vitor
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Olá amigos.
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« em: Dezembro 15, 2008, 15:31:19 » |
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De repente, alguém chama por mim: Como consegues fingir que me amas, usas a fuga como a melhor arma, o teu mais forte argumento, deixa-te dessas porcarias e vem, deita-te a meu lado, vem para a cama, sai dessa porcaria, vive em condições, deves crescer. Era ela, com um nome indecifrável. Com contornos vagos e uma auréola cor-de-rosa sobre a testa, o vestido brilhava num reflexo sem fundo, indefinido e enorme, altivo e cativante, pareciam lágrimas sobre as mãos. Quando se dirigia a mim, agarrava-me sem forças, agitava os óculos secos contra a parede, os livros por ler caiam, pareciam entrar num abismo, as calças perdiam a cor, tronco sem camisa, sobrevoava carente, uma singela calma da sala povoada. Tocaram a campainha e abri a porta. Parei. Olhei quase sem conseguir abrir os olhos, com um pensamento quase impossÃvel, a voz do destino a levar-me sem tabus contra a melancolia que fervilhava os cantos nus da sala. À rua dos poetas do Porto. Ao mercado de peixeiras, ouvia gritos, vi os barcos ancorados neste Douro que quase adormecia, calmas as águas. Ficou na sala, a um outro canto, mais próximo dos fundos, sob a janela entreaberta, com o ruÃdo que vinha lá de baixo, do parque de estacionamento da fnac, o ruÃdo dos sistemas de refrigeração perturbavam também, Kapa, reservado e sem conseguir aperceber-se, estava impávido e serenamente continuava com os seus decretos, marcava com uma caneta escura que trouxera de Esmoriz, a única vez que lá esteve, escrevia os temas da paixão, quando os dedica à sua apaixonada, mergulhou no mar de lá enquanto os dois, a sua secreta Ana, fingiam que se controlavam, escondidos por detrás das dunas construÃdas ainda antes da revolução das águas o ano passado, sem lá estarem mais vezes. O VÃtor não se mexia. Mais adiante, Cândida, consolava a sombra dos restos deixados pelo vendaval. Abriam as janelas de par em par, deixando entrar um aroma saltitante, crescia nas esquinas como estrelas cadentes, as nuvens vinham também, dobradas sobre o céu, comemoravam os efeitos da noite que se anunciava já, que seriam preenchidas depois pela insónia, teriam conseguido repousar, quem sabe. A minha sombra seguia perto de mim. Parecia uma bengala a amparar-me, o regalo dos restos e dos gestos e das paredes que escorriam dentro de mim, a fileira dos sonhos. Perfilam tão docemente como os beijos ainda agarrados a pele, as mãos sensatas também, pregadas a minha cintura como um cinto velho e de cabedal me aconchega a velha calça de ganga, velho cinto que veio de Itália, numa das que a vi chegar de lá, viera ver-me, de camisola azul, mangas compridas consolavam do frio que ali se sentia, sapatos tipo bota, pretos, marcavam a cadencia daquela elegância que caminhava ate mim, de tantas viagens que fiz também, e ate mesmo das que não fiz, outras que desmarquei entretanto, ou quando me esquecia de mim, ou da fuga ostensiva da razão, ou da dor sobre o peito, colocava na memoria o que um dia poderia contar-te, a ti, que te buscas num tempo sem coragem de emergires como qualquer outra pessoa, mesmo ali. Parecia-me ouvir dizerem-me: - Quando estiveres a caminho avisa-me querido. Cheia de saudades. Vem, quero abraçar-te, vem depressa, vem. Virei-me para o outro lado do quarto premi o interruptor e adormeci. Quarto enorme. Tinha o aroma das praias ao fundo da rua. Por dentro, o meu peito colado à s nuvens, pensava que dormia. A voz de todos sobre o solo. As areias movediças e soltas, disfarçavam qual silencio eu procurava, remava, andava, colocava em cada pedra a minha ânsia. Kapa levantado, gritava, bebia absinto puro, fumava cigarros atrás de cigarros, de mãos de mãos dadas, a sua Ana consigo, secreta e misteriosa, olhos pávidos e abertos, de fundo verde, rosto fino, anca estreita, cambiante a sua marcha, respira descontracção. Calam-se os dois sobre um divã escondido na mesma rua, onde todos partilhavam o mesmo e misterioso frio silencioso.
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