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Autor Tópico: o apocalipse dos trabalhadores  (Lida 6539 vezes)
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Tim_booth
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Queria escrever à velocidade com que penso.


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« em: Outubro 13, 2008, 22:56:51 »

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depois a quitéria ria-se. estamos fodidas, dizia. estamos todas fodidas com estes homens. a maria da graça perdia o olhar, pensava que, se ao menos o maldito se apaixonasse por ela, poderia sair dali, ser usada como ele quisesse para os entusiasmos que lhe davam no meio das pernas, mas viraria uma senhora, rodeada de coisas cheias de história e pompa humana, coisas a lembrarem museus e livros e inteligências de todo o mundo.
- valter hugo mãe, o apocalipse dos trabalhadores



mais uma vez encontramos valter hugo mãe, o tal do autor português que se recusa a usar maiúsculas para destronar uma ideia feita de que algumas palavras são mais importantes do que as outras, como o próprio o diz em entrevista a carlos vaz marques no programa pessoal e transmissível da tsf (pode ser ouvido aqui), com o seu mais recente romance, o apocalipse dos trabalhadores. mais uma vez, em parte em homenagem ao autor, em parte preguiça, também eu adopto a intenção de escrever tudo em minúsculas, não que partilhe da ideia de valter, mas isso já era um discurso inteiramente diferente que não tem lugar neste blog.

o apocalipse dos trabalhadores é um dos livros que mais sucesso tem tido neste tempo que já decorreu desde o seu lançamento, por um lado movido pela promoção normalmente associada a estas coisas e por outro a um grande número de críticas positivas que tem vindo a coleccionar. aviso desde já que, se isto que aqui faço se pode qualificar de crítica, engrossará o número já mencionado.

é a busca de uma mulher-a-dias e da sua amiga, também empregada e carpideira profissional em part-time, pelo paraíso; o que a primeira pensa encontrar na morte a segunda encontra nos braços de um emigrante ucraniano. Juntam-se a elas o cão portugal que, aparentemente, é obrigatório figurar em todas as recensões deste livro devidamente qualificado como um "quadrado castanho cheio de pulgas, ternurento e imprestável", o marido que é pescador de alto mar, daqueles que se ausentam por seis meses seguidos, o velho maldito, patrão da maria da graça, a primeira mulher, e mais uns quantos emigrantes de leste.

maria da graça tem um sonho recorrente, não será propriamente o mesmo de todas as vezes porque pormenores se vão alterando, em que se encontra no átrio do céu, carregada por todos os lados de vendedores que lhe impingem souvenirs da estadia na terra, tentando em vão entrar no paraíso enquanto é impedida por um s. pedro pouco simpático com as carestias da vida da maria da graça. vê-se, pela morte do seu patrão, o maldito senhor ferreira, sem emprego, forçada a acompanhar a amiga quitéria no serviço de carpideira profissional e a aceitar poucas horas por semana na casa dos antigos companheiros de quarto de andriy, o ucraniano de quitéria. paralelamente vemos tambéma luta da mãe de andriy em korosten, na ucrânia, contra a fome e a loucura crescente do marido, sasha, que constantemente se acha perseguido. por oposição, o augusto, marido da maria da graça, quase não se vê, embarca aos seis meses de cada vez para a pesca em mar alto. tudo isto na provinciana bragança dos nossos dias.

para quem leu o remorso de baltazar serapião não é difícil encontrar alguns temas comuns a este livro, a saber, a fragilidade feminina numa sociedade que é claramente patriarcal. em ambos vemos mulheres que são abusadas ou agredidas e em ambos elas conformam-se ou justificam-se com isso. a principal diferença, sem dúvida, é que este é um romance visto pelo outro lado, pelo lado da mulher, que assume os maus-tratos como um mal menor, algo a ultrapassar para atingir o paraíso. isto era o que escreveria se estivesse a construir algo sobre o percurso e evolução literária de valter hugo mãe, que não estou, mas fica aqui registado para quem estiver interessado.

o que interessa agora é este livro em particular, o apocalipse dos trabalhadores, e a visão que nele encontramos de um mundo singular de mulheres que apenas o são de vez em quando, em certos dias. em primeiro lugar, e voltando a comparar com o anterior livro, é de admirar a maneira como a escrita se reinventa a si própria não perdendo a sua marca característica (e aqui só se fosse mesmo muito superficial a análise me estava a referir às minúsculas), isto é, mesmo num estilo completamente diferente reconhecemos as palavras como de valter hugo mãe, tal como o portugal reconhece na maria da graça a sua dona. isso é de espantar, por duas razões, a primeira que sendo o estilo do romance anterior tão marcado seria difícil reconhecer uma escrita normal depois disso, a segunda que o autor foi capaz de adaptar a escrita ao conteúdo de cada livro sem nunca se deixar dominar por isso. a nível linguístico é sem dúvida o que mais me impressiona neste livro. existem, é claro, outras razões que fazem de valter hugo mãe um homem com uma destreza superior na arte de bem escrever, mas essas são comuns ao seu estilo que já foi brevemente estudado na recensão de o remorso de baltazar serapião.

