seus seios generosos, uma tatuagem de escorpião junto à cintura. Estendeu um braço ao homem à beira do palco. Ele viu-a.
Eu estava agora mais próximo, do palco e da jovem que chamava o velho músico. Havia algo prestes a acontecer. O ácido permitiu-me um ínfimo detalhe na minha observação. Que algum deus abençoe os engenheiros das boas químicas. Procurei nos olhos de Neil Young , um sorriso de desafio rasgou assimetricamente a boca onde os dentes conhecem o sabor de todos os fumos do mundo . Desafio. Havia um desafio feito no gesto daquela mulher de mamas ao léu que apelou a algo. Não era luxúria, era algo que aquele homem conhecia bem. Milhares de palcos, noites e noites perante multidões, trazem um carisma a alguns homens. O que sucedeu foi, no meu psicadélico entender , a honra do overdrive , o momento em que o rock se torna duro e a luxúria é ejaculada na forma de uma sequencia de cordas, torturadas ao limite  , uma palheta que se assemelha a uma língua sobre a vulva, o cilindro metálico no dedo médio deslizava ao longo do braço da guitarra ; o efeito era óbvio. Ela reagiu ao homem de pernas abertas, instrumento extensão de si mesmo; a cabeça atirada para trás, a chicotada da longa cabeleira encharcada nas costas, todo o esplendor revelado; os meus olhos feitos microscópio vislumbraram o enrijecer dos mamilos perante a chuva e a música. Aquele solo era dela, aquela visão era dele.
Com um sorriso e um piscar de olho o musico voltou ao microfone, uma manta cobriu a nudez da rapariga. As palavras falavam sobre uma rapariga de canela. Olhei-a de novo, de facto o sol havia criado na sua tez o dourado apetitoso da especiaria.

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Marco Pinto Correia

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Goreti Dias
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« Responder #1 em: Agosto 20, 2008, 10:05:03 »

Descrições assombrosas de realce e pormenor! Fantástico!
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Goretidias

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britoribeiro
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« Responder #2 em: Agosto 21, 2008, 13:13:08 »

2001, estive lá. Neil Young, Ben Harper, Xutos e Megadeth.
Fantasticas descrições. Parabens!

Abraço
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Laura
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« Responder #3 em: Agosto 21, 2008, 20:57:17 »

Proporcionou-nos aqui uma bela cena de sexo quase tântrico. Gostei particularmente do pormenor dos olhos feitos microscópio e da tatuagem do escorpião…
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marcopintoc
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« Responder #4 em: Agosto 22, 2008, 22:41:05 »

Caros(as) Amigos(as)

Grato pelas vossas leituras e comentários a  este primeiro texto de uma série de crónicas que decidi escrever sobre uma das minhas paixões que é o rock . Tenho anotado ao longo dos anos , quer por experiência própria quer por relato de terceiros , variadas histórias , momentos ou simples banalidades sobre eventos onde as guitarras são rainhas.
Abraço
Marco

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um abraço para a administração, para quem dinamiza este espaço, seja como escritor, como leitor, como comentador.
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margarida, plenamente de acordo.
Novembro 11, 2019, 11:31:31
Bom dia. Se todos fizerem igual, não há comentários.
Novembro 09, 2019, 14:53:10
Oi Dionísio. Obrigado pelo teu comentário. Desculpa eu ser relapso a fazer muitos comentários. Evito-os, para não  louvar uns ou criticar outros. Prefiro ficar na minha, ficar no que me parece. O meu principio geral: escrever, quem lê lê, quem não lê não lê. Ponto. Leio poesia d'outros, m
Novembro 01, 2019, 14:41:40
Boa tarde  todos. Os que estão e os que virão.
Outubro 31, 2019, 14:58:38
Parabéns, Figas. Parabéns a todos os que lêem e que escrevem, parabéns a todos os que partilham escritas e comentários.
 
Outubro 10, 2019, 12:24:06
Bom dia. Hoje, andaei a pastar pelas 351 páginas da poesia e encontrei 32 poemas meus, milionários de leituras. com média de 1209 leituras cada. Obrigado a todos os meus contribuintes de lucros poéticos. FigasAbração, a todos. Nota: O Campeão é o Linguagem Decente, com 3692 leituras.Viva a D
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Olá para todos! Boas histórias e boas escritas!
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Bom dia!
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Boa tarde. Hoje, apeteceu-me saudar todos os que aqui tentam pôr arte na pena. Figasabraço
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Olá! Boa leitura e boa escrita para todos!
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Boa escrita e boa leitura para todos!
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Boas leituras e boas escritas para todos!
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Olá para todos!
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Boas Festas.
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Claro que sim, Mateus. Vamos lá puxar pelos neurónios?
Novembro 01, 2018, 18:36:27
Olá para todos!
Novembro 01, 2018, 15:51:21
A ideia com que fiquei em conversas, era a de que se pretendia fazer, uma sequela do "esfaqueador". Agora estou baralhado.
Outubro 31, 2018, 18:31:48
Temos um tópico em aberto "sem título". Podem entrar. A ideia é fazer algo ao jeito do Esfaqueador da Régua. Estão convidados!
Setembro 12, 2018, 14:34:00
Esfaqueador da Régua, aqui nascido, terá o seu lançamento na Feira do livro do Porto, dia 21 de Setembro.
Julho 04, 2018, 13:54:05
Bom dia.
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