gdec2001
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« em: Junho 30, 2009, 22:28:32 » |
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O que é a poesia ?
Vejamos então o problema da poesia. Da verdadeira poesia. Começarei por reproduzir aqui um poema que escrevi há muitos anos e foi pela primeira vez publicado em "a outra luta de jacob" -1964 .
Reza assim :
Como se faz um poema
Algumas vezes é a forma que dentro de mim impera buscando, dentro de mim, o pensamento que era.
É um nada musical, um querer realizar-se, uma janela ogival sem pedra para fixar-se; uma moldura sem quadro, e sem moldura também, um filho por conceber no ventre de sua mãe; uma impressão ritmada, um pensar não pensamento, a fome que tem o nada de ser o ser um momento.
Outras vezes uma ideia que dentro de mim demora se devora e me devora pura energia sem forma nem expressão assim...assim, uma faÃsca que salta entre dois pólos que são o positivo, a cabeça, negativo, o coração.
E quando, dentro de mim, se encontram ideia e forma, nesse dia nessa hora, hora de dor e alegria, nasce a poesia.
Não se julgue que eu penso que este poema , visto assim, como ele está, inteiramente feito, é a poesia . Eu podia pensar isso se tivesse, dela, uma ideia metafÃsica mas na verdade não tenho . Nem penso mesmo que seja um bom poema ou um mau poema . Se o transcrevo aqui é apenas porque é um poema sobre os poemas, um metapoema .
O que eu penso é que a poesia é um canto-pranto dialéctico. Perdoem-me pelo palavrão mas não há forma de o alijar ou substituir. Isto significa que não considero poesia aquilo que se faz ou constrói mas sim o acto de fazê-la ou construÃ-la. O resultado constitui apenas uma porta pela qual, se tivermos a habilidade suficiente, se pode penetrar na poesia. E é difÃcil e raro ter tal habilidade ? De maneira alguma, basta que tenhamos alguma humanidade porque a poesia é uma expressão dessa mesma humanidade. Vive dela e só dela . Costumamos dizer que a poesia pode conter todo o universo mas na verdade só o humanizado pode conter. Porque a poesia é um canto-pranto e é o canto do homem... dialéctico porque é movimento e se pára, morre. Por isso o nosso canto-pranto é só um e não termina enquanto os homens latejarem, se moverem. Assim, meus amigos, aproximai-vos lentamente do poema . Encostai as vossas cabeças na porta . Arrimai a cabeça do lado em que melhor ouçais e escutai . Se pressentirdes uma música ou um pranto, forçade -sei que a forma já não existe mas fica aqui tão bem...- então a porta e entrai . Para alguns de vocês será necessária uma certa pressão e persistência, talvez mesmo algum pequeno estudo elaborado . Para outros será simples e natural. Lá dentro será fácil integra-de-vos no canto e verificar que nele digo tudo o que digo aqui e muito mais e ser-vos-á fácil construir o vosso poema na vossa cabeça que é o lugar onde existem todos os verdadeiros poemas. Desculpai-me mas só então e só então sabereis o que é a verdadeira poesia . Não se pode ensinar, temos de descobri-lo por nós próprios.
Vosso Geraldes de Carvalho
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