O Cheiro

[Maria Gabriela de Sá]

                                              O Cheiro

      Sou hipersensível aos cheiros. Quero dizer, tenho nariz de cão. Sou até capaz de ficar com febre por causa dos odores, sejam eles bons ou maus. Pronto não tenho culpa e por isso não uso perfumes de nenhuma marca nem reputação.

      Nem sempre fui assim, apesar de tudo se ter intensificado de há uns tempos para cá. Antigamente, ainda conseguia usar perfumes de homem, que não costumam ser tão intensos como os de mulher, enjoativos até à náusea pelo menos para mim. Nunca os pude usar e nunca consegui também ler o célebre romance "O Perfume" porque a minha imaginação mo impediu. Os cheiros são o meu calcanhar e tendão de Aquiles, tudo junto, enfim, o prenúncio do meu caixão se quiser levar a metáfora ao exagero.

      E eis por que me deixei de aditivos, basto-me com o cheiro da combinação do meu ph e do sabonete de rosas Ach Brito. Além de que a minha desgraça é tanta que até um miserável gel de banho dá cabo das minhas narinas e da vesícula aonde elas levam tudo que captam.

      Assim, tenho de me bastar com o meu cheiro, todos nós temos o nosso próprio, que às vezes até precisa de um banho, por exemplo, após uma boa caminhada. Depois, pronto, outra vez o nosso odor, agora limpo, puro e singelo, para quem goste e para nós que não podemos trocá-lo por outro.

      O cheiro é talvez a nossa marca mais forte. Que o diga quem se segue.

      Era uma vez uma rapariga com hábitos de todo o género de leitura, incluindo do jornal.

      Um dia, ao passar numa rua do Porto, encontrou uma amiga, uma senhora casada e já com uma certa idade, a quem, naturalmente, perguntou pelo marido.

      "Ai menina, o António morreu há oito dias" disse, enxugando uma lágrima sentida.
" Venho agora do cemitério".
      "Ah..." balbuciou a jovem, constrangida, "Não sabia.
      " Eu e o meu marido dávamo-nos tão bem! Quando ele ia a Lisboa tratar dos assuntos do escritório e tinha de lá ficar, durante a noite, para conseguir dormir, eu ia buscar uma camisola que ele tivesse usado e com o cheiro dele. Depois abraçava-me a ela e era como se o tivesse ali a meu lado. Cheirava-a enquanto não adormecesse e era assim que conseguia dormir."

      Ela fez que sim, que compreendia essa coisa do cheiro e, a partir desse dia, nas coisas que lia no jornal passou a incluir também a página da necrologia.

[Goreti Dias]

Também tenho essa "coisa" dos cheiros. Tenho nariz de cão tão apurado que nem os meus filhos eram capazes de me enganar se tivessem corrido demais no intervalo das aulas. Suporto mal a maior parte dos perfumes de mulher e uma boa parte dos de homem, mas sei identificar pelo cheiro uma hipoglicémia, uma comida ou uma flor rsrs. Há muitas vantagens. A polícia não me quererá para investigadora ? rsrs Mas olha que as páginas de necrologia não me seduzem. O cheiro dos mortos é desagradável. Mesmo em papel. Mas compreendo. E, sobretudo, gosto dessa escrita desempoeirada.

[carlossoares]

Para ser sincero (ou sem cheiro?) fiquei inebriado com o cheiro da Gabriela. 
Não tenho nariz de cão, mas dependo muito dos cheiros da boa escrita.

[Maria Gabriela de Sá]

Essa coisa dos cheiros chega a ser indiscreta. Por exemplo, quando se sabe que os vizinhos do lado vão comer massa cozida - Não é Goretidas?

Obrigada, Carlossoares, que bom que não o enjoo - risos


Abraços

[Goreti Dias]

É verdade. Fico com água na boca e vontade de lhes bater à porta quando me cheira a sardinhas assadas!

[Maria Gabriela de Sá]

Ah,  por que é que eu gosto tanto de comer? Então sardinhas assadas nem se fala, acho que é o meu prato favorito! - risos -

 Ó  Meu rico S. João
 Nem fales que vida a minha!
 Antes de olhar p'ro balão
 Vou comer uma sardinha!

Risos

[carlossoares]

Quando a sardinha é boa
nada é melhor
num naco de broa
perto de uma pipa.

[helenacosta]

  Gostei do cheirinho deste texto!

 Ah! Também, adoro sardinhas!

[Conceição Constantino]

Junto-me ao grupo

[Maria Gabriela de Sá]

Bom, acho que  ainda o melhor é juntarmo-nos e irmos todos comer umas sardinhas - risos

Abraço