Pão aos Pombos

[anamarques]

Têm-me doído as tuas costas. A tua unha encravada tem-me causado um certo incómodo. Respiro de boca aberta, à peixe, por causa do teu nariz entupido. Seca-se-me a garganta e passo a noite a beber água e a levantar-me para fazer xixi de urina. O que no fundo é sinal de saúde. O corpo aproveita para deitar fora o que não lhe faz falta e que para além do mais estorva. Sim, porque não me venham dizer que tudo é energia. Não se pode negar a evidência da massa. Ainda outro dia tentei entrar na dispensa da minha avó e não consegui. Aquilo estava atafulhado de caixas de fruta, sacas de pão rijo, enfim, volumes. E eu perguntei-lhe, ó avó, porque é que guardas sacas e sacas de carcaças duras? Então, diz ela muito espevitada, não sabes que é pecado deitar pão fora? E além disso gosto de dar de comer aos pombos. Não sabes que isso é proibido? É lá agora, insistiu a velha, só me falta dizeres que Deus não é Deus!
Mas o que mais me transtorna é suar em bica quando corres na avenida. E nunca te cansas de correr. Parece que levas sempre fogo no cu! Quanto mais avanças para longe mais eu vou carregando estas correntes de ferro que se me enrolam nos pés e que me prendem a ti.
Hoje, por exemplo, não dormi. Fiquei horas tentando escrever-te uma carta. Mas devias estar sonhando que falavas pois as palavras estavam sempre a dizerem-se ocupadas e não se deixaram usar.
A certa altura a minha avó telefonou-me, mas porque é que multam quem dá pão aos pombos? Dar de comer a quem tem fome. Haverá algo mais natural que isto? Avó, no mundo existem coisas contra-natura que por vezes nos ultrapassam. Só se for a ti que és uma lesma. A mim, não, que ninguém me engana, ainda sei o que é o Bem e o Mal!
Eles reproduzem-se muito, transmitindo doenças aos humanos, tornando-se um problema de saúde pública. Mas ela já desligara e esses pensamentos lógicos ficaram esvoaçando entre as paredes do meu quarto.
Agora dói-me a cabeça. Tento decifrar se é a tua ou a minha. Se soubesse consideraria tomar uma aspirina.

[Tim_booth]

"Fogo no cú", adoro esta expressão. E sofrer as dores dos outros... O que é mais inquietante?

Cheers

[anamarques]

Pois não sei responder a essa questão, Tim...
Um abraço.

[Goreti Dias]

Pobres  pombinhos! A avó é que tinha razão. Eu dei de comer a muitos e comi muitos também. Uma carne tenrinha, depois de lhes torcer o pescoço e esfolar... Hum... que bom!

[anamarques]

Sim senhora, menina Goreti, não páras de me surpreender... Gosta então de um belo borrachinho...

[Goreti Dias]

Gosto sim, bem esfolado e tenrinho...

[Marília]

querida ana,
você tem que dar pão aos pombos lá no recanto das letras também!
maravilhoso!

[anamarques]

Marília! Agora sou eu que tenho os olhos húmidos por tua causa. Eu contigo dou pão aos pombos até no fim do mundo! Adoro-te!