gdec2001
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« em: Julho 11, 2009, 20:09:58 » |
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III - do conhecimento e da realidade


Como se sabe- quem sabe- Sócrates, ou Platão por ele, ou ambos os dois -o tipo que 
inventou o pleonasmo não tinha a mÃnima sensibilidade literária- acreditavam na 
reencarnação -ou se quiserem, mais bonito, na metempsicose . Por isso é que o seu -de 
Sócrates - tipo de ensino consistia na ajuda ao parto de antigos saberes - e não julguem 
que eu não conheço o termo maiêutica : sei muito mais do que vós imaginais, ainda que 
não tanto como Vosmeçês, é claro. 
Na verdade eles, com a cabeça cheia das estórias dos deuses, mal podiam acreditar que se 
pudesse avançar na ciência das coisas senão através de meios tão maravilhosos como elas 
- as estórias dos antigos deuses . Não podiam acreditar que a realidade estivesse mesmo 
em frente dos seus olhos. Essa realidade parecia-lhes demasiado mesquinha comparada 
com as histórias dos seus deuses . 
E tinham razão porque a realidade era demasiadamente mesquinha. E porquê ? 
Porque eles não inventaram o microscópio para ver o infinitamente pequeno nem o 
telescópico para ver o infinitamente grande. E por que é que não inventaram, eles que 
eram tão infinitamente -gostei da palavra- dados à meditação ? Pois porque tinham a 
escravatura.
É preciso dizer aqui que a escravatura começou por ser uma boa coisa. No princÃpio dos 
princÃpios -do homem- quando duas tribos -chamemos-lhes assim à falta de melhor - 
também lhes podÃamos chamar bandos -o que não sei se melhor seria- se encontravam, 
não se reconheciam como pertencentes à mesma espécie e por isso a vencedora eliminava 
a vencida e comi-a.
Ai aconteceu que um génio -que abundavam muito naqueles tempos- percebeu que afinal 
eles -os vencidos-seriam capazes de trabalhar para os vencedores e passaram a capturá-los para o efeito .Esta escravatura era portanto boa de acordo com os nossos valores 
actuais porque substituÃa a morte pela vida. 
Foi um belo progresso.
Nessa altura ainda não teriam percebido que os vencidos também eram homens - porque 
afinal eles já domesticava -agora estou a inventar - alguns animais para trabalhar para 
eles. De qualquer maneira eles descobriram a humanidade dos cativos quando estes 
aprenderam a sua -dos vencedores - linguagem . 
Só que, quando descobriram que os escravos também eram homens já tinham gozado 
muito os nefandos prazeres de terem quem trabalhasse para eles e não abandonaram a 
escravatura e isso foi uma autentica calamidade para o processo do conhecimento. E 
porquê, porquê, porquê?
Porque os homens que trabalhavam com o cérebro não eram os mesmos que trabalhavam 
com as mãos. Aà as mãos zangaram-se -porque tinham sido feitas pelo seu amigo 
cérebro e o cérebro zangou-se porque havia sido feito pelas suas amigas mãos. 
As mãos fizeram as guerras, de que as actuais são filhas directas -ou, podemos mesmo 
dizer, dilectas- e o cérebro...sem as mãos, deixou de inventar o microscópio e o 
telescópio... .e passou a trabalhar no vago e no vácuo com a habilidade que lhe é própria e 
inventou a metafÃsica. -Espero que não tomem demasiado à letra estas minhas 
parábolas...- .
Ora quando alguns homens perceberam isto -a ratoeira em que havia caÃdo o 
conhecimento- começaram a utilizar o cérebro e as mãos e as mãos e o cérebro e 
inventaram o microscópio e o telescópio. Descobriram então que a realidade era tão 
maravilhosa como o mundo dos deuses, começaram a abandonar estes e a olhar cá para 
baixo e lá para cima -para os astros- e começaram-apenas começaram- a ver que afinal 
o conhecimento seguia a mesma via da realidade. Também a realidade é, ao princÃpio, a 
primeira sÃntese do que nos parece que é. Deve ser sujeita a uma análise que nos mostra 
que afinal as coisas são bastante diferentes e por fim a uma segunda sÃntese que acaba 
por nos mostrar que a realidade já não é o que era, precisa de um segunda análise e 
assim sucessivamente.
Não quero que fiquem a pensar que penso nestas coisas como se elas acontecessem 
cronologicamente. Mesmo na antiga Grécia já nasceu Heráclito -gosto mais da palavra 
esdrúxula - só que não vingou.Imediatamente, pelo menos - porque o terreno não lhe era propÃcio . Ó caraças, já estou cansado. Vossas mercês -meus queridos poucos leitores - também...suponho.
Geraldes de Carvalho
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