Pedro Ventura
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« em: Agosto 13, 2008, 21:11:48 » |
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Na rua chovia persistentemente. Espessas gotas tombavam do firmamento plúmbeo e triste, e o vento soprava desnorteado, sem rumo, fazendo invisÃveis espirais que faziam adejar papéis ou sacos de plástico que fugiram dos caixotes do lixo, ou que simplesmente tinham sido largados no chão por cidadãos menos conscienciosos. Era bem visÃvel a força do vento, devido ao esforço dos transeuntes para não quebrarem os guarda-chuvas. A eterna luta desigual entre o homem e os elementos. Tinha estado assim toda a noite. Na obscuridade do meu quarto, enquanto perseguia um qualquer sonho merecedor desse nome, sentia a chuva a bater nas persianas e ouvia o peculiar assobio do vento a entrar por debaixo das portas, como se invadisse toda a casa. Daà as olheiras subtis desenhadas por debaixo dos meus olhos ao acordar, daà a premência de me levantar da minha cadeira e ir buscar um café bem forte à máquina encostada ao fundo do open space. Eram umas dez da manhã. Tiro o café - optei por um duplo - e volto à minha secretária, que por sorte ou privilégio tem vista para a rua. O café libertava um odor que despertava o meu olfacto, fumegava e aquecia-me as mãos, apesar de tê-las quentes. O ar condicionado fazia esquecer a intempérie que se fazia sentir lá fora. Viro-me para a janela, começo a beber o café em acanhados sorvos, quando o meu olhar se fixa num homem do outro lado da vidraça, na praça defronte do edifÃcio. O homem indumentava um oleado verde e tinha o capuz metido na cabeça. Junto a seus pés estava um monte de folhas caducas que resvalaram das árvores e se amontoaram junto aos passeios. Com uma pá enorme e uma vassoura, curvado, apanhava-as para o caixote do lixo que estava no carrinho de mão. As folhas estavam ensopadas, por isso mais pesadas e mais fáceis de apanhar, ainda assim, algumas dançavam ao sabor do vento. O monte era gigantesco e a chuva parecia cair cada vez com mais pujança. Foi nessa altura que pensei que o homem estava ali, sujeito à chuva, ao frio e ao vento, para justificar o seu ordenado miserável, enquanto eu bebia o meu café quente e o ar condicionado me permitia estar a trabalhar em mangas de camisa. Foi nessa altura que o meu telefone tocou. Pousei o copo de plástico na secretária e atendo. Foram uns trinta segundos ao telefone. Não era nada de importante. Quando vou a pegar no café, olho de novo para a rua, para o homem curvado à chuva e desisto de o beber. Já não me sabia bem.
2007
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