Antonio
|
|
« em: Junho 04, 2008, 14:01:36 » |
|
Os meus pais, Fernando e Julieta, conheceram-se nos finais dos anos 30 do século passado. Praticamente em cima do inÃcio da II Grande Guerra. Durante o conflito eles, como muitos mais, retraÃram-se em relação à união pelo casamento pois, apesar de Portugal não estar directamente envolvido nas batalhas sofria, como todo o mundo, nomeadamente a praga do racionamento de produtos de primeira necessidade. Não é pois de admirar que, só em 1946, tenham dado o nó matrimonial numa modestÃssima cerimónia pois os tempos ainda eram de vacas magras. Não posso deixar de fazer aqui uma referência ao facto de, tanto quanto sei, ter sido nesses anos do pós-guerra que se bateram todos os recordes de natalidade a nÃvel mundial. Eu sou um produto dessa fúria reprodutora à qual se seguiu uma descida contÃnua e imparável do número de nascimentos ao longo dos anos que, aliás, ainda prossegue. Ora são os filhos do após guerra, como eu, que estão agora a passar à reforma e a depauperar as finanças públicas de inúmeros paÃses. Pela parte que me toca peço desculpa aos mais novos, embora não tenha responsabilidades no assunto, como devem imaginar. Mas voltemos ao tema inicial. Os meus progenitores foram viver para a Rua de Oliveira Monteiro, 1015, ao Carvalhido. No Porto, claro! Era uma pequena casa alugada, térrea, com uma só janela virada para a frente e lá vivi até aos sete anos. Valia ter um quintal de dimensões razoáveis onde eu e a mana Fernanda brincávamos a maior parte do tempo (se as condições climatéricas o permitissem). Talvez porque a habitação tinha poucas condições, talvez porque era benquisto por toda a famÃlia, talvez porque a minha mãe ficava mais desafogada para tratar da bebé mais pequerrucha, eu Ãa passar algumas temporadas, quer a Vila Praia de Âncora quer a Valença do Minho, para casa de tias. E bem gostava de o fazer... Lembro-me de só uma noite ter vertido umas lágrimitas de saudades pelos meus pais quando já estava só e deitado na cama para adormecer. De resto, sempre gostei de andar por aqui e por ali. Diziam que era ave de arribação. Sempre fui, de facto. Tudo terminou com a entrada na primária. Em Setembro de 1956, tinha sete anos e acabada de fazer a 1ª classe, mudámos para a moradia das Antas. Também alugada, diga-se, mas com dois pisos, um pequeno jardim nas traseiras e, sobretudo, muito maior e mais moderna. A velha casinha já foi há muito demolida mas o espaço por ela outrora ocupado ainda está vago. Situa-se num gaveto da Oliveira Monteiro com a Rua da Constituição. A casa adjacente, habitada nesses já remotos tempos por uma senhora de idade (a D. Maria Caldas) ainda lá está com as suas duas janelas.
O que vou contar a seguir não foi por mim presenciado. Penso que ainda não era nascido. Tinha a casa de Oliveira Monteiro uma só porta alta e estreita, com duas portadas que subiam até à esquadria de granito e dois postigos de vidro martelado e com grades em ferro na parte exterior, um em cada uma das duas metades da porta. Rezam as crónicas familiares que, uma noite, já bem depois das doze badaladas terem soado no sino da Igreja, se ouviu um estranho abanar da porta da rua. O meu pai, decidido, foi averiguar o que se passava enquanto a mulher ficava na cama. E viu claramente uma sombra, provavelmente as mãos de um homem, a abanar a porta. E falou baixinho para a que haveria de ser minha mãe: - Ó Leta! Traz cá a faca para matar o ladrão! A Julieta não gostou muito da ideia mas, perante a insistência do marido, lá foi buscar o maior facalhão que tinha na cozinha. Agora bem armado, o Fernando ousou abrir a porta num rompante e...que viu ele? Um gato pendurado na grade de um dos postigos e que imediatamente se pôs em fuga. Mas a história correu célere pela famÃlia e, não poucas vezes ao longo dos anos, eu ouvi-a ser contada. E outras tantas escutei os meus parentes a perguntarem ao pai: - Ó Fernando! Eu queria era ver se você matava mesmo o homem se fosse um ladrão! E o meu pai fazia um sorriso de tons levemente amarelados e dizia: - Se tivesse mesmo de ser!...
(escrito em 22 de Janeiro de 2007)
|