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Autor Tópico: O ano da morte de Ricardo Reis  (Lida 10135 vezes)
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Tim_booth
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« em: Setembro 20, 2008, 16:34:18 »

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(...) este Tejo que não corre pela minha aldeia, o Tejo que corre pela minha aldeia chama-se Douro, por isso, por não ter o mesmo nome, é que o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
- José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis



Estou, em completa honestidade, há já largos minutos sem saber o que escrever à cerca de O ano da morte de Ricardo Reis. Não que não haja nada para dizer, não que o livro seja linear, não para obedecer àquele adágio "se não tens nada de bom para dizer não digas nada", nada disso. É precisamente o oposto: este livro é tão esmagador em todos os sentidos possíveis, que para além de boquiaberto, colado às suas páginas e imerso no Portugal dos anos 30, Saramago deixou-me sem palavras, roubou-mas todas, às poucas que ainda consigo juntar em condições, e usou-as numa obra magnífica.

Começando pelo princípio, pelo conceito genial que está por trás deste livro, um homem que não existiu a não ser por outro materializar-se após a morte do primeiro. Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, regressa à pátria de onde voluntariamente se exilou por ser monárquico, segundo o seu biógrafo e criador, assim que soube da notícia da morte prematura do poeta de Orpheu, através de um telegrama do seu amigo Ãlvaro de Campos que parte para Glasgow, quem sabe para resumir as suas funções de engenheiro naval até ser também levado pelo braço frio da morte.

Ricardo Reis regressa então a Lisboa, ele que é filho da Invicta cidade, e, através dos seus olhos, ficamos a conhecer a realidade (ou a realidade permitida nos jornais) da Europa num dos mais conturbados períodos da sua história. Ganha forças em Itália il Dulce, as camisas castanhas alemãs são exemplo para todas as ditaduras do velho continente, em Espanha revolução bolchevique e contra-revolução fascista é assunto vital para a nação Lusa que se auto-intitula na impressa como o exemplo a seguir, prosperidade sob a mão forte e suave de Salazar, salvador da pátria.

Ricardo Reis assiste a tudo da mesma maneira que sempre viveu, como um espectador que vê passar o rio e nele vê espelhado a sua vida com Lídia, como nas suas odes, que aqui é a empregada de quarto do Hotel Bragança. Coicidência de nome apenas, segundo o próprio. No Hotel Bragança, onde Ricardo Reis viveu durante três meses antes de assentar residência no alto de Santa Catarina conhecemos também Salvador gerente, Pimenta paquete, o empregado de mesa Rámon e os outros hóspedes mensais, Marcenda e o seu pai o Doutor Sampaio.

Ricardo Reis tem ainda a visita mais ou menos regular do seu único amigo, morto que esteja, Fernando Pessoa segundo o qual, tal como no nascimento, a morte tem um período de incubação de nove meses, sendo o poeta livre de passear pelas ruas enquanto não se esquecer do mundo.

Nada mais há a dizer à cerca da escrita de Saramago. Tudo o que eu pudesse escrever era e sempre será insignificante aos pés do grande senhor da literatura portuguesa. Pelo contrário, muito há a dizer sobre este livro, mas não me sinto digno ou capaz de o fazer, apenas de o recomendar. Se neste humilde blog fizesse como o José Mário Silva e atribuísse notas aos livros sobre os quais escrevo, O ano da morte de Ricardo Reis era um indiscutível 10.

Atrevo-me ainda a referir pequenos aspectos deliciosos da história? Atrevo-me sim. Como poderia ignorar a mão morta de desgosto de Marcenda, que apenas existe como um peso, talvez como o próprio Ricardo Reis existe após a morte de Fernando Pessoa? E o hábito de encher um copo de vinho para um convidado invisível que o poeta tem quando janta em casas de repasto? E o trágico final, que não me atrevo a revelar embora da história faça parte, dos marinheiros do Afonso de Albuquerque? São tantos e tão geniais os pequenos pedaços desta história que parece não ter sentido, que não tem enredo mais que uns quantos amores e encontros do poeta imaginado, que é fútil da minha parte tentar enumerá-los e tentando fazer mais do que isso, tentar explicar a genialidade por trás deles. Esse é um trabalho que apenas a Saramago cabe.

