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Autor Tópico: Gabriela, Cravo e Canela  (Lida 4728 vezes)
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Tim_booth
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« em: Outubro 30, 2008, 23:22:16 »

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- O amor não se prova, nem se mede. É como Gabriela. Existe, isso basta - falou João Fulgêncio. - O fato de não se compreender ou explicar uma coisa não acaba com ela. Nada sei das estrelas, mas as vejo no céu, são a beleza da noite.

- Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela



Tardava a aparecer um livro vindo do Brasil por aqui e dificilmente poderia a estreia ser pelas palavras de um autor melhor do que Jorge Amado. A minha admiração por este senhor é pública e, como tal, aviso que provavelmente as minhas palavras serão deturpadas do meu cinismo habitual. Tanto melhor, não sou crítico com responsabilidades, sou, antes de mais, leitor apaixonado. Apaixonado por Jorge Amado, saudoso Jorge Amado. E, agora, também apaixonado por Gabriela. Mas quem não é?

Gabriela, Cravo e Canela será, talvez, mais famosa à maior parte dos ouvidos como a primeira telenovela brasileira a estrear em Portugal, é uma das mais reconhecidas obras do autor baiano. Jorge Amado é, na verdade, um dos grandes repositores de histórias da televisão brasileira, muitos dos seus livros foram adaptados aos mais diversos formatos televisivos, lembro-me, por exemplo, de Dona Flôr e seus dois Maridos e de Mar Morto. Talvez por isso se associem os seus livros a literatura de cordel ou folhetim, contando romances simples capazes de entreter mas de nada mais. É claro que isto é uma visão simplista e de quem, obviamente, nunca leu uma linha sequer de Jorge Amado. Ele, e a sua obra, são muito mais do que isso.

Ilhéus é o centro brasileiro da produção do Cacau, uma espécie de novo ouro na década de vinte, capaz de enriquecer qualquer um com força suficiente para tomar conta de terra. Ilhéus cresceu à força da catana e da pistola dos jagunços, a mando dos coronéis que eram autoridades incontestadas na região. A sua face legal era o Coronel Ramiro Bastos, cuja família e amigos controlavam todos os cargos políticos oficiais ligados à cidade. Ilhéus estava próspera mas, ao mesmo tempo, parada na rápida evolução que podia tomar. Era apontado o motivo principal a falta de um porto marítimo capaz de albergar os grandes cargueiros para exportação de cacau - toda a exportação tinha de ser feita pela capital, a Bahia, onde ficava todo o dinheiro dos impostos e todo o dinheiro que a tripulação dos cargueiros traria. O Coronel Bastos, apesar dos protestos dos exploradores, nada fazia quanto a isso, alegava a falta de disponibilidade do governo federal quando na realidade tinha era compromissos de compadrio com o governador baiano. Ramiro governava sem oposição. Mas chega então um poderoso exportador à cidade, Mundinho Falcão, vindo do Rio com família em lugares cimeiros do governo brasileiro. Mundinho percebe que o maior entrava para o seu negócio é, precisamente, a falta de um porto marítimo para substituir a velha barra. Ramiro não gostou de ser desafiado e os seus opositores, normalmente calados, encontram em Mundinho um homem com força suficiente para fazer frente ao velho coronel. Inicia-se assim a mais feroz corrida eleitoral que Ilhéus havia visto, com jornais queimados, assassinatos falhados, a velha geração que dominava à força de Jagunços e impedia o progresso contra a nova que via o desenvolvimento da cidade como algo essencial. O velho Coronel Ramiro representava a velha governação e Mundinho era a face da mudança.

Neutro a tudo isto assiste o árabe Nacib, árabe quase só de apelido, deixou a Síria quando tinha apenas três anos, dono do bar Vesúvio onde pessoas de ambos os lados da barricada paravam para tomar o aperitivo e conversar. Nacib viu-se repentinamente sem cozinheira, quando a velha mulher que o ajudava parte, sem aviso sério, para viver com o filho. Nessa altura aparece Gabriela, vinda do Sertão, coberta de pó e sujeira suficiente para inicialmente esconder a sua beleza tão natural e inexplicável como ela própria. Não só era a mulher mais bonita da cidade como era dona de uma mão de fada na cozinha, os seus cozinhados tornaram-se lendários e, quando contratada, fez os lucros do bar disparar com a sua comida e, principalmente, a sua presença que atraía e colava homens de toda a cidade a beber no bar do árabe. Escusado será dizer que a paixão eventualmente brotou do peito de Nacib e da morena e foi a mais marcada história de amor que aquela cidade alguma vez viu.

Isto é a história, comprida como se percebe pela sinopse, mais densa do que se possa pensar e com um enredo mais complexo do que possa parecer. As personagens são mais que muitas, todas elas se relacionam, é a verdadeira história de uma cidade do interior. Gabriela não é mais do que a cor, cor da canela e cheiro do cravo, de um livro profundamente social. Ao contrário do que se possa pensar, a meu ver, o romance de Nacib e Gabriela é apenas uma pequena parte do verdadeiro sumo do romance. Há dezenas de histórias paralelas, quase todas de amor ou sexo, com tanta substância como a de Gabriela e do árabe, mas nenhuma com o cheiro do cravo, e talvez por isso tenha a doce sertaneja tomado conta do livro. É, na verdade, uma mulher apaixonante, mas tão extraordinariamente possível e tão física que o leitor, tal como os outros frequentadores do bar, se apaixona pela figura inatingível da mulher.

