Figas de Saint Pierre de
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« em: Setembro 23, 2009, 15:13:36 » |
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Menino, com seus dez aninhos, brincava na rua no tempo do pós guerra, em que tudo era racionado! Quando ia buscar a ração do açúcar, não resistia a violar o saco e nele meter os dedos. Humm, que bom! E lambia os dedos.
Na rua existia uma mercearia, tipo tasco que, além dos fregueses locais, abastecia de combustÃvel bagaceiro os trabalhadores, de passagem, que iam, a pé, durante horas para chegar ao trabalho, de Gondomar ao Porto. A Ti Micas, dona do tasco, logo de manhãzinha, atarefava-se em abastecer os depósitos gastro-etÃlicos dos calejados "cascos" locomotores. De casacos remendados, de chancas e chuços, estes dançando nas costas, suspensos nas golas dos casacos, lá iam eles, mais quentinhos, até à próxima capela para outra “benção†alcoólica! Era o tempo em que Salazar dizia que o vinho dava de comer a um milhão de portugueses, fora os bagaços! Ti Micas tinha três filhas, uma delas ainda de berço, a Tilinha. Um dia, sua mãe chamou aquele menino, com cara de anjinho. Mal ela sabia que ele já era um especialista na apanha de fruta, sem autorização, nos pomares dos lavradores e já lia muito nos livros, que ia buscar à Biblioteca Itinerante da Gulbenkian. Enfim, um cientista experimetalista no desvio e transformação da matéria! Depois, como admirador de Esparta, tentava imitar as façanhas, tipo comando, dos espartanos. - Ó Bininho. Não queres embalar (adormecer) a Tilinha? Depois dou-te uma coisa. Ti Micas, na altura ainda não havia o conceito de exploração do trabalho infantil, e porque sempre muito ocupada em aviar o arroz, açucar, vinho e bagaços, e ainda por cima ter de apontar tudo no livrinho dos fiados, recorria à rapaziada que por ali andava! Aquele chamo, aquele convite ao Bininho cheirou a doce. Até porque já tinha visto que junto ao berço, perto das pipas do tinto e do branco, jaziam várias ceiras de figos, umas sobre as outras! Mas o Bininho também tinha os seus princÃpio de boa educação. Não de desviar qualquer coisa que estivesse à mão! Numa grande expectativa, lá foi. Pouco depois de ter começado a embalar a Tilinha, sorrindo e entoando uns ós ós, lá conseguiu adormecê-la. -"Pronto, já está", disse a Ti Micas, quando esta veio à s trazeiras do tasco, encher grande caneca dum efervescente verde tinto, que iria desaguar, goelas abaixo, dum trabalhador, com frio ou com calor! -"Vou dizer à tua mãe que és um bom menino. Depois dou-te uma coisa. -"Tá bem", disse o Bininho,conformado. Na memória ficou-lhe aquelas três ceiras de figos, encasteladas. Estavam intactas! A de serviço estava na zona do balcão. InacessÃvel! Ti Micas tinha descoberto a bondade daquele menino. Logo no dia seguinte, de manhã, quando brincava na rua, o rosto da Ti Micas assomou à porta e disparou o convite: -"Bininho, anda cá, meu amor, embalar a Tilinha, que eu depois dou-te uma coisa! Lá foi ele, mas desta vez, já a pensar na "coisa doce", e nos intervalos da Ti Micas ir à s pipas e servir os clientes, ele, fazendo do indicador da sua mão direita um Black and Decker, foi forçando a ceira de base, que suportava as outras duas, até que conseguiu furá-la e donde tirou o primeiro figo, depois outro e outro e mais outro, até que encheu os bolsos! Naquela tarde, quando foi buscar o açúcar racionado para sua mãe, nem lhe tocou. Pudera. Tinha a boca doce ainda dos figos! -"Já dorme" reparou Ti Micas! -"Já." -"Quando quiser eu venho", disse o Bininho. Ela mal o convidava e ele lá ia. Os figos iam desaparecendo. A ceira estava a ficar mais chata. Ele, após cada extracção, tentava que tudo ficasse na mesma posição, mas tal era impossÃvel. Um dia estalou a bronca. -"Bininho, então tu andaste-me a roubar os figos da ceira?" - Exclamou Ti Micas, de dentro da mercearia para a rua, ficando toda a gente a saber do sucedido. -"Pois. Que queria que eu fizessse a quem faltou ao prometido? Prometia dar uma coisa e nunca deu!" Foi bem feito. -"Vou dizer à tua mãe", prometeu, mas tal nunca aconteceu. A partir daÃ, a Ti Micas, quando via o Bininho, fazia figas por causa dos figos! Depois, Bininho começou a ler mais livros de psicologia de quem promete e não cumpre. Ainda hoje, desconfia de quem promete figos. ........................xxxxxxxxxxxxxx........... .................
Autor:Figas de saint pierre de lá-buráque (Silvino Taveira Machado Figueiredo) Gondomar
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