marcopintoc
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« em: Maio 04, 2011, 17:12:06 » |
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Há algo neste asfalto que impele as maquinas a dilacerarem as suas entranhas de aço , botijas de nitroglicerina na bagageira a levar o conta-rotações para lá de toda a sensatez . Milhas da glória , pneus , alcatrão infernal feito da pez pustulenta e do suor dos homicidas que se perfilham na berma com os seus uniformes comidos pelo sol e os anos . Foi nesta estrada que o diabo pessoal daquele que esperava pela injeção letal na prisão estadual decidiu dedicar-me a sua simpatia e introduzir-me à vertigem do senhor da ira. Troquei o suave conforto do fabrico japonês e muni-me de rodas americanas embaladas no ronronar arrepiante do motor de doze cilindros em v. A doença já não me concede muitos dias. Honrar esta dádiva do demo , rolar pelas rotas dos estados esquecidos e deixar o meu rasto de história sangrenta antes de partir na pira do senhor das armas fumegantes é o meu único objetivo de vida. Esse e a comoção plena por todos os canais :seringas, anfetaminas, exterminadores do sono, aceleradores do palpitar do peito , narinas sangrando muco que queima . A estrada, eu e os dias que antecedem o fim vividos na pressa que tudo o que circula nos meus canais sanguÃneos induz. Prego a fundo. No banco a arma para o polÃcia, no bolso da camisa o Marlboro que acelera a morte e traz escarros rubis do que dentro de mim se desfaz , no banco a arma para o primeiro ser vivo que encontrar. No retrovisor a sombra dos quatro cavaleiros do apocalipse que me escoltam no trajeto feito a todas as milhas que o corcel de aço me permite. O tempo a ir-se embora , os meus olhos no retrovisor já envergam as primeiras vestes da morte , primo o pedal até ao limite e obrigo a caixa ao esforço que lança chamas da cabeça de motor exposta . Lembro-me da vida e não sinto qualquer remorso pelos atos que em breve vou perpetrar, dentro do meu corpo doente o destino das marionetas orienta-me para os subúrbios da cidade onde devo cumprir o destino. Na bagageira, reluzente metal e farta munição. Alimento a boca ainda fria da shotgun e caminho em direção ao restaurante apinhado. O que se passa a seguir é feito de pólvora , de pedidos de clemência , de recarregar , de olhar o soalho procurando movimento , uma pernas rastejando . Por pouco tempo, um gesto de dedo, rigidez absoluta. Volto à estrada, silêncio, um vento quente levanta-se das grandes cordilheiras e os abutres rodopiam sobre os restos do meu ato insano. Será magnifico o seu repasto. A mim agora só me resta rumar até ao âmago do deserto e cambalear os últimos passos até à s chamas que me levarão à Valhalla dos condenados. Quando atravesso a fronteira do estado o vulto dos meus companheiros de viagem esfuma-se, julgo ter avistado um deles estender o braço e empunhar os dedos do senhor das trevas No rádio do carro a cavalgada sincronizada de duas guitarras em perfeita harmonia acompanha-me nos últimos quilómetros. Esta vida que amaldiçoei nos derradeiros dias cessa aqui ;no alto desta colina , no cÃrculo fantasmagórico de pilhas de amplificadores Marshall formando uma arena . Do centro uma coluna de fumo negro revela o sentido dos meus passos. O único ponto de acesso ao interior da arena é uma porta ladeada por dois vultos enormes, sinistros encapuçados que empunham armas de grande calibre. Detenho-me junto aos seus olhares inquisidores, pupilas que já não cintilam perscrutam cada milÃmetro da minha culpa, aspiram o cheiro dos mortos dos meus dedos queimados pelos disparos . Breves minutos , espera eterna , os meus joelhos tremem , cá dentro o bicho engole-me outro bocado que dói imensamente , grito e golfejo sangue fresco nos pés dos sentinelas. De suas gargantas ecoam grunhidos de aprovação. Um mão artificial feita integralmente de uma engenhosa combinação do metal e do tecido morto concede-me o acesso. No centro a cadeira elétrica , a estática atravessa o ar, arcos voltaicos letais rasam o meu corpo que definha a cada segundo . Sento-me e cerro os olhos . Do coliseu de amplificação surgem os acordes, por quem os sinos dobram? Decerto por mim , primo o botão e ardo na cinza que percorre o relâmpago e leva-me para longe deste mundo. Sem remorso
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