Apenas posso dizer o que senti quando li este livro, e mesmo isso sendo já dizer de mais, sem saber como entristeceu-me pela solidão, revoltou-me pela história, divertiu-me pelas personagens caricatas eternas, apaixonou-me pelas relações intensas, espicaçou-me a mergulhar ainda mais em todos os Pessoa e mais que tudo, marcou-me bem fundo para sempre, como um dos melhores livros que alguma vez vivi.

Levo, como Ricardo Reis e o seu God of the Labirynth acidentalmente furtado, este livro para o resto da minha vida com a certeza de que por várias vezes o voltarei a folhear.

Escrito originalmente aqui.
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« Responder #1 em: Setembro 20, 2008, 17:56:00 »

Obrigado eu pelo comentário Dite!

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« Responder #2 em: Setembro 20, 2008, 18:26:28 »

José Saramago e está tudo dito! Mais um livro a não perder, intenso e profundo!
Estás um especialista em Saramago! Para quando um comentário ao livro "intermitências da morte"? Um livro simplesmente colossal
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« Responder #3 em: Setembro 20, 2008, 18:44:07 »

Goreti, o "Intermitências da Morte" ainda não li, mas está na minha lista, juntamente com o "Ensaio sobre a cegueira", serão os próximos que vou ler dele.

Dite, essa palavra soa a algo que possas ler no "Nenhum Olhar", até tem um som giro.

Especialista é difícil, mas fã incondicional é mais verdadeiro. Smiley

Obrigado pelos comentários.

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« Responder #4 em: Setembro 20, 2008, 19:24:46 »

É um belo livro, vale a pena!
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Teresinha Ferraz
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« Responder #5 em: Setembro 21, 2008, 12:12:46 »

ai, esta tua magnifica descrição sobre o livro 'o ano da morte de Ricardo Reis' ainda mais curiosidade me deu em lê-lo! Já à bastante tempo que ando a folhear as páginas com uma imensa vontade de me mergulhar nele, mas por algum motivo que a mim me escapa, nunca o fiz...
Mas é desta :p ahah
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« Responder #6 em: Setembro 21, 2008, 13:14:41 »

Lê-o, não te vais arrepender Teresinha!

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elvira
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« Responder #7 em: Setembro 23, 2008, 18:28:25 »

Olá Tim, aprendi a gostar de saramago por influência do meu marido, já li vários livros desse autor mas o que mais me marcou foi o ênsaio sobre a cegueira. Gosto de ler as suas críticas literárias. Quando ler o ênsaio gostava que o comentasse.Vou gostar de o conhecer. bj Elvira
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« Responder #8 em: Setembro 23, 2008, 18:38:05 »

Olá Elvira, curiosamente "O ensaio sobre a cegueira" é o que estou a ler neste momento. Provavelmente ainda antes do fim desta semana terei escrevinhado qualquer coisa sobre ele. Posso adiantar que para já apenas o vocábulo "UAU" me ocorre. Fico contente por acompanhar as minhas críticas, se assim se podem chamar, acho que têm mais tendência para elogio - salvo duas honrosas excepções.
Saramago, tal como para muitos, foi um autor com quem tive uma relação inicial difícil. Comecei a tentar lê-lo ainda (muito) jovem com o "Memorial do Convento", quando não estava habituado a algo que fugisse à normalidade e não consegui. Mais tarde, por obrigações académicas, li-o tomando-lhe um certo gosto que ainda não tinha desabrochado completamente. Este ano reli por novas obrigações académicas e não consegui parar: a mesma obra que anos antes me tinha levado meses a acabar, "O Memorial do Convento", li-a em três dias. Depois disso já foram mais três, incluindo este último que estou a ler agora; tenho planos para ler ainda este ano pelo menos "As intermitências da Morte", "O ensaio sobre a Lucidez" e talvez um dos seus mais recentes, "O Homem Duplicado" ou o que sairá em Novembro, "A Viagem do Elefante". É mais do que justo dizer que Saramago se transformou no meu autor favorito. Ãdolo é até mais apropriado.

