Manoel de Barros- Meu Poeta Preferido

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Nina Araujo:
Da Gratuidade das Aves e dos Lírios


Louvo a ciência
Por seus benefícios a humanidade
Mas não concordo que a ciência
Não se aplica a produzir
Encantamentos
Por que não medir por exemplo
A extensão do exílio das cigarras
Por que não medir a relação de amor
Que os pássaros tm com a brisa da manhã?
Por que não medir a amorosa
Penetração da chuva no dentro da terra?
Eu queria aprofundar o que não sei,
Como fazem os cientistas,
Mas so na área de encantamentos.
Queria que um ferrolho fechasse o meu silencio
Para eu sentir melhor as coisas increadas
Queria ouvir as conchas
Quando elas se desprendem da existência
Queria descobrir por que os pássaros
Escolhem a amplidão para viver,
Enquanto os homens escolhem
Ficar encerrados em suas paredes?
Sou leso em tratagem com maquinas;
Mas inventei, para meu gasto,
Um Aferidor de Encantamentos.
Queria medir o encantamento
Que existe nas coisas sem importância
Eu descobri que o sol, o mar, as arvores
São mais enriquecidos pelos pássaros
Do que pelos homens
Eu descobri com o meu Aferidor de Encantamentos,
Que as violetas e as rosas e as acácias,
São mais filiadas dos pássaros
Do que os cientistas
Porque eu entendo, desde a minha pobre percepção
Que o vencedor no fim das contas
`E aquele que atinge
O inútil dos pássaros e dos lírios do campo
Ah, que essas palavras gratuitas possam servir
De abrigo para todos os pássaros do Brasil.



Manoel de Barros

Goreti Dias:
Ficaremos fãs deste poeta também!
Abraço

Nina Araujo:
Goreti, então mandarei mais esta...

Prefiro as máquinas


Prefiro as máquinas que servem para não funcionar:
quando cheias de areia de formiga e musgo - elas
podem um dia milagrar de flores.

(Os objetos sem função têm muito apego pelo abandono.)

Também as latrinas desprezadas que servem para ter
grilos dentro - elas podem um dia milagrar violetas.

(Eu sou beato em violetas.)

Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam a Deus.
Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!

(O abandono me protege.)


Manoel de Barros

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Uma Dialéctica da Invenção

 
I
 
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
 
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas
tem devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua exist6encia num
fagote tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre dois
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que humedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.
 

II
Desinventar objectos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begónia. Ou uma gravanha.


III
Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.


IV
 No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite.
E um sapo engole as auroras.
 
 
VII
 No descomeço era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que á a voz de fazer
nascimentos-
O verbo tem que pegar delírio.
 

XIX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás
de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
 
 
XXI
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais ou
no Viterbo -
A fim de consertar a minha ignorância,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
ou no verso das folhinhas:
Conhece-te a ti mesmo.
ou na boca do povinho:
Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
Etc
Etc
Etc
Maior que o infinito é a encomenda.
 

XIV
Poesia é voar fora da asa.

Manoel de Barros



In “O Livro das Ignorâncas” - 6ª ed.
- Rio de Janeiro, Editora Record, 1998





Laura:
Nina, fiquei fã... amei, amei esse poeta...

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Prefiro as máquinas que servem para não funcionar:
quando cheias de areia de formiga e musgo - elas
podem um dia milagrar de flores.

(Os objetos sem função têm muito apego pelo abandono.)

Também as latrinas desprezadas que servem para ter
grilos dentro - elas podem um dia milagrar violetas.

(Eu sou beato em violetas.)

Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam a Deus.
Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!

(O abandono me protege.)



Abraço,
Laura

Goreti Dias:
Obrigada por mais este belo exemplar de poesia!
Bj

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