Oswaldo Eurico Rodrigues
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Amo a Literatura e as artes.
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« em: Outubro 14, 2021, 00:34:00 » |
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Um dia, disse numa oração improvisada: não quero nunca mais sair da escola. Deus ouviu. Eu estava numa sala de aula numa daquelas carteiras antigas de madeira escura vistas atualmente somente nas fotos de arquivo ou nos documentários sobre educação. Ao vivo, só se formos a um museu. Em Belo Horizonte existe um bem interessante: o Museu da Escola de Minas, na área central da capital dos mineiros. Na minha escola, esse mobiliário sobreviveu até o começo dos anos 1980. Era algo bem diferente do que vemos hoje: o tampo da mesa onde escrevíamos formava uma só peça com o assento da carteira da frente. Além disso, sentávamos em dupla. Resumo: quatro crianças tinham que se comportar impecavelmente para não atrapalhar os colegas. E conseguíamos mesmos os mais peraltas. Não me perguntem se eu era do grupo dos quietinhos ou dos bagunceiros! Prefiro deixar você descobrir sozinho. Dou uma pista: gostava de voar na imaginação. Num desses voos, me vi preso no colégio. Não de castigo ou porque meus pais me esquecessem perdido por lá. Também não fiquei reprovado anos a fio numa mesma série. Como então não sai mais da escola? Eu te conto já, já. Vou interromper nossa conversa para preparar material para amanhã! Preciso falar sobre figuras de linguagem para o sétimo ano. Montar uma aula é escalar um elenco de atores espectadores diretores sentados e em pé na plateia e no palco todos interagindo simultaneamente dentro e fora dos livros das telas na sala ou fora dela. Ideias falam caladas. Silêncios brotam na algazarra. Vou procurar um poema para ler aos alunos. Precisa ser algo expressivo, forte, mas delicado ao mesmo tempo. Chamando atenção sem ser escandaloso. Não vou optar pelos clássicos propriamente ditos. Quero o contemporâneo eterno ao mesmo tempo. Vou optar por algo espiritual: uma música! Sim! Uma música! Está feito. “Monte Castelo”, de Renato Russo. Já encontrei a letra na internet. Fiz a crítica textual para saber se o texto estava fidedigno. Talvez, se digitasse palavra por palavra, teria terminado a mais tempo. Sabem duma coisa? Pesquisar em meio eletrônico nem sempre é mais prático, mas é viciante e para alguém louco por viagens é tentador navegar nos links paralelamente ao texto principal. Coisas do menino a virar seus olhos imaginativos em todas as direções. Nas aulas de Ciências, chegava a ficar vesgo. Eram explosões no cérebro, corridas no lombo de rinocerontes na savana africana... Quando a História subia ao palco, eu já estava no camarote. Dali entrava no camarim e virava gladiador. Se fosse hoje daria um “like” para mim mesmo, estaria salvo para continuar. Você não estaria salvo de mim. Ainda que eu falasse a língua de todas as pessoas do mundo, se não houvesse comunicação e interação, nada seria possível. É preciso mais e mais numa transformação constante sem perder a essência jamais. E imagino as perguntas por vir. Ou seria melhor a surpresa do momento? Talvez seja por isso mesmo que gosto tanto de escola. Esse lugar é onde mora a surpresa, o novo! Como diria Belchior na sua canção “Como nossos pais”: “o novo sempre vem”. Vocês já perceberam porque sou professor. Meu pedido de oração foi atendido. Realmente nunca mais saí da escola. E esse meu viver nessas casas de ensinar e aprender moldaram minha vida (e meus textos). Basta me procurar nas redes sociais e você encontrará uma referência a várias instituições de ensino por onde passei. Já tentei escrever sobre outras coisas e viver outras tantas. Na realidade, existo sim em outras experiências, mas as levo todas para sala de aula e levo a sala de aula para minha vida fora dela. É o meu casamento mais intenso. Tão intenso que sou esposo duma professora. Imaginem a nossa casa! Vocês nem sabem da intenção do texto de hoje. Comecei pensando em escrever sobre um presente que ganhei dum aluno muito querido. Acabei falando de mim (novamente). Sou um tagarela incorrigível. Se você permitir, eu volto para abrir o presente na sua frente. Você vai se surpreender. Até o próximo texto...
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