Pior para mim, agora tenho a fasquia num sítio a que a minha escrita nunca vai chegar.

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elvira
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« Responder #9 em: Setembro 24, 2008, 12:35:52 »

Olá Tim, a mim tambem me aconteceu algo parecido com o Envegelho, não conseguia lê-lo, dai nasceu um grande debate entre mim e o meu marido, e se quiz argumentar tive mesmo que o ler. para o meu marido os três autores que menciona tambem são os seus preferidos, e sendo tambem ele autor (com vàrios livros piblicados, portanto conhecedor da boa literatura, tive que me render ás ividências,e de facto Saramago é maior entre os maiores.Não vou comentar nada sobre a cegueira, vou esperar que o leia, para depois anlisar o seu ponto de vista.Acho que vai gostar de falar com o meu marido, pois para ele, o mundo devia ser uma enorme biblioteca.Gostei do seu comentário.Bj Elvir
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« Responder #10 em: Setembro 24, 2008, 18:01:30 »

Olá Elvira!

Também eu já passei por discussões semelhantes mas já deste lado da barricada. Uma vez apresentei estava a convencer a minha namorada porque é que a frase que abre o "As Intermitências da Morte"
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No dia seguinte ninguém morreu.
é de puro génio - lá chegarei quando analisar a obra toda.
O seu marido terá escrito algo que eu tenha lido? Mais um tema de conversa entre nós certamente. Não faltaram naquele fantástico encontro!

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Laura
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« Responder #11 em: Setembro 24, 2008, 23:11:28 »

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Uma vez apresentei estava a convencer a minha namorada porque é que a frase que abre o "As Intermitências da Morte"
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No dia seguinte ninguém morreu.
é de puro génio

E a nós, não explicas?

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Pior para mim, agora tenho a fasquia num sítio a que a minha escrita nunca vai chegar.

Nunca se sabe... ler os mestres com tanta paixão é sempre um bom princípio. E depois, ter o fòlego necessário para correr a maratona.
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« Responder #12 em: Setembro 25, 2008, 08:43:25 »

Claro que explico Laura, mas só quando analisar a obra toda. Mas está prometido.

Quanto ao resto, nunca tive muita resistência aeróbica...

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elvira
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« Responder #13 em: Setembro 25, 2008, 12:35:26 »

Olá Tim, não sei se já leu  na Andadura Do Tempo, livro patrocinado pelo instituto Português do Livro,  publicado pela Campo das Letras em 1997, e reeditado pela Artescrita. Postigo Cerrado Romance Publicado pelo Circulo de Leitores,Contos com Bicho infanto- Juvenil, Pub na Gaia Livro, 50 anos de História 1957-2007 AIMMAP,Cinco Enterros do João com mais 4 autores, e algumas biografias.O autor chama-se Vitor da Rocha, não sei se já ouviu falar. Mas uma certeza eu tenho, se começarem a falar de livros nunca mais ninguem os cala. Vou gostar de o conhecer.Bj Elvira   
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« Responder #14 em: Setembro 25, 2008, 18:53:11 »

Olá Elvira,

Ainda não tive oportunidade de ler nada, mas agora que me deu ao conhecimento, fá-lo-ei certamente. Vamos ter conversas muito interessantes, sem dúvida!

Cheers
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Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
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Olá! Boas leituras e boas escritas!
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Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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Boa tarde a todos.
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