concentrado finalmente nesta história recuso-me às normais e mais que óbvias simbologias que leio em toda a parte. acho que esse foi o grande erro de valter neste livro (na verdade não é bem um erro, antes pelo contrário, uma maneira de pôr críticos e os leitores mais preguiçosos a falar do livro com facilidade, não querendo com isto dizer que o portugal tenha sido uma simples manobra de marketing, nada disso, apenas que me parece ligeiramente desenquadrado do resto da imagem) o facto de se limitar a caracterizar o país como um cão cheio de pulgas. porquê? porque toda a gente fica por aqui na sua análise a um livro estrondosamente mais profundo do que um simples retrato social. quem disser que o apocalipse dos trabalhadores é apenas um retrato social do portugal contemporâneo das duas uma, ou o leu apressadamente, ou não o leu de todo. existe sim, o tal retrato, mas o retrato é apenas um quadro na parede da enorme casa que é este livro, ou nele não convivessem pescadores xenófobos com ucranianos tristes. pedaços da história em que as duas amigas ficam nas traseiras do prédio, à noite, a sonharem em voz alta, a conversarem sobre o mais íntimo dos pensamentos a entregarem-se uma à outra com mais prontidão do que alguma vez se entregaram a alguém não podem ser deixados despercebidos. uma mulher que sonha morrer para encontrar finalmente o seu paraíso que nunca encontrou em vida, não é um retrato social, não é sequer um retrato humano, é uma acção pura e dura, a acção da busca que todos, de uma ou de outra forma, repetimos.

muitos ficaram-se pelo retrato primeiro, eu preferi ir ao encontro das almas que assombram o livro. impossível ficar indiferente à mãe de andriy, mesmo ao seu pai que lentamente mata a mulher com a sua loucura. porque o empobrecimento do corpo leva inevitavelmente ao empobrecimento da mente. este homem que passou fome toda a vida, que tirou do seu prato para que o seu filho pudesse comer deixa-se sucumbir perante os fantasmas da sua cabeça. impressionante a construção do passado de andriy e da sua família. aliás, todos os personagens que compõem este livro mereciam outro só para eles, como a mulher que vê uma criança cair do seu telhado para a morte, como a irmã da quitéria que volta para descobrir que não é mais irmã de ninguém. começo a perceber porque tanto se têm centrado na figura do cão portugal, é sem dúvida o mais fácil de apontar e o de mais curta análise.

cada um dos homens e mulheres que entram neste livro mereciam uma cuidada reflexão. eu já fiz a minha e se parece pouco aquilo que escrevi é porque o é na verdade. o apocalipse dos trabalhadores é um livro enorme sem ser maior que um livro normal. é um daqueles que nos deixa a pensar. e pensando bem, todos os livros deviam ser assim.

Escrito originalmente aqui.
« Última modificação: Outubro 14, 2008, 11:54:25 por Tim_booth » Registado

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« Responder #1 em: Outubro 14, 2008, 11:29:36 »

Mais uma escolha de grande qualidade e uma excelente análise crítica. A emergente literatura portuguesa passa, sem dúvida, por valter hugo mãe.
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Tim_booth
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« Responder #2 em: Outubro 14, 2008, 11:32:23 »

Dite e damasco, obrigado pela leitura atenta da minha análise e pelos elogios. Este livro é certamente indomável e, tal como diz o damasco, vhm é um dos nomes a reter na nova literatura portuguesa (se é que não é mesmo "o" nome a reter)

Update: o valter hugo mãe voltou a dar destaque à minha recensão... http://casadeosso.blogspot.com/2008/10/o-tim-booth-publica-no-seu-blogue-uma.html
« Última modificação: Outubro 14, 2008, 18:23:36 por Tim_booth » Registado
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« Responder #3 em: Outubro 15, 2008, 04:40:57 »

"uma mulher que sonha morrer para encontrar finalmente o seu paraíso que nunca encontrou em vida, não é um retrato social, não é sequer um retrato humano, é uma acção pura e dura,"

Tens razão, Tim, cada personagem dava um livro. A vida de cada uma, bem escamoteada dava, essa sim, um retrato social.
Óptima análise!
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« Responder #4 em: Outubro 15, 2008, 09:33:58 »

Engraçado Goreti, ainda ontem estava a pensar nisso, cada personagem dava um livro. O próprio valter ontem disse que aquele era um livro que podia ter 500 páginas, e é bem verdade.

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« Responder #5 em: Outubro 23, 2008, 14:18:31 »

Não conheço mas fiquei interessada em conhecer. Vai já para a minha lista para o Pai Natal  Smiley
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Camila75
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« Responder #6 em: Outubro 23, 2008, 14:30:53 »

É um belo livro mas, pessoalmente, gostei mais do remorso de baltazar serapião, no entanto são ambos a não perder.

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« Responder #7 em: Outubro 23, 2008, 22:44:25 »

A mim não me andas a perder porque tudo o que escrevo está por aqui, agora aos outros como valter hugo mãe é urgente entrares em conhecimento!

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josé antonio
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escrever é um acto de partilha


« Responder #8 em: Outubro 24, 2008, 06:37:45 »

Bom dia TIM,

Para tua informação este vai ser o livro para debate na Comunidade de Leitores em Gondomar, no dia 5 de Novembro com o autor, em pessoa e voz e ao vivo e preparado para todo o tiroteio dos intervenientes!
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« Responder #9 em: Outubro 24, 2008, 11:20:55 »

sim, é verdade. o valter vai apanhar porrada com todas as maiúsculas...
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« Responder #10 em: Outubro 24, 2008, 14:42:42 »

Eh eh eh, não façam isso ao rapaz, o livro até é bom Smiley

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escrever é um acto de partilha


« Responder #11 em: Outubro 25, 2008, 17:33:08 »

Olá Tim,

Claro que não, da minha parte. Em primeiro lugar pela natureza consensual que possuo, depois pela isenção que sempre me norteia na apreciação do trabalho e talento alheio e por último, porque aguardo o comentário do VHM ao meu romance " Ecos do Suão"!
Topas?
Abraço
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Tim_booth
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« Responder #12 em: Outubro 25, 2008, 22:17:09 »

Eu vi logo... eh eh eh...

Cheers
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Boa noite feliz para todos
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Olá! Boas leituras e boas escritas!
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Boa noite a todos.
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