jcbrito
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« em: Maio 08, 2008, 13:54:54 » |
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7ª HORA
O cenário era apocalÃptico. Os dois gangs avançavam lentamente para o confronto. A cada passo que davam, a tensão aumentava. Os corpos hirtos preparavam-se para, a qualquer momento, iniciar a batalha mais sanguinária que o solo gondomarense já viu travar. Para acrescer ainda mais a emoção, quando a distância que os separava rondava os dez metros, pararam e fitaram-se. Sabiam que muitos não sobreviveriam para contar o sucedido, mas um soldado não pode pensar, nem hesitar. Questões como essas não se colocam aos guerreiros. A única voz a que obedeciam era a do seu chefe. Ao primeiro sinal de Tó Morcego, o pessoal estava pronto para dar a vida. O mesmo se passava do lado do Miro Mirolha. Os olhares vazios, imbuÃdos de fúria, desejavam, ardentemente, a guerra. Entretanto, o povo, dando conta do que estava a acontecer, vinha para as janelas, para assistir, de camarote, a tão prometedor espectáculo. Para apimentar a coisa, faziam-se apostas. A maioria, profundamente conhecedora dos créditos da seita do estrábico, jogava todo o seu pé-de-meia naquela equipa. Outros, apostando na surpresa, punham a massa no nosso herói. Rapidamente se constituÃram duas claques, que berravam incentivos pela sua dama. Também não faltavam cartazes e estandartes. Até o sol emitia os seus primeiros raios para que a batalha pudesse ser convenientemente gravada nas câmaras de vÃdeo. Quem sabe não estaria ali a chave do sucesso e da fortuna ou até mesmo, quiçá, o primeiro prémio no “Isto só vÃdeoâ€? A algazarra era cada vez maior. Os gritos do público faziam lembrar o ambiente sórdido dos gloriosos circos romanos. Restava agora saber qual dos dois grupos iria cumprir o papel dos leões... Mas eis que se ouvem as sirenes da polÃcia! Algum javardola os chamou. Há sempre um pastor que gosta de cortar a ganza do pessoal. Foi por entre muitas vaias e assobios que as autoridades fizeram a sua aparição. Das varandas, os frustrados espectadores reclamavam o seu dinheiro de volta. Os improvisados corretores de apostas já se haviam pirado. Como forma de redenção, arremessavam os mais estranhos e contundentes objectos para a rua, atingindo, alguns, os desgraçados dos polÃcias, que não conseguiam atingir o que estava a passar-se. Bem, mas o narrador desta novela, omnisciente, omnipresente e omnipotente, tudo sabe. Através da cerrada chuva de ovos, tomates e bibelôs, somos capazes de discernir uns vultos a escapulirem-se por entre as sombras. Era o nosso Tó que, vendo a situação mal parada, tratou de encetar uma retirada estratégica. Os seus oponentes não tiveram a mesma sorte, já que foram apanhados por trás, completamente desprevenidos. Assim sendo, foram detidos pelos chuis, que lhes garantiram algum tempo de estadia gratuita num dos seus afamados hotéis. Às seis e quarenta e cinco, já Tó e o maralhal se encontravam dentro da fragonete, rindo do sucedido e fumando um relaxante cigarro. A noite não tinha sido má de todo. Era, agora, necessário decidir o que fazer. Uns, abalados pelo ritmo alucinante dos acontecimentos, queriam ir para casa, descansar nos braços de Morfeu. Outros havia que desejavam ir até ao adro da igreja, mandar umas bocas à s garinas que iam à missa das sete e aà beber mais umas cucas. Está mais do que visto que esta última moção foi a mais votada. Porém, existia um problema: estavam sem pasta! A voz da razão do nosso protagonista fez-se ouvir: — Vamos passar pela Tono Merceeiro. Lá encontraremos cerveja e tremoços fiados! E realmente assim foi. O Tono que, à quela hora, ainda estava na cama, foi forçado a levantar-se e a atender a malta. Só para não os ouvir, “vendeu-lhes†uma gradezeca de água da UNICER e ainda lhes “emprestou†mais mil paus para a gasosa. Se havia um dia de sorte, era aquele! Quando pararam a carrinha no jardim defronte da matriz, repararam que o dia já começara para muitos. De facto, os fiéis encaminhavam-se para dentro do sacro edifÃcio, alegres e felizes. Mas, à medida que notavam a fragonete cheia de mafiosos, a alegria desfazia-se e assumiam uma posição rÃgida e austera. O pior estava para vir. No preciso momento em que os sinos cantavam as sete horas, o senhor padre, certamente avisado da sua presença, avançava com o crucifixo na mão em direcção a eles! Já deveras alcoolizados, não puderam deixar de achar piada à cena e desataram a rir. Mas Tó acenou com a mão e todos se calaram. — Com os padrecos não se brinca - disse. E saiu da fragonete para falar com o senhor abade. (cont.)
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