Nação Valente
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outono
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« em: Maio 14, 2024, 23:04:00 » |
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Confidências O mundo é mesmo pequeno! Tão pequeno como um botão redondo, repeti em voz alta, enquanto recordava a conversa com Rosalinda no dia anterior. Vi a Judite a observar-me. - Decerto que para ti Judite, o mundo é do tamanho dos teus desejos. Não sei de onde vieste, nem porque me procuraste. Uma coisa te garanto sem saber se me entendes: cheiras-me a polícia. Acredito que não estás aqui por acaso. Podes crer que não estou. Tenho uma missão simples, adequado a gato, e vou cumpri-la. Um dia vais descobrir e vais-me agradecer, mas gosto de aqui estar. Se sabes ler sinais de gatos já devias ter percebido. Rabo sempre ao alto. Um dia descobrirei, qual a missão da gata, como descobri que a Rosalinda pertence ao meu tronco familiar. O que tem que se saber acabará por se saber. Como por exemplo, por que razão Rosalinda, também uma gata, não desfazendo, tem andado com ar tão acabrunhado. Desconfio do Damião, o seu marido estivador. Parece-me que a relação deles não prima pela harmonia. Estranho hoje ainda não ter aparecido. É muito pontual. “Estás a ouvir-me, Judite? Bah, desconfio que estás nas asas de Morfeu. Tens razão. Conversa mole serve para adormecer gato. Quando acordares voltas a levar comigo. Não tenho muita gente com quem falar”. A campainha da porta sobressaltou a Judite, que se levantou com um salto acrobático, o que fugia à sua placidez descomprometida. O que será agora? Quem estará a bater à porta? Já vou. Acalma-te Judite. Acalmo-me uma porra. Se tivesses um sexto sentido, previas, como eu, borrasca grossa O homem que estava do lado de fora, arrepiou-me. Alto, hercúleo, com barba mal aparada, um bigode farfalhudo, um ar de mal-encarado. Mal reconheci o jovem imberbe que interroguei, anos antes, por ter roubado uma peça de roupa. - Boa noite. Sou o Damião, o homem da Rosalinda. Venho informar que ela deixou de trabalhar aqui. - Como assim? Ontem fizemos trabalho conjunto, que hoje devíamos continuar. Rosalinda esta comprometida nessa tarefa, e não me deu qualquer sinal de desistência. - Pois, mas mudou de opinião. - Continuo a não perceber. Admitindo que não quer trabalhar comigo, porque carga de água, não o disse diretamente. - Não o disse porque fui eu que tomei a decisão. Estou farto de lhe dizer que se limite a tratar da casa. Ainda ganho para a sustentar. Não me tem ouvido. Quer andar a brincar aos polícias. Tive de a pôr no seu lugar. - Desculpe discordar - disse esforçando-me por manter uma atitude diplomática - vivemos num tempo de liberdade. Ou não percebeu que a ditadura acabou? Ela é sua mulher, não é sua escrava. - Não me venha com essa conversa da treta da liberdade. E vocês na “bófia” respeitam a liberdade dos presos? Ainda me lembro de si na “Judite” quando lá fui interrogado. A Rosalinda precisa de rédea curta para não me pôr os “chavelhos”. Nunca fui tipo de violências. Na minha vida de polícia, posso ter dado um ou outro safanão nalgum acusado, mas não arranquei confissões pela força. Engana-se quem pensa que me amedronta. Estive na guerra colonial, dois anos no mato. dois anos. Calor, mosquitos, malária turras como dizíamos, tiros, minas, e sobrevivi. Fui um herói? Não. Tive sorte, ao contrário de outros. Tantas vidas ceifadas pela gadanha da morte para quê?
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