Manuela Matos
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Escrever, é uma terapia...
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« em: Setembro 26, 2012, 09:14:23 » |
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HONRA AS VIÚVAS (I Timóteo 5:3)
Alquebrado e cansado, arrastando os pés calejados e trôpegos, alonga-se na escuridão da noite um vulto trémulo, vacilante... Adivinha-se-lhe o corpo doente, curvado sob o peso amargo de uma vida saboreada por tristezas e canseiras... Agora já mais perto, vislumbra-se-lhe o casaco negro e gasto, sobrepondo as pregas soltas e desmanchadas duma saia desbotada pelo tempo... O rosto? Oh, o rosto! Que diferente de outrora! Sulcado por profundas rugas encarquilhado e seco tal cortiça, endurecido pelas agruras da vida... Volve-se-lhe o olhar, inventa-se-lhe o gesto, e num relance o regresso ao passado, aos tempos áureos de felicidade! Oh, como fora feliz! Como tinha bem gravado na memória o seu primeiro beijo, o seu casamento, o seu Zé! Como se lhe entumeciam as faces de um rubor escaldante ao recordar o dia em que se sentiu pela primeira vez mulher! Sim, mulher, esposa, mãe! Que distância sem fim! Que lonjura no tempo! Tempo gravado na sua mente ainda lúcida… Quantas horas a fio passadas num quarto húmido e bolorento, suprindo necessidades doentias de alguém que sofria indefeso! Noites sem fim marcadas pelo tic-tac metálico e gélido de um velho relógio de parede indiferente ao cruel destino; ele marcava a hora e a hora chegou! Oh, como lhe apetecera gritar morte!... Como se sentira esmagada e sem alento! Já quase não era deste mundo... Os filhos? Sim os filhos! Um a um todos partiram já… e depois os dias sequiosos de afeto, as lágrimas choradas pelo desespero da solidão a ausência amarga de um sorriso! Agora à deriva qual barco sem rumo, calcorreando as ruas lamacentas de um triste penar aguarda o fim... - Tu, MULHER, que tanto te deste em amor, vagueias no caminho perdida, carente de afetos, esquecida no mundo! Como eu desejaria beijar-te as mãos, afagar esses teus cabelos brancos, dar-te um abraço sem palavras...
***** É para esta mulher de olhar vidrado e adormecido pelos tumultuosos dias da sua existência que eu quero prestar a minha homenagem com um grande sentimento de ternura, alertando para uma sociedade onde os idosos não vivem dignamente! - Vegetam simplesmente!...
Manuela Matos
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