Jorge Amado concentra-se em registar um retrato marcado de uma época próspera mas terrível do Brasil e é talvez esse o seu maior objectivo, mais do que mostrar Gabriela ao mundo, que ela não foi feita para ser escondida em cozinha. Consegue-o de uma forma estupenda, um relato que poderia tornar-se enfadonho é galanteado com uma animada aventura carregada de acção, política, intriga, romance e beleza. E a parte da beleza, não me canso de frisar isto, é toda dada por Gabriela.

É de notar a capacidade que o autor tem de carregar a oralidade de uma forma tão natural nas suas palavras. Parece, a certa altura, que estamos também nós a ouvir e a discutir com Nacib e João Fulgêncio, ou que estamos a ouvir o Doutor a contar uma das suas histórias. Li, algures, que Jorge Amado foi a voz escrita da Bahia, já não sei onde. Não encontrei, até hoje, frase mais acertada e sucinta de descrever todo o estilo e talento do escritor baiano. Por isso tomo essas palavras e torno-as a dizer como minhas, Jorge Amado é capaz de cantar a alma Bahiana. Também nós, ao ler este fantástico livro, nos sentimos seduzidos por esta canção.

Escrito originalmente aqui.
« Última modificação: Outubro 31, 2008, 10:41:34 por Tim_booth » Registado

Dionísio Dinis
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« Responder #1 em: Outubro 31, 2008, 00:07:00 »

O livro em questão é uma grande obra da literatura, em qualquer parte do mundo mas, fica ainda mais abrilhantado por esta belíssima recensão.
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« Responder #2 em: Outubro 31, 2008, 09:04:37 »

Tim, bom dia.
Realmente, o Jorge, como ele mesmo se dizia, foi um grande contador de histórias... foi capaz de cantar uma das facetas da alma da Bahia; como nenhum outro ele retratou em suas obras cenários da vida, fosse nos subterrâneos sociais de pobreza vivida nas ladeiras do centro (Pelourinho, Ladeira da Montanha...), com seus bares e botecos plenos também de arte, ou  do cais da cidade baixa - em ambos o luxo convivia cego com essa coisa ruim - fosse no cenário das fazendas de cacau ( ouro verde), onde a disputa por poder e dinheiro estabeleceu um clima de violência sem limites, e onde também se vivia um cenário de desigualdades, mas onde ele desencavava encantos insuspeitados ( a beleza de uma natureza deslumbrante, tanto das matas e dos cacauais das fazendas, das praias com quilômetros de areia branquíssima, coqueirais sedosos, como na beleza e na sensualidade das pessoas e nos amores vividos, ou na arte, que está impregnada na alma desse povo...).
Aliás, dizemos por aqui que baiano não nasce; estreia!!

PS: a capital do estado da Bahia é Salvador e baiano não tem "h" (risos).
Obrigada e um beijo.
Guacira
« Última modificação: Outubro 31, 2008, 11:14:57 por Guacira » Registado
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« Responder #3 em: Outubro 31, 2008, 10:47:12 »

Dinis, muito obrigado, mas acho difícil abrilhantar mais a fabulosa obra de Jorge Amado.

Guacira, capital do estado da Bahia é S. Salvador da Bahia, certo? É que no livro, sempre que se referem à capital de estado, apenas a chamam de Bahia, achei por bem manter a designação. E já corrigi o erro dos baianos, obrigado Smiley Muito obrigado pelo comentário. Honestamente, se não fosse por Jorge Amado, nunca me atrairia o Brasil, não sei explicar bem porquê, acho que tenho um espírito mais europeu. Mas cada vez que leio um dos seus livros só me da vontade de me meter num avião e voar direitinho para Salvador e sentir esse aroma, ouvir essa canção, provar esse sabor que o país tem. Hei-de por lá passar um dia, definitivamente.

Obrigado pelos comentários.

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Guacira
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« Responder #4 em: Outubro 31, 2008, 11:13:26 »

Verdade, Tim...a algum tempo atrás as pessoas que viviam em outros municípios do estado, chamavam a capital genericamente de Bahia...(o meu estado compõe-se 417 municípios, com grandes cidades e ecossistemas tão variados quanto as cores do arco-iris...risos...); inclusive me refiro a esse uso, no meu trabalho sobre a Chapada, que está sendo postado aos poucos...
Quanto ao "espírito europeu", posso entender, pois, embora tendo fortes raízes na  Holanda, Espanha e Portugal, tenho-o predominantemente latino (e sul americano), além da querida Ãfrica, berço da humanidade. A riqueza da diversidade da qual tanto falamos na contemporaneidade, não?
Também já conheço alguns paises da Europa, alguns estados norte -americanos, não por opção pessoal, mas por outras prioridades; porém, verdade seja dita, não optei por ver Portugal naquele momento...qualquer dia, quem sabe??
até mais...
« Última modificação: Outubro 31, 2008, 11:24:18 por Guacira » Registado
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« Responder #5 em: Outubro 31, 2008, 20:52:55 »

Esta obra de Jorge Amado é, de facto, digna de tua crítica. Excelente também ela!
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Goretidias

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« Responder #6 em: Outubro 31, 2008, 21:03:55 »

Mais uma vez, obrigado pelos comentários Guacira e Goreti.

Cheers
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Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
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Olá! Boas leituras e boas escritas!
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Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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