Como as nuvens... (Guacira maciel)

[Guacira]

O processo de mudança do ser humano rumo ao crescimento não é parecido apenas com o das pedras das nascentes dos rios, que perdem suas arestas no necessário atrito com as outras até se tornarem brilhantes e com tão suaves e arredondados contornos que ofereçam a condição de rolarem por aquele leito em direção ao seu destino inevitável.
Deitada na areia da praia na Pedra do Sal, silenciosa naquela manhã, só conseguia perceber o rugir das enfurecidas ondas que finalizavam carícias debaixo do meu corpo quase adormecido sob esse efeito; divaguei e vaguei pelo azul acima de mim... De repente encontrava-me só, coberta pelo aconchego daquela enorme cúpula, tendo à minha frente a linha do horizonte que delineava a perfeita curvatura da terra, sem ter um único obstáculo que corrompesse aquela perfeição. Esse momento de sintonia com a natureza me deixou em quase êxtase; como não observara isso antes?
Ai comecei a pensar que também aprendemos com as nuvens a adquirir a necessária leveza; observei que em sua caminhada pela abóbada celeste elas vão, pouco a pouco, perdendo a densidade que as torna pesadas, escuras e sem brilho. Naquela manhã, como se tivesse sido encenando só pra mim, o espetáculo que presenciara parecera destinado a me ensinar uma lição e tive certeza que aquela caminhada obedecera a a uma estranha e proposital coreografia, plena de movimentos e de ritmos, como se houvesse ali um destino a ser cumprido; nada me parecera aleatório.
À medida que se movimentavam e convergiam para um espaço mais amplo onde pareciam se sentir mais livres e plenas ao aconchego quase morno de um sol de inverno, iam se despindo, aliviadas, daquela densidade anterior como se fossem vestes andrajosas e pequenas, que impediam seus movimentos, e tornando-se suavemente claras, translúcidas e brilhantes, até alcançarem uma transparência que lembrava o suave esgarçar da fina gaze, me permitindo ver um inacreditável céu azul... Voltei e me indaguei se aquilo teria sido uma cilada da minha imaginação ou se, apenas, me mostrara sempre tão indiferente que aquela demonstração especial da natureza, me fizera acordar...
Nesse momento, não pude me furtar de fazer uma reflexão sobre o processo do nosso inevitável crescimento referido no início, por entender que temos um compromisso com a Criação; o de buscar formas de nos relacionar, afetando e nos deixando afetar para que se cumpra essa finalidade, uma vez que entendo ser esse o sentido da vida; essa a  razão ultima: nos tornarmos seres tão mais puros, que consigamos encontrar a leveza necessária para o reencontro final.

[Dionísio Dinis]

Belíssima mensagem plena de espiritualidade e servida com palavras mui valorosas!Gostei muito.Muito mesmo!

[Goreti Dias]

Um sentido para a vida, um belo texto!
Bjs

[Laura]

Ao ler isto, querida Guacira, lembrei-me das palavras de Herman Hesse (em Sidharta): «A maior parte das pessoas são como uma folha que cai, que flutua ao vento, que hesita e que cai no chão. Mas há outros, poucos, que são como estrelas, que seguem um rumo firme, nenhum vento os afecta, têm dentro de si as suas leis e o seu rumo». E por vezes, descobrimos isso a nosso respeito, simplesmente a observar as nuvens.
Abraço,
Laura

[Guacira]

Boa tarde, meus caros...

Obrigada, Conceição; obrigada Dionísio; obrigada Laura e Goreti. Seus comentários sempre me acrescentam.
Um beijinho a todos.
Guacira.

[Aleph]

Olá,

Gostei deste texto. Muito introspectivo. Transbordante de esperança, de gosto pela vida e de sensibilidade. Parabéns.

Aleph

[Guacira]

Olá, Aleph,

muito obrigada por seu comentário ao meu texto e pela forma como o compreendeu.
Um abraço,

Guacira.

[britoribeiro]

Belo texto, muito reflexivo. A natureza ensina-nos, mas é preciso que queiramos aprender, o que nem sempre acontece. Somos nós, humanos, que quebramos invariavelmente esse sentido de vida, a pureza.

Abraço

[Guacira]

Bom dia, Britoribeiro!...

Obrigada por seu comentário; realmente, a natureza está continuamente disposta a nos mostrar suas questões e as evidências de uma unidade, em que se pode aprender e crescer...mas, como diz, é preciso parar para observar isso...
Um abraço,
Guacira.

[Djabal]

Uma cena perfeita, uma intuição profunda da nossa posição diante do universo, que somos influenciáveis e também influência de tudo que nos cerca. Esse sensação de pertença nos deixa menos angustiados diante dos estilhaços a que fomos reduzidos com o passar do tempo. Como fabricantes de coisas, colecionadores de objetos, não tivemos mais tempo ou interesse para apreciar um espetáculo como esse.
Uma ótima lembrança, profunda reflexão, uma antevisão do caminho que não pode ser denominado pois corre o risco de se desfazer como aquelas nuvens. Felicidades sempre.